“Doutor em Desenvolvimento Regional e com larga experiência no assunto, o professor José Alberto é um pregador do desenvolvimento sustentável da Amazônia, matéria que ele domina e bandeira que ele desfralda apaixonadamente por onde tem andado. UFAM, Suframa, INPA, Ministério Público Estadual e onde é chamado. Atento aos benefícios para nossa gente, se especializou em Crédito de Carbono, uma fonte de recursos e oportunidades que o mundo inventou e o Brasil formalizou e que precisa alcançar os principais destinatários: homens e mulheres da Amazônia. Confira a entrevista!”
Coluna Follow-Up
Entrevista com o professor José Alberto Costa Machado
Por Alfredo Lopes
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Coluna Follow-Up – A Lei 14.590/23, que permite o comércio de crédito de carbono, também regula a exploração da biodiversidade. Na sua opinião, foram resguardados os interesses das populações tradicionais da Amazônia?
José Alberto Costa Machado – Essa lei, de 24 de maio de 2023, altera a Lei no. 11.284, de 02 de março de 2006, esta sim, é que dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável. Esclarece, de forma mais precisa, o entendimento de concessão florestal, esclarecendo tratar-se de delegação de direito para praticar atividades de manejo florestal sustentável, de restauração florestal e de exploração de produtos e serviços em unidade de manejo.
Definindo esta, como área definida por critérios técnicos, socioculturais, econômicos e ambientais, localizada em florestas públicas e que seja objeto de um Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS). Ademais, condiciona que somente são elegíveis para fins de concessão florestal as unidades de manejo previstas em Plano Plurianual de Outorga Florestal (PPAOF), instrumento no qual estão resguardados todos os aspectos relevantes do tema, inclusive, os interesses das comunidades locais.
Uma das boas novidades trazidas por essa legislação foi prever a exploração de produtos e de serviços florestais não madeireiros e, em especial, a transferência de titularidade dos créditos de carbono do poder concedente ao concessionário, bem como o direito de comercializá-los em conjunto com os serviços ambientais associados. Ressalvadas, de forma bem clara, as áreas ocupadas ou utilizadas por comunidades locais. Então, no meu entendimento, estão bem resguardados os direitos das comunidades tradicionais que vivem nessas áreas.
Até aqui, as movimentações locais, ao que parece, tem encontrado barreiras para consolidar novos negócios e benefícios dessa legislação. A que você atribui este fato?
José Alberto – No Amazonas os órgãos públicos estaduais adotam estratégias, no meu entender, diferentes das perspectivas endereçadas pela lei. Enquanto esta busca viabilizar concessões para exploração econômica privada, aqueles buscam oferecer garantias de conservação em troca de acesso a fundos internacionais e transações comerciais nas quais o agente comercializador é o poder público estadual.
São lógicas muito distintas. Na primeira, o agente econômico, uma vez cumprindo todas as obrigações previstas nos editais e contratos, é proprietário dos ativos e produtos gerados comercializando-os ou fazendo com estes ou com a receita deles decorrentes o que for mais adequado aos seus interesses. Já na lógica pública estadual, o Estado é que arbitrará o que fazer com as receitas advindas de tais atividades, isto é, determinará quanto caberá aos agentes intermediários envolvidos, quanto irá para a manutenção das unidades de conservação associadas, quanto irá para o sistema público de gestão dessas unidades e quanto caberá às comunidades.
Historicamente, as iniciativas de uso sustentável da biodiversidade esbarram na burocracia entrevada em nossa cultura. Como fazer para superar estes embaraços?
José Alberto – Penso que essas dificuldades tem muito mais de “narrativas” do que realidade. Obviamente, não estou dizendo que inexistam burocracias descabidas. Mas, elas também existem em todo o Brasil e, apesar disso, há, em outras regiões, empreendimentos bem sucedidos de uso sustentável da biodiversidade. Mesmo em estados fronteiriços como o nosso – como Pará e Rondônia – há exitosos exemplos.
Penso que esse “discurso” parece ser mais uma “muleta psicológica” de nossas elites (empresariais e políticas) para justificar o não uso dos ativos ambientais e riquezas naturais regionais como pilar relevante de nossa economia.
Enquanto isso, atores estrangeiros, com amparo de atores regionais, já contabilizam alguns sucessos comerciais bem alentados. O que está faltando para ajustar essas incongruências?
José Alberto – Pois é, essa constatação é bem o exemplo de que a “burocracia” não é bem a razão. Talvez o “hiperfoco” que temos em relação à ZFM e seu PIM tenha trazido esse efeito colateral que ainda não paramos, como sociedade, para refletir, seriamente, a respeito. Somente algo nesse sentido pode explicar a quase integral absorção dos esforços e agendas de nossas elites com nosso exitoso modelo e a quase ignorância ou desligamento de todo o resto.
Recentemente a mídia tem destacado iniciativas bem-sucedidas em movimentação de créditos de carbono no agronegócio do Centro-Oeste. O que você pensa respeito?
José Alberto – Lá eles estão levando a sério o assunto. Se organizam e tomam iniciativas concretas. Não esperam por atores externos virem comprar seus créditos de carbono. Eles mesmo estão estruturando seus mercados e transformando em dinâmica econômica real, que gera receita e insere seus negócios nas demandas por produção sustentável. Aqui no Amazonas não existe isso. Os protagonistas de relevo falam de crédito de carbono mais por ser tema da ocasião e menos por convicção de que se trata de negócio, e dos bons.
Todos esperam que os agentes do exterior venham aqui comprar nossos créditos, esquecidos que também temos grandes empresas no estado que emitem gases de efeito estufa em suas atividades e que precisam compensá-las. Somente no nosso PIM temos respeitáveis marcas cujas matrizes, na Europa ou Ásia, já são obrigadas a compensar emissões. Mas, por aqui, ainda seguem como se o assunto não lhes interessassem. É preciso botar reparo nessa matéria!
José Alberto Costa Machado foi professor da Universidade Federal do Amazonas, Doutor em Desenvolvimento Socioambiental, com histórico de atuação por diversos órgãos fundamentais ao desenvolvimento regional amazônico como o INPA, a Suframa, Ministério Público Estadual e muitos outros.
Coluna Follow-Up é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras no Jornal do Comércio do Amazonas, sob a responsabilidade do CIEAM e coordenação editorial de Alfredo Lopes, consultor da entidade e editor do portal BrasilAmazôniaAgora.
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