Um estudo internacional, com contribuição de pesquisadores da USP, revela os perigos iminentes do aquecimento global para as árvores da Amazônia, destacando temperaturas críticas que podem levar a danos irreversíveis.
Os efeitos e os perigos do aquecimento global sobre as árvores amazônicas são elucidados em um estudo internacional, que contou com a colaboração de pesquisadores da USP. As análises realizadas pelos cientistas indicaram uma temperatura média de 34 graus Celsius (ºC), valor que ultrapassa a temperatura ótima para a produção de energia pelas árvores através da fotossíntese, a partir da luz solar.
Nas copas das árvores, a temperatura alcançou 40ºC, muito próxima da faixa crítica de 44ºC a 50ºC, denominada como ponto de não retorno, que pode ocasionar danos irreversíveis e a morte das folhas, afetando a produção de energia e a absorção do carbono atmosférico. Os achados da pesquisa foram divulgados em um artigo na revista Nature.
Processo fotossintético em risco
“A fotossíntese nas árvores de florestas tropicais alcança sua máxima eficiência entre 24ºC e 28ºC, o que é denominado como temperatura ótima”, esclarece ao Jornal da USP o professor Humberto Ribeiro da Rocha, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, integrante do grupo internacional de pesquisadores responsável pelo estudo. “Acima dessa faixa, o estômato, estrutura foliar responsável pelas trocas gasosas com o ambiente, começa a se fechar, reduzindo a transpiração, o arrefecimento e contribuindo para o aumento ainda mais da temperatura.”
“Quando a temperatura do ar se eleva excessivamente, além do fechamento do estômato, há a inibição da atividade de enzimas fotossintéticas e do transporte de elétrons no interior da folha, ocorrendo no nível conhecido como Temperatura Crítica (Tcrit)”, destaca o professor. Ambos os processos são essenciais para a captura da luz solar e sua transformação em energia química durante a fotossíntese.
Humberto Ribeiro da Rocha – Foto: Lattes
Análise Multiescalar
Segundo Rocha, o estudo visou compreender os padrões de resposta da floresta tropical ao aumento da temperatura do ar, consequência das mudanças climáticas. “Foram exploradas diversas escalas, desde a superfície da folha e da copa das árvores, a temperatura do ar, e se essa resposta seria alterada no clima futuro”, ressalta. “A pesquisa representa uma evolução dos resultados obtidos ao longo dos últimos 20 anos, confirmados em florestas tropicais na Amazônia, África e Ásia.”
“Nas florestas tropicais, a Temperatura Crítica situa-se entre 44ºC a 50ºC. A ocorrência contínua de eventos dessa natureza resulta na morte da folha”, aponta Humberto Ribeiro da Rocha.
Metodologia e descobertas
“A avaliação da temperatura foi conduzida em uma hierarquia de escalas espaciais. Utilizando dados de satélite de alta resolução, foi avaliado o padrão médio da temperatura das copas, uma vez por dia. Com o auxílio de radiômetros de campo, denominados pirgeômetros, o padrão das copas foi analisado temporalmente ao longo do dia, obtendo-se os picos diários de temperatura”, descreve o professor. Radiômetros são instrumentos utilizados para medições de radiação, como a emitida pelo Sol. “Adicionalmente, folhas individuais foram avaliadas in loco, com termômetros específicos, chamados de termopares.”
“As temperaturas máximas registradas foram de 34ºC, porém descobriu-se que uma parcela significativa das folhas da copa atinge patamares muito mais elevados, acima de 40ºC, aproximando-se da temperatura crítica, nas condições do clima atual”, destaca Rocha. “Através de modelos matemáticos que estimam a resposta do aquecimento da folha ao aquecimento do ar, validados em simulações de laboratório, observou-se que as florestas tropicais podem tolerar um aumento de aproximadamente 4°C na temperatura do ar, antes de atingirem a temperatura crítica da folha.”
Projeções futuras
De acordo com o professor, esse aquecimento está alinhado com as estimativas do cenário de emissões RCP 8.5, projetado pelo Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC), nos conjuntos de projeções do clima futuro denominados CMIP5 e CMIP6, que consideram altas taxas de emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE) e grandes alterações nos padrões de chuva e temperaturas.
“Essa situação implicaria em uma alta recorrência de eventos climáticos em torno da temperatura crítica no futuro, o que configuraria a situação de não retorno”, afirma.“Ainda não se conhece completamente as consequências desta situação crítica no estado geral da árvore, devido às incertezas na capacidade de resposta das árvores e na faixa de temperatura crítica das árvores tropicais. A reação em escala individual e de ecossistema é certamente mais complexa.”
“Um ponto de não retorno na Amazônia já foi previamente calculado, atribuído ao escalonamento do desmatamento regional, que pode diminuir a precipitação na Amazônia e consequentemente levar a um clima regional mais seco, favorecendo as espécies do Cerrado”, observa Rocha.
“Com as projeções de mudanças climáticas, a probabilidade significativa de redução da chuva na Amazônia no futuro também reforçaria este mecanismo. Por outro lado, esses novos resultados apresentam uma nova perspectiva do ponto de não retorno, focando na resposta das folhas individualmente.”
Colaboração internacional
O estudo foi liderado pelo professor Chris Doughty, da Northern Arizona University, com a colaboração da North Carolina State University, Michigan Technological University, Chapman University, University of California e State University of New York e Los Alamos National Laboratory, nos Estados Unidos; University of Oxford, University of Plymouth, University of Leeds, no Reino Unido; Université de Montpellier, CIRAD, CNRS, INRA e IRD, na França, e James Cook University, Institute for the Environment, na Austrália.
No Brasil, a pesquisa foi coordenada pelo professor Humberto Ribeiro da Rocha, do IAG. O artigo intitulado “Tropical forests are approaching critical temperature thresholds” foi publicado pela revista Nature no último dia 7 de setembro.
Com informações do Jornal da USP
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