A tragédia da economia das sombras

“Economia das sombras é, antes de tudo, um espelho de nossa omissão coletiva. E enquanto o crime for mais ágil que a lei, mais barato que o imposto e mais eficaz que o governo, o país”

O Brasil convive com uma tragédia silenciosa, tão devastadora quanto invisível: a expansão da economia das sombras. Um sistema paralelo, estruturado e altamente lucrativo, que vai muito além do tráfico de drogas. Trata-se de uma engrenagem de contrabando, falsificação, pirataria e corrupção que movimenta centenas de bilhões de reais por ano, drena recursos públicos, destrói empregos formais e solapa a confiança no Estado de Direito.

O recente evento Follow the Money, promovido pelo Brazil Journal, lançou luz sobre o que já não é mais uma anomalia marginal, mas um modelo de negócios alternativo que prospera à sombra da legalidade. O juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos alertou para o “abismo jurídico” que impede o país de tratar o crime organizado com o rigor que ele exige. Deputados como Julio Lopes e Hugo Leal admitiram a urgência de revisar a Lei Antiterrorismo, enquanto o auditor da Receita Federal Carlos Venturini defendeu a inclusão do órgão na PEC da segurança pública. É a constatação de que o crime se sofisticou mais rápido do que o Estado.

O império da ilegalidade

O ex-capitão do BOPE Rodrigo Pimentel foi direto: “As facções já não dependem da cocaína e da maconha. Elas sobrevivem do domínio territorial e da economia ilícita de produtos do dia a dia — do gás ao cigarro, do pão ao gelo.”

O crime se diversificou, legalizou sua aparência e passou a disputar o mesmo espaço da economia formal. Estima-se que apenas o contrabando de cigarros gere R$ 10 bilhões anuais — mais que a arrecadação de muitos estados. As drogas representam só 10% dessa engrenagem; o resto é o cotidiano corrompido pela informalidade violenta.

O problema, portanto, não é apenas policial: é estrutural, econômico e moral. A informalidade se tornou “modelo de eficiência” onde o Estado fracassa em simplificar, fiscalizar e educar. E o comércio legal, que paga impostos e cumpre regras, é quem paga o preço da impunidade institucionalizada.

economia das sombras
Foto divulgacao

A falência do controle

Emerson Kapaz, do Instituto Combustível Legal, destacou que a mobilização funciona — mas precisa ser permanente. Aprovou-se a lei do devedor contumaz, desnudou-se o “carbono oculto” do crime, mas o sistema ainda reage devagar. Enquanto isso, o crime organizado infiltra-se nos negócios formais e até nas cadeias de energia, como lembrou o CEO da Light, Alexandre Nogueira, ao citar os furtos de energia.

Essa realidade revela um Estado acuado, que terceiriza o controle social e econômico à criminalidade, incapaz de competir com a agilidade, o baixo custo e a “eficiência” do crime. É o retrato da inversão moral: o errado é mais rápido, mais barato e mais lucrativo que o certo.

Caminhos para a reconstrução

A economia das sombras não será vencida apenas com polícia ou leis mais duras. Ela exige uma reforma moral e institucional, que devolva ao cidadão a sensação de pertencimento e ao empreendedor a segurança de operar em um ambiente justo. Eis alguns caminhos considerados urgentes:

  • Modernizar o marco jurídico – Atualizar a Lei Antiterrorismo e integrar os órgãos de controle (Receita, Polícia Federal, COAF e Judiciário) sob um protocolo de resposta ágil e coordenada.
  • Combater o contrabando com política fiscal inteligente – A diferença tributária é o maior incentivo à ilegalidade. Reduzir impostos de produtos alvo do contrabando, como cigarros e combustíveis, pode neutralizar a margem de lucro do crime.
  • Criar um pacto nacional pela economia legal– Governo, indústria e comércio precisam assumir uma agenda comum contra o mercado paralelo, com transparência tributária, rastreabilidade e educação fiscal.
  • Reformar o sistema penal e tributário– De nada adianta prender se o crime compensa. O sistema deve atingir a estrutura financeira do crime, não apenas seus executores.
  • Valorizar a segurança pública como política de desenvolvimento– O custo da insegurança é invisível, mas altíssimo: ele corrói o PIB, o investimento e a esperança.

Economia da confiança

O Brasil precisa reconstruir a confiança. E confiança é uma forma de capital social que só floresce em ambientes onde a lei vale para todos.


O comércio — a mais antiga expressão da convivência humana — não pode ser o elo mais frágil entre a legalidade e a barbárie. Quando a ilegalidade domina o espaço público, o primeiro a desaparecer é o cidadão de bem; o segundo, o Estado.

A economia das sombras é, antes de tudo, um espelho de nossa omissão coletiva. E enquanto o crime for mais ágil que a lei, mais barato que o imposto e mais eficaz que o governo, o país

Belmiro Vianez Filho
Belmiro Vianez Filho
Empresário do comércio, ex-presidente da ACA e colunista do portal BrasilAmazôniaAgora e Jornal do Commercio.

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