A tarefa de compreender e explicar o tamanho da crise que a Zona Franca de Manaus hoje experimenta torna-se mais fácil a medida em que cotejarmos o descaso político com o descaso legal/constitucional, por parte do poder constituído, agregados a uma desarticulação interna da qual os autores locais não podem se furtar. Sim, decididamente, a catraia encontra dificuldades para evitar o naufrágio principalmente porque duvidamos que isso pudesse ocorrer. Hipnotizados – como se estivéssemos picados de cobra – por um otimismo vesgo, ou de um avestruz distraído, ficamos aplaudindo a banda passar. A desindustrialização – polos de duas rodas, informática e eletrônicos à parte – tem-se dado já faz mais de uma década. A certa altura, passamos a demonstrar o faturamento em real, porque em dólar, faz tempo, o buraco se alarga. Os polos, o de duas rodas e o de TVs, estavam liderando o bloco da resistência enquanto os demais sobreviviam à custa de mirabolantes exercícios de criatividade contábil. A falta de competitividade de seus produtos sempre emergiu como o diagnóstico principal da patologia industrial que os alcançou. Faltou, portanto, o respeito aos seus direitos legais, foi débil a defesa política das dificuldades vigentes, enquanto ficamos todos empenhados em assistir passivamente o cumprimento da promessa eleitoreira que anunciava promessas de transformação. Na semana passada o presidente Wilson Périco afirmou categoricamente que o governo que está a frente dos destinos do país é visivelmente contrário ao desenvolvimento regional e a consolidação ao modelo Zona Franca de Manaus. Temos sido tímidos em demonstrar a objetividade dos fatos que comprovam essa afirmação.
Desarticulação nociva
Aplaudimos a prorrogação do modelo ZFM, mas não fomos capazes de cobrar/exigir/denunciar a omissão federal no cumprimento de suas responsabilidades legais no que se refere ao provimento de infraestrutura de banda larga, energia e logística de transportes. Ao mesmo tempo fomos omissos na cobrança da classe política para que, mobilizada, articulada regionalmente e desprovida de ressentimento partidário em nome dos interesses do Amazonas, defendesse a legalidade e necessidade de manutenção do modelo como determina a constituição federal
Ilegalidade fulminante
PPB, TSA, verbas de P&D, mecanismos vitais de desenvolvimento, base dos acordos, regras, compromissos assumidos por ocasião da assinatura do contrato que decidiu a implantação dos investimentos em Manaus, foram fulminados pela ilegalidade constante, impune, reincidente dos últimos anos, é por aí que tem caminhado a ZFM, mecanismo fiscal mais acertado na história da redução das desigualdades regionais do país. As contribuições das empresas passaram a ser utilizadas na contramão do que a Lei determina. Criada em 1967, o objetivo da Zona Franca de Manaus era conferir à Amazônia o status de brasilidade, para evitar sua apropriação estrangeira. E não apenas isso. O modelo passou a guardar mais fortemente a floresta na medida da pressão internacional contra a sua derrubada. Construímos o terceiro PIB industrial do país, mas iremos a lugar algum – confiscados em quase todas as contribuições para consolidar e diversificar a planta industrial – se não transformarmos este modelo numa referência nacional de tecnologia e biotecnologia a partir das vocações regionais de negócios da Amazônia. O Governo Federal criou a Suframa e definiu a Amazônia Ocidental. Inserida na Constituição de 1988, foi prorrogada em 2014 por mais 50 anos no esplendor de seu esvaziamento e descaso. Segundo FEA/USP, ao longo dos últimos 14 anos, adotando expedientes criativos, a União recolheu mais de 54% da riqueza que a ZFM produz. As Taxas de Serviços Administrativos da Suframa, por sua vez, criadas por lei para fazer funcionar o modelo, foram parar no BNDES, hoje alvo de acusações sombrias de aplicações não-republicanas de seus recursos. Decididamente, o presidente do CIEAM tem motivos para apontar o deslize. Por que aceitamos isto?
Esvaziamento anunciado
Há 14 anos esses recursos que poderiam abastecer convênios de infraestrutura para os municípios carentes da Amazônia Ocidental, são progressivamente confiscados pela União. A ilegalidade reduziu drasticamente as ações de desenvolvimento e diversificação econômica na região, onde há três anos não são celebrados nenhum acordo de cooperação de infraestrutura com os governos estaduais ou municipais. Argumentando aplicação das verbas não-orçamentárias para reforçar o superávit primário, repasses para outras prioridades dos acordos internacionais, ou programas de outros ministérios, estima-se que foram confiscados 80% das verbas de P&D, recolhidos pelas empresas de tecnologia ao Fundo de Desenvolvimento Científico, que representa 0,5% do faturamento bruto, pela Lei de Informática, para criar através de pesquisas, mudanças no paradigma industrial. Por que aceitamos isso? Por que não invocamos o poder constituído no Estado de Direito, a Corte Suprema, em nome das condições subumanas das populações interioranas que integram 11 dos mais humilhantes índices de desenvolvimento humano do país? Mais do que apontar acusações a quem quer que seja é importante deixarmos claro para nós mesmos: Por que aceitamos isto?
Fora-da-lei
Além dos impostos de praxe, de acordo com estimativas da Suframa e do Cieam, somente com a TSA e as verbas de P&D, aproximadamente R$ 3 bilhões foram confiscados. 3, 4, um bilhão que fossem essas verbas tinham e tem destinação legal. Sem falar da ilegalidade de vetos de PPB, o mecanismo legal que autoriza novos empreendimentos. Por que depender de autorização se a Constituição só não permite 5 itens para os quais não podem ter os mecanismos fiscais de incentivo do modelo ZFM. Como calar-se diante de manobras autoritárias do GT PPB para brecar novas instalações na ZFM. O modelo industrial agoniza, padece de competitividade por custos elevados de infraestrutura, e se esvazia à vista do confisco ilegal de seus recursos. Temos direitos e razões para fortalecer este modelo que protege a floresta e que impede que a região seja transformada no fornecedor da violência para o resto do país com o plantio, industrialização e tráfico de sofisticadas espécies de drogas. Defendermos juntos o modelo ZFM significa seguir zelando pelo patrimônio da biodiversidade, a partir da qual, postulamos novas matrizes econômicas que façam desse acervo biótico as soluções de fitoterapia, cosmética, nutracêutica e segurança alimentar de que o país e a humanidade precisam para se manter hígido, jovial e bem nutrido, com investimentos na formação de cientistas, e em infraestrutura de inovação tecnológica, nanotecnológica e biodigital. Esta é missão partilhada, é desafio, certeza e proposta de construção coletiva de um novo amanhã.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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