A Agência Pública, Aos Fatos e Núcleo Jornalismo investigaram diferentes narrativas, manipulações e fake news ao longo deste fim de semana que ganharam repercussão.
Por Alexandre Aragão, Amanda Ribeiro, Ana Rita Cunha, Bianca Bortolon, Bruno Fonseca, Ethel Rudnitzki, João Barbosa, Julianna Granjeia, Laís Martins, Luiz Fernando Menezes, Laura Scofield, Milena Mangabeira, Natalia Viana, Sergio Spagnuolo, Tai Nalon
O segundo turno das eleições foi um “desastre” em relação de desinformação, nas palavras do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. Diante da inação das plataformas, o TSE ampliou seus poderes para acelerar a remoção de conteúdos considerados desinformativos ou de ataque às instituições democráticas.
Nada disso, entretanto, evitou que o último fim de semana fosse palco de uma enxurrada de fake news criadas com o objetivo de favorecer o candidato Jair Bolsonaro (PL) sobre o oposicionista Luís Inácio Lula da Silva (PT). Essas campanhas de desinformação não foram espontâneas, mas articuladas e fomentadas por influenciadores do campo bolsonarista através de suas redes sociais. Mais uma vez, as narrativas transitaram entre várias plataformas e seguiram ativas mesmo depois de desmentidas.
A Agência Pública, Aos Fatos e Núcleo Jornalismo investigaram diferentes narrativas ao longo deste fim de semana que ganharam repercussão.
Às vésperas do segundo turno, menções sobre fraude
Uma narrativa que ganhou impulso na véspera do Segundo turno em grupos de Telegram e WhatsApp monitorados foram vídeos e textos de assédio eleitoral, nos quais supostos trabalhadores e empresários afirmavam que perderiam seu negócio ou seu emprego se Lula fosse eleito.
O Radar Aos Fatos descobriu que, dentre os 40 áudios mais compartilhados em 287 grupos de política no Telegram monitorados, cinco (12,5%) continham relatos e ameaças do tipo. O áudio mais compartilhado trazia o relato de um homem que se dizia vendedor de uma concessionária – e diz que perderia um contrato de venda de um caminhão se Bolsonaro não fosse reeleito. A gravação circulou 99 vezes em grupos de política.
Outro áudio, encaminhado 91 vezes, alegava que fazendeiros iriam parar de produzir e iam demitir funcionários. “Com todo respeito, se tiver petista no grupo, eu peço encarecidamente repensem o voto”, dizia. “Eu não estou pedindo pelo Bolsonaro, mas neste momento eu estou pensando em mim, na minha família, na família de vocês.”
O tema da fraude voltou, de novo, a ser impulsionado pelos apoiadores do presidente nos últimos dias antes do pleito. Os números de engajamento em publicações contendo o termo fraude dispararam no segundo turno, se comparados com a semana após o 1º turno, segundo dados analisados pelo Núcleo. No Facebook, o engajamento mais do que dobrou e no Instagram, o engajamento por post foi 75% maior. Já no Telegram, dentre 240 canais monitorados, o engajamento cresceu quase 5 vezes – isso revela que o conteúdo sobre fraude já estava atraindo atenção dos usuários antes mesmo das eleições acontecerem.
Esses engajamentos demonstram uma avidez prévia por contestar o resultado das eleições – que acabou acontecendo com protestos interrompendo o fluxo nas estadas de todo o país no dia 1 de novembro. Essa ansiedade foi pautada por pequenas fake news que rodaram por grupos, como um video no qual um homem afirma que a foto do seu candidato não tinha aparecido na urna em uma zona eleitoral em Taguatinga (DF). De acordo com o TRE-DF (Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal), o autor da gravação inventou o relato e saiu do local sem apresentar indícios ou provas da denúncia.
Esse tipo de ação in loco foi fomentada pelo próprio presidente, que participou ativamente da campanha “fiscais do Bolsonaro”. Assim como no primeiro turno, candidatos bolsonaristas conclamaram seus apoiadores a fiscalizarem zonas eleitorais, usando para isso desinformação sobre fraudes como justificativa – e chegando a distribuir crachás de maneira ilegal.
No segundo turno, o próprio presidente gravou um vídeo, que foi postado por grandes influenciadores bolsonaristas, como Flávio Bolsonaro e Carla Zambelli. “Você lá no local de votação vai ficar de olho”, disse o presidente. A regra do TSE determina que fiscais devem estar devidamente registrados e com um crachá oficial de um partido, assinado por representante registrado com antecedência.
Carla Zambelli e a falsa agressão
Zambelli, aliás, protagonizou um dos episódios que mais marcou o segundo turno, quando falseou ter sofrido uma agressão física de um apoiador do PT. Além disso, ela perseguiu um jornalista negro apontando uma aram para ele em plena rua.
No vídeo, que teve mais de 2 milhões de visualizações, ela dizia ter sido empurrada por Luan Araújo e caído no chão. Quatro testemunhas oculares ouvidas pela Agência Pública desmentiram a versão, que funcionou como uma espécie de fake news a quente, com vídeos e versões sendo propagadas pelas redes sociais.
Uma das maiores influenciadoras bolsonaristas e envolvida em disseminação de campanhas de desinformação, Carla Zambelli correu às redes sociais para tentar transformar o evento em uma campanha narrativa a seu favor.
O vídeo foi compartilhado por Flávio Bolsonaro no Twitter, onde teve mais de 165 mil visualizações. Ele apoiou o uso da arma pela deputada: “Carla foi agredida fisicamente, empurrada no chão, cuspida e xingada por um grupo de petistas. Assim petistas tratam as mulheres. Talvez se ela estive com um livro, e não com uma arma, teria sido assassinada. Arma serve pra isso, cidadão de bem se defender de bandidos”.
Embora o presidente tenha se mantido fora da polêmica, outro filho de Bolsonaro entrou para apoiá-la. No Twitter, Eduardo escreveu que “Nenhuma mulher merece ser agredida, quanto mais por suas opiniões. Todo apoio a @Zambelli2210”. Teve 22,3 mil curtidas. Fabio Wajngarten seguiu na mesma linha: “Minha solidariedade à Deputada @Zambelli2210 que foi agredida nos jardins em SP enquanto almoçava com seu filho. Sandra, repórter da Band, atestou tudo ao vivo agora no Datena. A equipe da Band também foi ameaçada de forma covarde”. A postagem teve 22,5 mil likes.
Porém, a versão da deputada não vigorou nas redes sociais durante muito tempo. Após vídeos nas redes sociais demonstrarem que Zambelli não foi derrubada no chão e reportagens da imprensa confirmarem isso, influenciadores como o deputado federal eleito pelo PL Nikolas Ferreira apagaram tweets em que afirmavam que ela teria sido agredida fisicamente.
Nos 122 grupos de Telegram monitorados pela Agência Pública, o tom também começou a mudar no início da noite, com integrantes acusando a deputada de querer “prejudicar” o presidente Jair Bolsonaro.
“Vcs vão ver como vai sair na mídia: ZAMBELLI SACA PISTOLA PRA HOMEM NEGRO. E, pelo vídeo, a maluca não foi empurrada. Essa arroz de festa aí só faz prejudicar o capitão!”, escreveu um usuário.
Três dias depois do ocorrido, em 1 de novembro, Zambelli teve seus perfis no Twitter e Instagram excluídos pela plataformas. A decisão sigilosa afirmava que a atividade dela na internet “tumultua” o processo eleitoral, segundo o Globo.
Desinformação sobre MEI foi criada pelo próprio presidente
Uma fala do seu oponente editada e retirada de contexto foi utilizada pela campanha do presidente Jair Bolsonaro para fomentar o medo de que Lula iria acabar com o MEI. No sábado, o tema pautou o debate no Twitter e chegou aos Trending Topics.
Durante o debate da Globo, na noite de sexta (28), Lula criticou mudança na metodologia do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) feita pelo governo de Bolsonaro.
“A primeira coisa que o povo brasileiro tem que compreender é que eles mudaram a lógica da medição de emprego. Eles colocaram o MEI como se fosse emprego [formal]”, afirmou.
Ao menos 22 posts no Instagram mostravam um corte descontextualizado da fala do petista e pedia votos para Bolsonaro. “Lula quer acabar com o trabalho de mais de 13 milhões de brasileiros”, dizia o vídeo, que também foi replicado por Bolsonaro no Twitter.
No Twitter, na manhã de sábado, Bolsonaro afirmou que, “diferente de Lula”, tem orgulho dos MEIs e que eles “não são menos trabalhadores”. A publicação atingiu mais de 200 mil curtidas e compartilhamentos. Bolsonaro também postou um vídeo de reação em que trabalhadores se mostraram revoltados com o fato de que Lula teria dito que eles “não trabalhavam”.
A versão falsa também foi amplificada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que sugeriu que o petista teria a intenção de cobrar novos impostos sobre microempreendedores individuais.
O post de Flávio Bolsonaro foi excluído após o ministro Alexandre de Moraes determinar a exclusão de posts que diziam, sem provas, que Lula acabaria com o MEI. Até a exclusão, o conteúdo atingiu mais de 28 mil curtidas e compartilhamentos no Facebook.
Mesmo assim, correntes com o mesmo teor circularam em grupos de WhatsApp monitorados pelo Aos Fatos.
Ação da PRF para impedir votação aconteceu depois de construção narrativa antpetista
Poucos dias antes das eleições, as redes bolsonaristas passaram a circular dezenas de vídeos apontando “compra de votos” por políticos petistas. Um exemplo foi um vídeo compartilhado pela deputada federal Bia Kicis, com uma foto de pilhas de dinheiro vivo apreendidas supostamente pela Policia Federal em uma operação que teria desbaratado esquema de compra de votos para o candidato petista.
A foto foi checada pelo Aos Fatos e é falsa. A imagem foi registrada em agosto de 2020 após uma operação no Rio de Janeiro contra fraudes nos Correios. A corporação afirmou que não realizou qualquer operação relacionada a compra de votos para Lula. Mesmo assim o tuite permaneceu no ar e teve mais de 35 mil likes.
Foi esse o contexto para a operação abusiva realizada pela Polícia Rodoviária Federal em diversos estados, mas com foco especial no Nordeste, região do país onde Lula teve ampla vitória. No domingo de eleição, a PRF realizou mais de 500 operações nas rodovias do Brasil, número 70% superior ao primeiro turno, e eleitores passaram a relatar dificuldade de chegar em seus locais de votação. A Pública apurou que houve cinco vezes mais ônibus parados no Nordeste do que no Sul do país.
A PRF desobedecia uma decisão do Supremo publicada na sexta-feira que havia proibido, até o fim do segundo turno, qualquer operação relacionada ao transporte público, gratuito ou não, disponibilizada às eleitoras e eleitores.
O tema inflamou as redes e mobilizou apoiadores dos dois candidatos. Enquanto a presidente do PT Gleisi Hoffman exigia uma atitude, influenciadores aproveitaram a decisão de Alexandre de Moares para atacar o STF e dizer que ele estava impedindo a polícia de trabalhar. Essa narrativa ajuda a radicalizar os bolsonaristas dentro de uma campanha sistemática que liga o PT ao crime organizado, que agiria contra os “homens de bem” – desinformação fomentada durante toda a campanha eleitoral pela equipe de Bolsonaro.
A mesma mensagem foi inflamada por sites hiperpartidários como o Gazeta Brasil, que teve links amplamente compartilhados em grupos de Telegram. Influenciadores como Bruno Engler e a deputada Bia Kicis fomentaram a narrativa, e a expressão “parabéns PRF” chegou aos Trending Topics do Twitter.
“Proibiu sabem porque, ontem a PRF pegou no Paraná um ônibus do pt fretado pelo PCC, fariam tumulto por la”, escreveu um usuário no Telegram.
“Por que a assessora de imprensa do PT na Folha gosta tanto de berrar no Twitter?”, escreveu outro, referindo-se à jornalista Mônica Bergamo. “Tirando isso, a PRF não pode mais fazer o seu trabalho? Já prenderam milhões em operações nas estradas nos últimos dias, suspeita de compra de votos. Por que essa operação prejudicaria o partido? ?”
Outro usuário comentou: “A @PRFBrasil começou a apreender milhões de reais em porta-malas de veículos, o PT sentiu o baque e denunciou as polícias federais de agirem contra Lula. Alexandre de Morais the flash já intimou as duas polícias p saber porque estão trabalhando”.
Na tarde de domingo, 30 de outubro, o diretor geral da PRF, Silvinei Vasques, foi convocado pelo ministro Alexandre de Moraes na tarde de sábado para prestar esclarecimentos sobre as operações.
Após se reunir com o diretor-geral da PRF, Moraes disse durante coletiva de imprensa que as operações foram realizadas com base no Código de Trânsito Brasileiro e que os eleitores que estavam sendo transportados puderam votar, embora com atraso.
Fonte: Agência Pública
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