Thomaz Nogueira fala sobre o quadro atual de uma reforma tributária e a construção de alternativas para o modelo ZFM
Por Thomaz Nogueira
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Para mim é uma oportunidade. A casa é enorme, gigantesca, uma das maiores que se conhecem. A família é grande também, tem uns quartos bem arrumados, outros nem tanto. O problema é que é uma casa antiga. A última reforma tem 34 anos. A encanação tem furos e remendos, a rede elétrica teve de se adaptar ao aumento da demanda.
Ah, e tem um monte de goteiras.
As despesas que sempre foram rateadas precisam ser revistas, uns põem, outros tiram. Fica chato dizer que eles fazem uma “rachadinha”, né? Tem conta que nem existia no passado (internet, tv a cabo). A própria manutenção da casa é cara, por causa dessa estrutura antiquada.
Há um consenso: Precisamos de uma Reforma.
Aí começa o imbróglio. Ninguém se entende sobre o que e como fazer.
Já tentaram muitas vezes antes, mas nunca chegaram a um acordo. De tempos em tempos a discussão volta. Uns querendo uma reforma geral, outros dizendo que uma guaribada basta.
E tem aquela tia de 55 anos que deu duro, que é uma das que poucas que ajuda na economia da casa, mas anda desconfiada que nessa mexida ela dança, porque o resto do povo acha que ela não ajuda em nada. Vá entender!!
Complicado, né? Assim é a estória de Reforma Tributária.
Todo mundo acha que precisa mudar. Uns iluminados têm uns modelos na cabeça, mas o diabo é que ninguém se entende. A maioria não sabe, de verdade, o que vem a ser uma Reforma Tributária. Mesmo assim, todo mundo é a favor desde que não perca nada, claro.
Afinal, então, reformar por quê? Por que reformar?
Há anos que o sistema brasileiro é chamado de manicômio tributário. A expressão é de Alfredo Becker e antecede o Código Tributário de 1965 e a Constituição de 88. Mas a percepção é persistente porque é robustecida por mais de 6 milhões de normas expendidas pela União, Estados e Municípios desde a Constituição de 88.
A primeira razão seria a essa complexidade, mas há os que defendem que em um país com tal dimensão e tantas diferenças econômicas e de distintos estágios de desenvolvimento é um equívoco pensar em homogeneidade do sistema.
Tributaristas experimentados, como Everardo Maciel, vivem defendendo que o sistema é bom e só precisa de ajustes, não de uma reforma constitucional.
Mas querem a Reforma e ela está na agenda de prioridades.
Vamos ao óbvio. Reforma Tributária é a reforma do sistema tributário. E o sistema tributário é o sistema pelo qual pagamos o salário do Poder Público. Isso mesmo, os tributos que pagamos (impostos, taxa disso, taxa daquilo, contribuições etc.) são os componentes do salário do Estado.
Mas, por que pagar impostos? Porque esse é o preço que pagamos para vivermos em sociedade, em uma economia de mercado. Quem cuida dos aspectos coletivos da vida social precisa de recursos para isso.
As três fontes clássicas da tributação são: O Patrimônio acumulado; a Renda, medida de forma anualizada; e o Consumo (produção e venda). O foco em cada uma delas vai definir o perfil de cada sociedade. Hoje, no Brasil, é o Consumo que suporta a maior tributação e, consequentemente, gera a maior arrecadação.
Alguns problemas desse modelo. Os pobres pagam mais proporcionalmente e isto leva a uma brutal concentração da renda. Em algum momento, você já ouviu a informação que uns poucos brasileiros que formam 1% da população detém mais de 50% da riqueza nacional. No outro lado do espectro, os 50% mais pobres detém apenas 1% dos bens do país. Aguçado no país, esse é um problema mundial. A tal ponto que 100 das pessoas mais ricas do mundo pediram para os governos cobrarem mais impostos sobre a renda.
A tributação na fase de produção também retiraria competitividade de produtos brasileiros.
Bem, então precisamos focar nos dois outros segmentos (renda e patrimônio). O Lula está insistindo em estabelecer uma isenção para os que ganham até 5 mil e tributar mais o andar de cima. Esqueça. O “mercado” que não se incomodou com a tentativa de golpe de 8 de janeiro e se faz de morto pela monumental fraude nas Americanas, fica todo ouriçado – o dólar sobe, a bolsa cai, quando se trata de medidas redistributivas de renda.
As propostas legislativas sobre a mesa tratam de reformar apenas a tributação do consumo. Pela simples razão que a representação no Congresso Nacional não reflete a diversidade da população brasileira. Lá estão os com maiores rendas e patrimônios. Mudar por quê? Por que mudar?
Ok, vamos focar no consumo. É, mesmo assim é uma tarefa extremamente complexa e difícil de consensar. Não esquecemos que reformar significa, necessariamente, mudar. E aí que o caldo entorna.
Ora, o sistema tributário é extremamente complexo, há múltiplos atores e papeis, obrigações “mis”, como diria o Zagalo. As mudanças têm imbricações e impactos “mis”. Vamos ver?
De um lado, de quem paga, temos as empresas e as pessoas físicas como “contribuintes”. Agora o quanto cada um vai pagar vai depender da essencialidade do produto, do setor econômico, do tipo de atividade desenvolvida. A mudança vai diminuir ou vai aumentar a Carga Tributária? Os agentes econômicos vão estar atentos. Isso pode significar o sucesso ou insucesso de um empreendimento.
Do outro lado, dos que recebem, a União, os Estados e os Municípios recebem hoje um valor “x” e tem um conjunto de encargos para suportar com os valores recebidos. Se diminuir, como fazer frente aos mesmos encargos? Há uma correlação necessária entre encargos e arrecadação. Não há como negar.
Para fugir desses conflitos mais impactantes, as propostas que estão à mesa buscam trazer, o que chamaria “ganhos de gestão administrativa de tributos” para empresas e fisco, simplificação operacional, mantendo a carga tributária global sobre a economia. E isso é feito pela fusão dos tributos.
Ainda assim restam impactos gigantescos. A manutenção da carga tributária global não significa que tenha impactos distintos sobre os distintos setores da economia. Exemplificativamente, pela proposta, o setor de serviços passaria de uma alíquota máxima de 5% para uma alíquota (modal) de 18%. É preciso muito controle parlamentar para impor tamanho crescimento de carga tributária.
E na taba dos Barés? Essa a pergunta que importa.
As propostas em andamento são impactantes. Serão as mesmas? Teremos alterações?
A presença de Bernard Appy como Secretário Especial para Reforma Tributária parece indicar que a PEC 45/2019, apresentada pelo Dep. Baleia Rossi, será a que vai caminhar. Por uma razão simples, a autoria é dele, a partir dos estudos do CCif – Centro de Cidadania Fiscal, que montou e dirigiu. Óbvio que os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do MDIC, Geraldo Alckmin terão, por certo, participação importante no encaminhamento. Não vejo demônios contra a Zona Franca em nenhum dos três.
“É, mas você tá passando pano, porque o Alckmin falou em extinguir o IPI. Quando o Guedes fez isso, foi um Deus nos acuda. A Bancada foi ao STF”. E O Haddad já disse que quer votar a Reforma até julho.” Fomos e ganhamos. Mas há uma diferença MONUMENTAL.
Bolsonaro e Guedes deram uma canetada e jogaram no lixo nossa competitividade em um dia. O que Alckmin falou não é nenhuma novidade, traz preocupação e a OPORTUNIDADE. Ele reafirmou a decisão de fundir os impostos, como está nas PEC´s que tramitam no Congresso. “Não entendi a diferença.”
Primeiro, a diferença é que a supressão do IPI, agora, é uma ação sistemática de mudança da tributação do consumo em discussão no Congresso, toda a matéria vai ser redesenhada. Só acabar com o IPI é muito ruim, mas um enorme espaço para construir alternativas.
E, afinal, o que devemos fazer? Esqueçam, por um instante, o teor das propostas.
O importa mais, neste exato instante, é o que devemos fazer, nossa tarefa de casa, de que eventual posicionamento momentâneo de cada um deles. O novo governo tem a decisão política e fazer uma Reforma Tributária (no consumo), isso é bom para o país, não podemos ser contra, temos de construir as soluções técnicas de preservar a competitividade do PIM.
“Como, sem o IPI?” Há diversos caminhos, estamos raciocinando dentro do desenho atual. O importante é conhecer a proposta geral, e saber se já tem o desenho da excepcionalidade do PIM.
Há uns 13 anos, Bernard Appy conduziu a tentativa de reforma, no último governo Lula. Ao fim de uma reunião entre o Governo do Amazonas e o Governo Federal, na sala do Conselho Monetário Nacional, estávamos conversando eu e ele, sobre assuntos do CONFAZ, quando fomos interrompidos por uma valorosa dirigente de autarquia regional, no dialogo um tanto ríspido, Appy foi acusado de ser inimigo da ZFM.
“Senhora, duas coisas. Não sou inimigo de Manaus, questiono a eficácia dos incentivos comerciais para lá. E a mais importante: A reforma é do Presidente Lula, que determinou que o modelo fosse protegido.”
O Presidente Lula continua sendo o chefe de Governo. É dele que tem de ser cobrado os compromissos com o Polo Industrial. A cegueira dos dirigentes que eleitoralmente defenderam quem atacava o modelo não levará a uma mudança de posicionamento, Lula é maior que isso.
Portanto, a coisa mais importante é montar nosso time e travar o debate. O caminho das pedras não é se esconder. Au contraire, é buscar o debate e construir as alternativas.
Penso que a direção da Suframa tem sua importância, mas mais importante é a equipe do Governo do Estado.
A essa equipe cabe a titularidade da defesa dos nossos interesses. O Governador tem de estar “na ponta dos cacos” para o debate. A liderança das equipes técnicas de SEFAZ e SEDECTI (a área foi fortalecida pela presença de Alckmin no ministério) é que dará o tom dos debates.
Conseguiremos abrir as portas para o diálogo e o debate o debate?
A coerência do Presidente nos deixa confortáveis para que peçamos uma discussão pública e franca, sobre os pros e contras do modelo. E que, a partir daí, se construa uma posição firme de governo sobre o tema, seja no âmbito da Reforma Tributária, seja no dia a dia durante todo o governo. Esse posicionamento deve vincular toda a administração. Vincular ministros e equipes. Vincular propostas dentro do sistema tributário.
Não pode uma canetada ou um burocrata de terceiro escalão vomitar uma exigência, uma regra que venha impedir o pleno desenvolvimento.
Para mim é uma oportunidade.
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