“Podemos tentar discutir a estratégia ideal para o Amazonas na corrida dos data centers, mas não sabemos nem se vamos dar conta do acréscimo de demanda por energia no nosso modelo atual. Alguém mais está discutindo isso?”
Pesquisa da plataforma Bloomberg demonstrou fortes aumentos nas contas de energia para as famílias norte-americanas, dramáticos nas cidades próximas a data centers. Em alguns casos as faturas quase quadruplicaram nos últimos cinco anos. Os responsáveis são os provedores de serviços de inteligência artificial (IA) e computação em nuvem.
Eis a sequência: Primeiro eles escolhem as regiões com maior oferta de energia, onde as contas estavam mais baratas, mas a disseminação dos serviços de IA se acelera bem mais que o previsto, leva a novas expansões dos data centers, e a demanda por energia aumenta bem mais que a oferta. Onde havia excesso de energia passa a ter déficit. Tudo o mais constante, o preço dispara, prejudicando quem estava lá perto mas não tinha nada a ver com isso.
Os provedores de IA e computação em nuvem têm vasculhado o mundo inteiro em busca de abundância de energia, de preferência coincidindo com clima frio, conectividade, e mão-de-obra qualificada. A Irlanda foi um dos países fora dos Estados Unidos que melhor conseguiram alinhar essas variáveis. Sofreu o mesmo drama de aumento das faturas e decidiu suspender novas conexões de geradoras de energia às linhas de transmissão. Tentativa de conter a retroalimentação do ciclo.
Isso não quer dizer que no Brasil e no Amazonas vamos fugir da corrida dos data centers. Ao contrário. Podemos nos dispensar do ônus do pioneiro, usando nossas peculiaridades e aprender com os erros dos outros.
Data centers são uma das dimensões físicas da corrida da IA. São agora como eram as ferrovias do século XIX. Não demandam apenas energia. Têm o viés mineral, de metalurgia, de instrumentação e ferramentaria. Podemos trazer ao PIM o máximo de componentes típicos de data centers e que ainda não produzimos. E forjar as competências humanas correspondentes. Já temos boa base de produção de baterias, por exemplo. É expandir a partir daí.
Que sejamos um hub de data centers aí é outra história. Nossa abundância de água pode compensar as elevadas temperaturas. Mas, a comparar com os outros estados do Brasil, temos desvantagem forte em relação ao Ceará, por exemplo, que tem elevado excedente na geração de energia, proximidade aos grandes cabos de internet, e competência humana na fronteira da nova unidade do ITA.
No Amazonas temos algumas ambiguidades no tema da energia elétrica. Estamos longe da abundância do Pará com suas Tucuruí e Belo Monte, que juntas às demais unidades geradoras dão ao nosso vizinho quase 23 gigawatts de capacidade. Nossa capacidade é um décimo disso, 2,16 gigawatts. Com as usinas do Azulão poderemos aumentar em mais de 50%. É o maior aumento proporcional projetado entre os estados brasileiros.
Porém, a se considerar nosso consumo em 8 gigawatts, continuaremos longe da autossuficiência. E continuar contando com o Sistema Interligado Nacional não é bom negócio. O linhão de Tucuruí precisaria aumentar em capacidade, hoje em 2 gigawatts. O total de novas outorgas vai acrescentar apenas 5% à capacidade atual do Brasil. E muitas estão desistindo, devido insegurança jurídica e ameaças regulatórias.
Ou seja, podemos tentar discutir a estratégia ideal para o Amazonas na corrida dos data centers, mas não sabemos nem se vamos dar conta do acréscimo de demanda por energia no nosso modelo atual. Alguém mais está discutindo isso?