Através da implementação de Sistemas Agroflorestais na Amazônia, o Idesam está promovendo uma agricultura regenerativa e contribuindo para a mitigação climática. Essa iniciativa, com destaque para o cultivo sustentável de café, não só revitaliza a economia local, mas também desempenha um papel crucial na preservação da biodiversidade da região.
Aldemir Queiroz, um extrativista de 61 anos e morador da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uatumã há 58 anos, descreve a difícil vida na reserva devido à severa seca que atingiu o Rio Uatumã. Este evento é considerado a pior seca em 121 anos, afetando profundamente o Rio Negro em Manaus, que atingiu uma baixa histórica de 13,59 cm em 16 de outubro de 2023. Queiroz relata a escassez de peixes e a dependência de frutas e hortas para sobrevivência.
“A gente não encontra quase nenhum peixe nesse rio, só se der sorte. A gente tem fruta também, tem horta. A horta a gente ainda consegue aguar né, que tá aqui do lado de casa. Mas é assim que a gente tem vivido, apertado, mas tá vivendo”
A seca trouxe graves consequências para 62 municípios do Amazonas, incluindo a comunidade de Santa Luzia do Caranatuba, localizada na reserva, onde cerca de 40 famílias dependem do extrativismo e do plantio para subsistência. Seu Aldemir, sua esposa Dona Neide Santos, e seus nove filhos criaram um sistema agroflorestal (SAF) na RDS do Uatumã, que hoje é uma fonte vital de alimento durante a emergência climática. Este SAF inclui quase 100 árvores de pau-rosa e outras 4.210 árvores frutíferas, medicinais e madeireiras.
“Quando a gente tava plantando aqui chamavam nós de maluco, porque a gente começou a plantar muda de pau-rosa. Diziam que isso não tinha futuro, que não ia dar certo e agora tá aí nosso SAF, cheio de árvore, que dá comida pra nós, dá fruta, dá madeira, dá alimento né, que nesses tempos agora importa muito. Se não fosse essa terra, a gente não tinha o que comer”
Transição de explorador a conservacionista
Aldemir, que começou a explorar a árvore de pau-rosa, Aniba rosaeodora, aos 14 anos, reflete sobre suas ações passadas na exploração ilegal da madeira e como, se tivesse o conhecimento atual, teria agido de forma diferente. Na época, a falta de fiscalização permitiu a exploração intensiva de pau-rosa, uma árvore essencial para a indústria da perfumaria e cosméticos, levando a espécie para a lista de flora brasileira ameaçada de extinção. Aldemir transformou-se de um predador de pau-rosa em um agente de conservação, começando a agrofloresta com as sementes e ramos coletados durante a exploração ilegal.
“Quando eu era explorador de pau-rosa eu derribava, tirava pelo tronco e ainda deixava a galhada lá pelo chão”.
“Vamo dizer se nós tivesse conhecimento como agora, nunca tinha perdido as árvores pra exploração. Hoje eu penso assim, das 5 mil árvores que eu explorei e se elas tivesse em pé dentro da reserva agora?”
O IDESAM apoia e investe na produção de centenas de produtos sustentáveis oriundos da biodiversidade amazônica
Com a criação da RDS em 2004 e o desenvolvimento do Plano de Gestão pelo Idesam, houve uma mudança drástica na realidade das comunidades ribeirinhas do Rio Uatumã. As práticas de exploração ilegal de madeira, caça e pesca foram substituídas por um modelo de desenvolvimento econômico sustentável, beneficiando as mais de 350 famílias das 22 comunidades da reserva.
A região da RDS do Uatumã, vista de cima, revela um vasto tapete verde, mas também mostra as marcas dos incêndios florestais. Estes incêndios, muitas vezes resultantes da atividade agropecuária, abrem clarões na floresta e contribuem para a poluição do ar. A prática de queimadas, usada na agricultura convencional para limpar a terra, tem impactos ambientais significativos, incluindo a emissão de carbono e a degradação do solo. A combinação de calor extremo e seca levou a um aumento recorde de queimadas em Manaus e regiões vizinhas, afetando gravemente a qualidade do ar.
Estações no Amazonas e desafios climáticos
As estações do ano no Amazonas se alternam entre períodos de cheia e seca, influenciadas pelas chuvas. Durante a seca, incêndios se intensificam devido à secagem das florestas e a práticas criminosas de desmatamento e queimadas. A realidade da destruição ambiental foi testemunhada de perto pela equipe de jornalismo, que descreve a transformação drástica do Rio Uatumã, agora reduzido a um filete de água, contrastando com sua extensão anterior de quase 2 km.
“Eu comecei a plantar mais umas mudinhas do ano passado pra cá, trezentos pé, só que já morreu a metade. Essa seca tá destruindo tudo, tavam pequena ainda e não resiste ao calor que é muito forte. Olha como as árvores grande tão sentindo o verão”
“Eu tô triste né, tô triste por causa desse verão grande, se eu tivesse como ter um irrigamento pra continuar dando água pra elas, vamo dizer de três em três dias ou então, de quinze em quinze dias que fosse, pra mim era bom. Aqui já teve pra mais de 30 dias sem chuva, aí elas não aguentam. E aí a gente tá tendo esse verão forte, mas pode vir um outro verão mais forte ainda pela frente, a gente não sabe”
O jornalista narra a dificuldade de navegação pelo Rio Uatumã e a visita à casa de Seu Aldemir, destacando as adversidades impostas pelo intenso verão amazônico. Aldemir expressa sua tristeza e preocupação com a severidade e o impacto da seca, especialmente na sobrevivência das mudas de pau-rosa e outras plantas do seu viveiro, que estão sucumbindo ao calor extremo.
Resiliência e adaptação dos SAFs
Natalie Unterstell, pesquisadora e presidente do Instituto Talanoa de Políticas Climáticas, ressalta as dificuldades enfrentadas pelos guardiões dos sistemas agroflorestais (SAFs) na Amazônia, como Seu Aldemir. Ela enfatiza a necessidade de estratégias de adaptação, como sistemas de irrigação e plantas resistentes ao calor, planejadas em conjunto por autoridades, comunidades locais e organizações civis. Estas ações visam fortalecer a criação de zonas tampão para proteger os SAFs de incêndios e evitar o desmatamento ilegal.
Natalie Unterstell destaca a relevância dos SAFs na mitigação das mudanças climáticas. Ela explica que esses sistemas combinam agricultura e floresta, preservando a biodiversidade e melhorando a qualidade do solo. Os benefícios incluem conservação de recursos hídricos, aumento da resiliência climática, manutenção da biodiversidade e captura de carbono.
A seca no Amazonas afetou cerca de 600 mil pessoas e causou mortes de animais e vítimas fatais em deslizamentos de terra. Seu Aldemir, com sua experiência e conhecimento da terra, antecipa verões ainda mais intensos e desafiadores. Natalie ressalta que as mudanças climáticas devem exacerbar os desafios na Amazônia, como secas mais severas e perda de biodiversidade, devido ao ressecamento da floresta e instabilidade nas chuvas.
“Em um cenário de desmatamento e savanização, os sistemas agroflorestais têm um papel crucial na regeneração da floresta e na mitigação das mudanças climáticas. Estes sistemas combinam agricultura e floresta, preservando a biodiversidade e melhorando a qualidade do solo. Os principais benefícios incluem a conservação dos recursos hídricos, aumento da resiliência climática e manutenção da biodiversidade. Os SAFs também ajudam a capturar carbono, um fator essencial na luta contra as mudanças climáticas”
Para enfrentar esses desafios, Natalie sugere investir em políticas públicas favoráveis e incentivos econômicos para agricultores, promovendo a adoção generalizada de práticas agroflorestais. Ela também menciona a possibilidade de financiamento através de fundos climáticos, como o Fundo Clima e o Fundo Amazônia, como medidas práticas de curto prazo para apoiar essas iniciativas.
Expansão dos Sistemas Agroflorestais (SAFs)
“Um sistema agroflorestal, na verdade, é o homem imitando a natureza”
Elen Blanco, gestora de projetos na Iniciativa de Serviços Ambientais do Idesam, explica que os SAFs imitam a natureza, combinando espécies para recuperar áreas degradadas, produzir alimentos e sequestrar carbono. Esses sistemas são baseados no princípio de coexistência de várias espécies vegetais, cada uma ocupando seu próprio espaço e contribuindo para a otimização dos recursos naturais, como luz solar e nutrientes do solo.
Desde 2010, o Idesam coordena o Programa Carbono Neutro, que compensa as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) através da implementação de SAFs em áreas degradadas na RDS do Uatumã. Ellen do Idesam detalha como o programa calcula as emissões de carbono e determina o número de árvores necessárias para compensar essas emissões. Os recursos arrecadados são utilizados para plantar árvores, contribuindo para a recuperação de áreas degradadas, a compensação de carbono e a segurança alimentar das comunidades. O Programa já resultou no plantio de 50 mil árvores, neutralizando mais de 10 mil toneladas de CO2.
Os SAFs, ao contrário das monoculturas, não degradam o solo, mas criam microcosmos que imitam a floresta natural, mantendo a cobertura vegetal e a biodiversidade. Esta abordagem oferece sustentabilidade a longo prazo para a agricultura, com uma produtividade estendida para mais de 30 anos, e também gera novas formas de economia, integrando o cultivo com a floresta, em vez de substituí-la.
Agrofloresta e sustentabilidade em Apuí
Apuí, no sul do Amazonas, conhecida como uma região de intensa agropecuária e desmatamento, apresenta um exemplo de sustentabilidade através do cultivo do Café Apuí Agroflorestal. Este café, produzido de forma orgânica e sustentável por agricultores familiares, destaca-se como uma alternativa sustentável em meio à devastação florestal. O cultivo em agrofloresta permite que essas famílias produzam um café premium, robusta, de maneira ecológica, combinando saberes tradicionais e técnicos.
Em Apuí, a baixa produtividade levou muitos produtores a abandonar seus cafezais tradicionais. No entanto, uma reviravolta aconteceu graças à colaboração de cerca de 80 famílias, o Idesam e a empresa Amazônia Agroflorestal. Eles desenvolveram um método de cultivo de café manejado que se mostrou muito mais lucrativo. Em 2022, a produção de café agroflorestal gerou uma receita média de R$ 7 mil por hectare/ano, um valor significativamente maior que o obtido pela pecuária predatória.
Estas histórias de sucesso, como a do cultivo de café agroflorestal, destacam o papel crucial dos SAFs na proteção da biodiversidade e na redução dos impactos das mudanças climáticas. A prática ancestral dos SAFs está emergindo como uma esperança vital para a conservação da Floresta Amazônica, especialmente diante do agravamento dos eventos climáticos extremos, ao mesmo tempo em que nutre a vida das comunidades locais.
Diversidade social na Amazônia
Além dos povos indígenas, a Amazônia abriga diversas outras comunidades, como ribeirinhos, caboclos e extrativistas, que estão engajados na defesa do bioma. Eles buscam métodos sustentáveis de produção que não prejudiquem o ambiente em que vivem. Essas comunidades, trabalhando em conjunto com o apoio técnico e organizações sociais focadas na Amazônia, demonstram que é possível romper o ciclo de exploração predatória e preservar o ecossistema para as futuras gerações.
Seu Aldemir exemplifica essa transformação. Ele deixou de trabalhar com madeira clandestina e passou a adotar práticas sustentáveis dentro da reserva. Ele se tornou um modelo para outros, enfatizando a importância de preservar a floresta não só para si, mas para as futuras gerações, como seus filhos e netos. Seu comprometimento reflete uma mudança profunda na mentalidade e nas práticas que são essenciais para a sustentabilidade da Amazônia.
Com informações do Idesam
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