Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia pediu ao Ministério Público a revogação imediata da matéria. Manifestação aponta riscos ao meio ambiente e povos tradicionais
O biólogo Lucas Ferrante de Faria denunciou ao Ministério Público Federal (MPF) o Projeto de Lei (PL) nº 561/2022, que altera e flexibiliza a Lei nº 8.830/2008 – também conhecida como a Lei do Pantanal. O PL, aprovado no início da semana passada pelos deputados da Assembleia Legislativo de Mato Grosso (ALMT), flexibiliza as regras de criação de gado expandindo a sua permissão para áreas de reserva legal, áreas de preservação permanente (APPs) e todas as categorias enquadradas como áreas de conservação permanente – antes permitida apenas em campos inundáveis – na planície alagável da Bacia do Alto Paraguai em Mato Grosso (BAP).
Segundo Ferrante, a pecuária é uma das atividades mais nocivas para a estrutura da vegetação e composição e riqueza da fauna do Pantanal e, por conta disso, a liberação da prática em áreas protegidas é inviável e significa ir “contra narrativa de proteção”. Sobre a condução da matéria na Casa de Leis mato-grossense, o biólogo também disse que houve desrespeito à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), pela ausência de consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas e tradicionais que vivem no Pantanal.
“O Brasil atualmente passa por um desmonte da legislação ambiental. Um artigo recente demonstrou que o Pantanal está no seu limiar de tolerância de degradação ambiental e, consequentemente, a liberação da pecuária em áreas protegidas compromete serviços ecossistêmicos do bioma”, disse o cientista. O estudo ao qual ele se refere foi publicado em junho na revista Environmental Research Letters. O artigo alertou que o aumento da ocorrência de incêndios catastróficos estão aproximando o bioma do ponto de não retorno.
Em outro artigo publicado em 2017, na revista Journal of Biogeography, Ferrante e outros seis pesquisadores mostraram que o pisoteio do gado destrói a vegetação natural, tornando-a mais rala e mais seca e também afetando o microclima dessas áreas. Os dois estudos são mencionados na manifestação feita ao MPF. “O boi do Pantanal é um agravante para os incêndios”, declarou o pesquisador.
Na manifestação ao MPF, o biólogo, que é doutorando em ecologia no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), pede que o PL nº 561/2022 seja “imediatamente anulado” pelo caráter “danoso” ao meio ambiente, povos tradicionais e economia do Brasil. Este último, segundo a representação, por conta da relação comercial do país com nações estrangeiras, que evitam a importação de carne bovina cuja cadeia de produção cause desmatamento ou impactos ambientais.
Desde 2008, a Lei do Pantanal previa a criação de gado em campos inundáveis da áreas de conservação permanente da planície alagável da Bacia do Alto Paraguai em Mato Grosso (BAP). Para a Comissão de Meio Ambiente, Recursos Minerais e Hídricos, autora da proposta, o objetivo do PL é a “volta do pantaneiro para a pecuária extensiva e o ecoturismo e o turismo rural”. Ambientalistas, no entanto, denunciam a ausência de detalhamento e fundamentação científica sobre possíveis impactos das mudanças ao bioma, como, por exemplo, a afetação climática.
“Carece de pareceres técnicos que apoiem, entretanto, as evidências técnicas publicadas por pesquisadores brasileiros em diversos periódicos científicos que apontam os efeitos nefastos do PL nº 561/2022”, diz trecho da manifestação.
Conforme consulta de ((o))eco ao Ministério Público Federal (MPF), a denúncia, feita nesta terça-feira (19), foi recebida na manhã desta quarta-feira (20) pelo Núcleo de Tutela Coletiva da Procuradoria de República de Mato Grosso (PR-MT).
Cana no Pantanal e Amazônia
Em 2019, manifestação similar feita por Ferrante ao MPF foi a responsável pela derrubada do decreto do presidente Jair Bolsonaro, que liberava o plantio de cana-de-açúcar no Pantanal e na Amazônia.
Na época, a Justiça suspendeu o plantio da monocultura após uma denúncia feita por Ferrante ao MPF, com base nos estudos que ele e o pesquisador Philip Fearnside publicaram em 2018 na revista Science sobre as consequências que a liberação da cana traria para a Amazônia.
“Com base em dados técnicos, em artigos científicos, nós conseguimos derrubar esse decreto nefasto. Nós vemos agora isso se replicar para a pecuária em áreas protegidas do bioma pantanal”, finalizou.
Fonte: O Eco
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