Com quase um ano de interinidade, de indefinições e insegurança, e com a prorrogação da Zona Franca sem nenhum acontecimento para celebrar, a Suframa, num lance proativo de sua gestão provisória, anuncia a racionalização de avaliação dos projetos industriais. É a um tempo louvável, do ponto de vista da boa vontade, e ao mesmo tempo aviltante esse estado de gestão ausente dos interesses do Amazonas. Apenas desburocratizar depois de um ano de (des)autonomia é muita anomalia institucional. Por que tem que ser assim e por que aceitamos que seja assim? A proposta da Superintendência da Zona Franca de Manaus faz lembrar o drama de um apresentador de espetáculo em que o ator principal não apareceu. Muito menos deu uma satisfação plausível para sua ausência. Todos já perceberam o desacato que isso simboliza, mas o apresentador – nos limites de sua disposição – propõe achar caminhos para dizer aos interessados, com ingresso na mão, que o show deve continuar. E quem é o ator principal dessa tragicomédia? Quem impede que o espetáculo aconteça, a produção recupere seu ritmo e volte a fazer girar a roda da economia? No limite e na verdade, somos diretamente responsáveis por essa omissão. Acostumamo-nos a delegar a outrem a tarefa que nos compete definir. Por que esperar um ano para decidir o candidato que nos parece capaz de assumir a gestão da Suframa, num contexto em que as empresas e os trabalhadores são peças vitais? Por que temos que emprestar poder a um conflito pontual entre atores políticos com um dano moral, material e institucional de tão graves proporções? Essas perguntas precisam ser respondidas diante do espelho da dignidade que o espírito público exige com a mesma objetividade que se impõe na pergunta pela transparência na aplicação dos recursos pagos pela indústria para finalidades claramente definidas pela legislação.
Ao arrepio constitucional
Os investidores no modelo ZFM já haviam sumido muito antes da crise econômica bater a nossa porta, anunciando que veio disposta a ficar. Quem se dispõe a investir numa conjuntura de indefinições tão adversas? Como é possível gastar tantos recursos na elaboração de projetos se duas ou três pessoas, munidas de um poder discricionário, são capazes de vetar uma linha inteira de produção. Vetos para defender empreendimentos e projetos ao arrepio do arcabouço constitucional? Reclamamos, argumentamos, usando uma linguagem rebuscada, mas não damos nenhum passo na direção do enquadramento jurídico da anomalia instalada. Por que não buscamos os instrumentos legais para decidir a modulação legal que nos parece adequada para continuar trabalhando e recolhendo a generosa contribuição fiscal que esse modelo ZFM representa? Que direito temos de reclamar se nos conformamos em esperar o desfecho dessa absurda confrontação? O absurdo da ilegalidade e da imoralidade no veto do PPB, a licença de um Processo Produtivo Básico que compromete a dinâmica industrial e legal da ZFM, a falta de autonomia e de uma rotina funcional da Suframa, com uma equipe gestora constituída como está na Lei. Por que não buscamos amparo no estatuto jurídico que conquistamos com as prerrogativas do Estado de Direito? Ninguém, além dos diretamente envolvidos, precisa responder essas questões.
Somos todos responsáveis
Este clima de desassossego jurídico, econômico e político foi construído com a anuência geral. Todo o esforço de resguardar as prerrogativas do modelo ZFM, demonstrar a relevância de seus objetivos e o peso de sua contribuição caem por terra a se perpetuar essa embromação. A ZFM é um acerto histórico sem precedentes no desafio de redução das desigualdades regionais. E gera volumosos recursos que permitiriam conquistar um lugar entre as civilizações desenvolvidas – com o Amazonas integrado no sumário da socioeconomia nacional – e, infelizmente, esbarra no confronto político que afunda a reputação e os acertos duramente construídos. A economia se amofina por conta da recusa de seus ordenadores em abrir o debate sobre as alternativas viáveis de enfrentamento das adversidades, pela exclusão de propostas de outros atores que não aqueles aferrados ao poder e pela falta de humildade de reconhecer o erro na primeira do plural. Daí o embate político e a dificuldade jurídica de respaldar uma nova ordem que seja transparente, proativa e criativa e assegure recompor as peças de reconstrução do modelo ZONA FRANCA DE MANAUS.
Preste Atenção!!!
Tudo isso tem feito crescer o buraco. Tão danoso ou mais do que as crateras que se ampliam nas ruas do polo industrial de Manaus, a melhor tradução dessa insensatez de destruição progressiva da Suframa. E é simplista a acusação que responsabiliza exclusivamente os gestores públicos por essa anomalia em estado crítico e crônico de ampliação. É claro que esse buraco físico e metafísico refletem a percepção vesga do problema político visto na sua mais obtusa e mesquinha manifestação. Esta é a miséria da filosofia e da política nacional, no contexto geral da sociedade que entende competitividade como um jogo burro de vaidades que teimamos em aceitar. Um jogo cujo enfrentamento histórico remete às raízes coloniais e monárquicas deste pensar pequeno a questão nacional. O fato é que ainda não amadurecemos como vontade política coletiva, capaz de gritar, em nome do interesse público, em uníssono e elevado tom: Preste Atenção! E com isso, enfrentar a questão, aqui entendida como uma decisão dos gestores públicos referendada e viabilizada pelo estofo da adesão social e popular de quem paga a conta no fim da sessão.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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