O Portal BrasilAmazoniaAgora teve a oportunidade de entrevistar um dos mais importantes cientistas do mundo quando se fala de Amazônia: Adalberto Val, cujo trabalho incide sobre o impacto das mudanças climáticas nas espécies aquáticas da Amazônia, abordou diversos temas de relevância para a região.
Apaixonado por educação, ciência e biota aquática, Val destacou – dentro do contexto do aquecimento global – a sensibilidade e adaptabilidade dos peixes amazônicos, como o tambaqui, às variações de temperatura e aos poluentes, principalmente microplástico, presente nas águas. Ele ressaltou a importância de considerar o efeito sinérgico das mudanças climáticas e da poluição na qualidade de vida dos peixes e, consequentemente, na segurança alimentar humana, além da necessidade de integrar conhecimentos tradicionais amazônicos com metodologias científicas contemporâneas para avançar no entendimento e na mitigação dos impactos ambientais.
Lembramos ainda o “cutucão” dado pelo cientista no presidente Lula, durante a COP27, cobrando ações efetivas para reorganizar, mobilizar e valorizar a ciência nacional. Sugeriu medidas para atrair cientistas brasileiros de volta ao país, visando criar condições adequadas de trabalho e oferta de empregos nas regiões, como a Amazônia.
Portal BrasilAmazoniaAgora – A ciência tem compreendido cada vez melhor os fenômenos associados às mudanças climáticas. Pensando na biodiversidade, como os peixes da Amazônia, especialmente o tambaqui, estão se adaptando ao aumento de temperatura e às variações extremas do nível das águas?
Adalberto Luís Val – O advento das mudanças climáticas é mundial, com efeitos mais intensos em alguns lugares. Na Amazônia, a exemplo de outras regiões tropicais, os peixes são mais sensíveis aos aumentos de temperatura, como temos experimentado. Isso ocorre porque evolutivamente esses organismos experimentaram intervalos pequenos de oscilação de temperatura, diferente do que ocorre nas regiões temperadas do planeta.
As respostas biológicas dos peixes de uma maneira geral incluem aumento, por exemplo, do batimento opercular, o que faz mais água passar pelas brânquias, por exemplo. Estando a água poluída haverá um maior contato das brânquias com tais poluentes, sejam eles da natureza que for: metais, óleo, plásticos, pesticidas, medicamentos etc. Portanto, o efeito sinérgico das mudanças climáticas com a presença de tais poluentes (dois descuidos do homem com o planeta) afeta a qualidade de vida dos peixes e, por conseguinte, a nossa. Essa foi a mensagem amplamente discutida nos dois encontros que tivemos no Vietnam e na África do Sul.
BAA – Quais são as consequências mais preocupantes da poluição por plásticos, metais pesados e outros poluentes nos rios da Amazônia, conforme suas pesquisas recentes?
ALV: Poluentes de todas as origens no ambiente aquático acaba contaminando toda a biota aquática. Temos isso muito bem documentado do ponto de vista científico. Para os peixes da Amazônia não é diferente: microplásticos são encontrados na carne dos peixes; mercúrio e vários outros metais se acumulam nos peixes, alcançando níveis alarmantes em peixes piscívoros (peixes que se alimentam de outros peixes); medicamentos usados pelo homem acabam interferindo com a fisiologia e comportamento dos peixes.
Após adentrar o corpo dos peixes, esses poluentes além de ter um efeito danoso nas relações biológicas no ambiente, acabam nos alcançando indiretamente: ao se alimentar dos peixes, consumimos microplásticos, metais, medicamentos etc. E é bom sempre lembrar que o peixe é a principal fonte de proteína na região amazônica.
BAA – Como você integra os conhecimentos tradicionais amazônicos com as metodologias científicas contemporâneas em seu trabalho?
ALV: Conhecimentos tradicionais e conhecimentos contemporâneos se somam e permitem um avanço mais rápido do ambiente em que vivemos. O conhecimento tradicional tem origem na observação cuidadosa realizada ao longo do tempo e comunicada de geração a geração.
As mudanças atuais impostas ao ambiente pelas ações antrópicas interferem com o ambiente causando distúrbios não adequadamente mapeados pelos conhecimentos tradicionais. Assim, as metodologias científicas contemporâneas têm um papel importante no diagnóstico e na mitigação de tais efeitos e, evidentemente, essas metodologias podem se somar aos conhecimentos tradicionais. É preciso interlocução, não imposição, entre esses dois mundos.
BAA -Na sua interação com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, você sugeriu políticas para atrair cientistas brasileiros de volta ao país. Quais seriam as principais medidas que você recomenda para revitalizar a pesquisa científica no Brasil, especialmente na Amazônia?
ALV: De fato, na COP27, no Egito, sugeri ao então eleito presidente Lula que precisávamos trazer nossos “meninos” de volta ao país. Naquele momento não pensei em oferecer bolsas para que retornassem ao país, mas, sim, criar condições de trabalho e ofertas de emprego adequadas no país e, particularmente nas regiões mais afastadas dos grandes centros, como a Amazônia, para que aqueles que quisessem voltar ao país pudessem fazê-lo. Contudo, tinha em mente também evitar que nossos melhores cientistas jovens deixassem o país e pudessem ficar e contribuir com o desenvolvimento do Brasil e da ciência mundial. Cientistas brasileiros bem colocados no exterior devem ser vistos como importantes pontos de cooperação científica.
BAA – Com a ameaça de extinção de várias espécies de peixes devido ao aquecimento global, que estratégias você considera essenciais para preservar a segurança alimentar das comunidades locais?
ALV: Segurança alimentar e biodiversidade andam de mãos dadas, sendo que a conservação, incluindo a saúde, desta última depende de como tratamos o ambiente em que vivemos. Os organismos em seus ambientes naturais dependem da interação entre si, como é o caso das cadeias alimentares, e da qualidade físico-química do ambiente (oxigênio, pH, temperatura, presença de poluentes, etc.) e quando estes estão em desequilíbrio, aqueles tendem a deixar o ambiente em que vivem e, dessa forma, reduzir a disponibilidade de alimento, principalmente no caso dos peixes em regiões como a Amazônia.
Assim, melhorar a qualidade do ambiente não só permite a conservação biológica, mas, também, a qualidade de vida do homem, o que constitui a base do conceito moderno da saúde global ou saúde única.
BAA – Você mencionou que muitos peixes amazônicos já vivem no seu limite térmico superior. Poderia detalhar como essa condição afeta a sobrevivência e reprodução dessas espécies?
ALV: Os peixes de uma maneira geral não são capazes de regular a temperatura do corpo como nós fazemos. A temperatura do corpo dos peixes acompanha muito de perto a temperatura do ambiente em que estão. Assim, um aumento da temperatura ambiental acima dos níveis adequados para funcionamento de suas maquinarias metabólicas leva, inevitavelmente, à morte. Essa fragilidade atinge todas as fases de vida, limitando a sobrevivência e reduzindo a reprodução. Note que o desenvolvimento inicial é altamente sensível à temperatura e níveis elevados de dióxido de carbono, de acordo com os trabalhos que já realizamos nas salas climáticas no âmbito do Projeto ADAPTA apoiado pela FAPEAM e CNPq.
BAA – Como você vê o futuro da pesquisa na Amazônia diante dos desafios econômicos e ambientais atuais? Há planos para implementar novas tecnologias sustentáveis que poderiam beneficiar tanto a ciência quanto as comunidades locais?
ALV: A segurança alimentar mais e mais deverá ser acompanhada por soberania alimentar e isso significa conservar as principais fontes locais de alimento. No caso da Amazônia, os peixes têm posição central nesse caso. Há um mundo de novas tecnologias que podem estar disponíveis brevemente e que ajudariam a resolver gargalos que ainda persistem em muitas das cadeias de valor de produtos da região, incluindo, novamente aqui, os peixes. As instituições da região têm um papel relevante nesse contexto. Também têm um papel relevante as informações robustas depositadas em vastos acervos no estrangeiro.
Há necessidade de instituições com matiz tecnológico capaz de decodificar essas informações e transferi-las para as comunidades locais. Há estudos em curso nesse sentido e, por questões de familiaridade, cito os estudos que vêm sendo desenvolvidos para desenhar uma instituição Pan-Amazônica, não governamental, que a princípio está sendo denominada AmIT (Instituto de Tecnologia da Pan-Amazônia), com o objetivo de explicitar tecnologias sustentáveis em cinco áreas interconectadas (Paisagens alteradas, Amazônia Urbana, Infraestrutura sustentável, Águas da Amazônia, Floresta e Sociobiodiversidade) e disponibilizá-las para as comunidades locais. Trata-se de um olhar diferente para a Pan-Amazônia.
BAA – Poderia explicar mais sobre como a inteligência artificial está sendo usada para monitorar a saúde dos peixes ornamentais na Amazônia? Como essa tecnologia poderia ajudar na conservação das espécies?
ALV: Um admirável mundo novo emergindo – é assim que podemos ver a aplicação desse novo universo chamado “inteligência artificial”: produto da ciência ajudando a própria ciência a andar mais rápido e com maior precisão. Temos estudos iniciais com o uso dessa tecnologia para avaliar a saúde dos diminutos peixes ornamentais, com base no comportamento deles, já que é impossível coletar sangue deles para análises convencionais. Estamos engatinhando aqui, mas o mundo já avançou de forma significativa e precisamos de recursos financeiros e gente capacitada para desenvolver e aplicar essas novas tecnologias.
BAA – Como o conceito de ‘floresta em pé’ pode ser efetivamente implementado para explorar as riquezas da Amazônia de forma sustentável sem comprometer sua biodiversidade?
ALV: Resumiria essa resposta em uma única palavra: informação. É preciso buscar as informações que estão escondidas na floresta, estas sim se constituem no produto mais valioso que a floresta contém. A bioeconomia nem pode estar baseada no extrativismo puro e simples em larga escala e nem pode depender do desmatamento para produção.
Dessa forma, a informação pode contribuir para processos de produção de riquezas de forma sustentável e a ciência moderna tem o ferramental para isso, principalmente advindo da biologia molecular, das ciências ômicas (genômica, transcriptômica, proteômica, metabolômica etc). De novo, jovens altamente qualificados e fixados aqui na região e investimentos farão toda a diferença, se não quisermos construir um cenário robusto para o desenvolvimento da região, com qualidade de vida e conservação ambiental.
BAA – Como sua paixão pela pesca influenciou sua escolha pela carreira científica e quais mensagens você gostaria de passar para as novas gerações de biólogos e ambientalistas?
ALV: Acredito na ciência, aquela que nossos ancestrais aprenderam observando fenômenos naturais e aquela que aprendemos no laboratório. Acredito também na educação, em todos os níveis e para todas as necessidades. Construiremos uma nação forte na medida direta que utilizarmos a ciência como norteadora de nossas ações, não por fé cega, mas por ser o único caminho que nos proporciona segurança. Assim, a mensagem central que deixaria para as novas gerações é “estejam saudáveis para aprender mais, para escutar mais e para compartilhar mais”.
Adalberto Luis Val é um dos maiores e mais destacados cientistas do mundo em sua área de atuação. É membro e ex-diretor geral do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), membro titular da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Mundial de Ciências. Adalberto é um dos parceiros-fundadores do portal BrasilAmazoniaAgora.
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