Com poucos votos favoráveis, estratégia da bancada ambientalista tem sido não colocar projetos polêmicos em pauta, explica especialista em políticas públicas
O Monitor do Congresso, ferramenta lançada por ((o))eco na segunda-feira (11) que detalha as votações das principais propostas de flexibilização das leis socioambientais brasileiras aprovadas pela Câmara, mostrou uma situação bem clara: o meio ambiente tem perdido de lavada.
Nas normas analisadas pela ferramenta, a média de votos contrários ao meio ambiente foi maior do que o dobro dos votos a favor dele: 295 X 143.
E não estamos falando de propostas de pouco impacto. Todos os projetos escolhidos para a análise no Monitor do Congresso promovem mudanças profundas na legislação ambiental, nenhuma no sentido de maior rigidez nas normas.
Foram analisadas as votações da Urgência da PL 191/2020, também conhecido como “PL da Mineração em Terras indígenas”; PL 6.299/2002, também conhecido como “PL do Veneno”; PL 2510/2019, que transferiu aos municípios a definição das faixas de APP em áreas urbanas; PL 2633/2020, da regularização fundiária, e PL 3729/2004, que muda o Licenciamento Ambiental.
Segundo Suely Araújo, doutora em ciência política e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, historicamente, a média de votos a favor do meio ambiente chega, no máximo, a 150, com raras ocasiões em que o número ultrapassa essa cifra em algumas unidades. Esse foi o caso da votação da urgência do PL 191/2020 – o que libera a mineração em territórios indígenas –, que somou 179 votos contrários. Mas essa contagem é uma exceção, explica Suely.
“Com 150 votos [média de votos a favor do meio ambiente] você pode todas. Então a estratégia tem que ser não pautar, ou pautar já com algum tipo de acordo para amenizar o conteúdo”, explica Suely.
Desde a retomada do regime democrático no Brasil, os ruralistas sempre foram muito fortes na Câmara, explica a especialista. É claro que, da década de 1980 para cá, muitos projetos ambientais importantes passaram por esta Casa Legislativa. Este é o caso da Lei de Crimes Ambientais, a Lei da Mata Atlântica, a de Gestão de Florestas Públicas e a Lei de Resíduos Sólidos, por exemplo. Mas todas elas só foram aprovadas depois de muita conversa.
“Lógico que há negociação nessas leis, você não aprova com texto igual dos ambientalistas quase nada”, diz.
Lira na Câmara
Nos dois primeiros anos do Governo Bolsonaro, o Executivo ainda não tinha sua base de apoio bem estabelecida no Congresso e, por isso, enfrentou grandes dificuldades em emplacar suas propostas.
Esse foi o caso da Medida Provisória 910/2019, conhecida como MP da Grilagem, que caiu por decurso de prazo, e também da Medida Provisória 900/2019, conhecida como Fundão do Salles, que também caducou após os deputados decidirem por não colocá-la em votação.
A única coisa que os ambientalistas perderam nesses dois anos iniciais de mandato foi a primeira reestruturação feita Ministério do Meio Ambiente, em 2019, que ficou sem a Agência Nacional das Águas e o Serviço Florestal.
“No restante, todas a gente conseguiu ou adiar a votação ou as Medidas Provisórias do governo caíram”, diz Suely.
Com a aproximação do governo com o Centrão e, principalmente, com a chegada de Arthur Lira (PP/AL) – que se tornou um fiel escudeiro de Jair Bolsonaro – na presidência da Câmara, tudo ficou mais difícil para o meio ambiente. O quadro ainda se agravou com a pandemia da Covid-19, quando as deliberações passaram a ser remotas e as negociações que ocorriam nos bastidores ficaram inviabilizadas.
Neste novo cenário, muitas das votações de propostas ambientais foram feitas às pressas, a mando de Lira e visando o mínimo de discussão sobre o assunto.
“A impressão que dá é que não tem mais deliberação, tem votação. Essas que perderam na Câmara e estão no Senado, licenciamento, grilagem e agrotóxicos, foi assim. Eles anunciam que vão votar e, às vezes, votam na noite daquele mesmo dia. Ninguém viu o que está escrito, ninguém viu o parecer, as emendas”, diz Suely.
Em alguns casos, os documentos da tramitação, como as emendas plenárias, nem chegaram a entrar na internet antes da votação. Transparência e diálogo zero na atual presidência da Câmara.
“O Maia [Rodrigo Maia, presidente da Câmara entre 2016 e 2021] era conversável. Quando o PL da mineração em Terra Indígena chegou na Câmara, ele acordou com os ambientalistas que não ia botar para votar e não botou. Ele era ambientalista? Não! Teve todo um cálculo político de conexão eleitoral, se interessava a ele e ao partido. Ele nunca foi da bancada verde, mas ele chamava para conversar e, quando pactuava, ele cumpria”, explica Suely.
Fidelidade Partidária
O Monitor do Congresso mostrou que o índice de fidelidade partidária em votações de projetos ligados ao meio ambiente anda lá embaixo. Somente bancadas muito pequenas conseguiram chegar ao consenso: a do Novo, que tem oito parlamentares, votou “sim” para todas as mudanças, e PSOL (8 parlamentares), Rede (1 parlamentar), Partido Verde (4 parlamentares) e PCdoB (8 parlamentares) votaram “não” para todas as mudanças.
Nas bancadas maiores, há votos tanto para o “sim” quanto para o “não” em ao menos um dos cinco projetos analisados, independente de qual tenha sido a orientação do partido. Nem mesmo o União Brasil, partido formado pelo DEM e pelo PSL, sigla que elegeu Bolsonaro, conseguiu o consenso em prol daquilo que desejava o Governo Federal.
De modo geral, a disciplina de votação entre os parlamentares da Câmara é, historicamente, bastante alta. Levantamento feito em 2019 pelo Movimento Acredito mostrou que, naquele primeiro ano do governo Bolsonaro, quando o Executivo ainda penava por conseguir apoio no Congresso, os deputados foram, em média, 94% fiéis às orientações de seus líderes.
O maior valor de fidelidade entre os parlamentares e suas bancadas foi alcançado no segundo mandato de FHC (1999-2003), com 97% , e o pior, no início da reeleição de Dilma Rousseff (2015-2016), com 86%.
Mas isso para temas fora da pauta socioambiental, explica Suely Araújo.
“Em regra, as porcentagens de disciplina partidária são bem altas, mas o tema ambiental divide. Se você pegar a votação do Código Florestal com o Aldo Rebelo [PCdoB – SP – presidente da Câmara entre 2005 e 2007], o PT votou meio a meio e era o partido do governo. O meio ambiente não é um tema padrão em relação à disciplina de votações”, diz.
Quando a bancada não libera seus parlamentares em determinada votação e eles, ainda assim, votam contra a orientação do líder, estão sujeitos a penalidades. A punição a dissidentes é prevista tanto em lei quanto nos estatutos das siglas.
Esse foi o caso da deputada Tábata Amaral e mais sete parlamentares que, em 2019, foram expulsos do PDT por terem votado a favor da Reforma da Previdência.
As expulsões, no entanto, só ocorrem quando a pauta é muito cara ao partido e a dissidência é considerada acintosa. O mais comum é que haja divisão no partido.
Este é o caso do PSOL, por exemplo, criado por políticos que eram do PT, mas vinham votando várias vezes contra a determinação da sigla.
E o Senado?
No dia do Ato pela Terra, em 9 de março passado, quando um grupo de artistas foi ao Congresso conversar com parlamentares sobre o chamado “Pacote da destruição”, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), recebeu o grupo de bom grado.
No encontro, ele garantiu que teria “cautela” na apreciação do conjunto de projetos de lei em análise no Congresso que podem perenizar o quadro atual de retrocessos ambientais, pacote este que inclui quatro das cinco propostas analisadas pelo Monitor do Congresso, de ((o))eco.
Segundo Suely Araújo, o Senado tem se mostrado mais aberto ao diálogo. O caso da Lei das APPs urbanas é um exemplo. Quando a proposta chegou nesta Casa, os senadores sentaram com a bancada ambientalista e ongs para negociar um texto mais equilibrado – que acabou por não ser aprovado quando voltou para a Câmara.
Mas o otimismo não vai longe. O Senado também é autor de propostas muito nocivas ao meio ambiente, como o PL da Grilagem, cujo texto dos senadores é muito pior do que o proposto pelos Deputados.
Além disso, a bióloga e analista de políticas públicas do projeto Política por Inteiro, Taciana Stec, lembra que 2022 é ano eleitoral, época em que os parlamentares, de modo geral, tentam se desgastar o mínimo possível com sua base de apoio dentro e fora do Congresso.
“Os projetos analisados pelo Monitor [do Congresso] são grandes viradas de chave e questões muito caras para a base do governo. Acho muito difícil que o Senado barre as propostas, por dois motivos: um porque a base aliada [no Senado] também está comprometida com o governo e porque, em ano eleitoral, pouca gente vai querer gastar o capital político indo contra tais medidas que já foram, de certa forma, validadas no Congresso”, diz.
De acordo com Taciana, as grandes propostas de retrocesso ambiental devem vir com tudo até o final do ano. “Os projetos estão há anos sendo construídos e devem vir como um grande pacote de final de mandato”, diz.
((o))eco entrou em contato com os partidos citados na matéria, mas não obteve retorno até o fechamento do texto. O espaço se mantém aberto para atualizações.
Fonte: O Eco
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