País precisa colocar em prática uma política efetiva de prevenção para evitar novas calamidades, defende pesquisador da USP
Até o final da tarde desta quarta-feira (16), a Defesa Civil de Petrópolis contabilizou 78 mortes devido aos deslizamentos de terra e enchentes causados pelas intensas chuvas que caíram na cidade durante ontem (15). O número poderia ser bem menor se o órgão estivesse melhor preparado para lidar com ocorrências como esta, defende Pedro Côrtes, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP).
“Em tese, municípios de médio e grande porte poderiam lidar com essas situações, mas o que temos verificado é que, em geral, isso não acontece”, disse.
Em poucas horas, choveu na região de Petrópolis 260 mm, superando a média histórica para todo mês de fevereiro. Segundo a Defesa Civil local, foram 189 deslizamentos registrados e 229 ocorrências, com cerca de 50 casas atingidas. Atualmente, existem 372 pessoas desabrigadas ou desalojadas.
Com um histórico de deslizamentos de terra – a exemplo do que aconteceu em 2011, quando mais de 900 pessoas morreram no que foi classificado pela ONU como um dos dez piores deslizamentos do mundo – e um cenário de agravamento das chuvas mais intensas e localizadas, os órgãos de defesa da Região Serrana do Rio já deveriam ter as ferramentas e estratégias necessárias para enfrentar eventos extremos, defende Côrtes.
“Claro que pode ocorrer uma chuva com intensidade imprevista, mas eu não considero que tenha sido o caso. Nós já vinhamos com ocorrência de chuvas intensas em dezembro na Bahia, em janeiro em Minas, no final de janeiro e início de fevereiro na região metropolitana de São Paulo. Isto é, já sabíamos que as chuvas vinham se manifestando com bastante intensidade”, disse, em entrevista a ((o))eco.
Alertas de Risco
Segundo o Cemaden, os alertas de “Alto Risco” e “Muito Alto Risco” de precipitação intensa e probabilidade de deslizamentos só puderam ser enviados à Defesa Civil de Petrópolis no momento que a chuva já estava caindo, na terça-feira.
“Ao longo do desenvolvimento da chuva, a gente recebeu um alerta do Cemaden. Não posso precisar se foi momentos antes ou se foi ao longo da chuva, porque a gente estava em operação. Também nosso alerta foi enviado, e as sirenes acionadas um pouco antes das ocorrências mais graves. Essa é uma forma preventiva de atuar”, disse o comandante da Defesa Civil de Petrópolis, tenente Coronel Gil Kempers, ao jornal O Globo.
Por volta das 15h30, a Defesa Civil enviou um alerta à comunidade pelo sistema SMS, avisando da “previsão de chuva moderada/forte à tarde e à noite”. Perto das 17h, um novo alerta avisava do risco de “inundações para diversos pontos da cidade”. Foi somente neste horário, por volta das 17h, que as sirenes começaram a ser disparadas no local mais afetado pelo deslizamento, chamado de Alto da Serra.
Segundo o meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operação e Modelagem do Cemaden, de fato não existe forma de prever com antecedência uma chuva tão intensa e concentrada numa localidade específica.
Ainda assim, o pesquisador ressalta que outros alertas haviam sido enviados à Defesa Civil nacional em dias anteriores.
“Enviamos um alerta no dia 14, mas era um alerta de Risco Moderado, porque tínhamos chuvas acumuladas nos dias anteriores, o que nada fazia prever que era uma chuva tão concentrada e intensa. […] Mas esse alerta e a previsão de risco obviamente já faziam pensar que nenhum evento poderia ser descartado. Então a Defesa Civil já estava, de alguma forma, pré-avisada”, disse, a ((o))eco.
Culpados
No final da tarde desta quarta-feira (16), o governador do Estado do Rio de Janeiro, Claudio Castro (PL), atribuiu a tragédia em Petrópolis não só ao caráter excepcional das chuvas, mas a um déficit de obras na região.
“O que a gente tem que entender é que há uma dívida histórica desde outras tragédias que tiveram. Foi sim um caráter excepcional duro. Foi a maior chuva desde 1932. Unir uma tragédia histórica com um déficit que realmente existe causou esse estrago todo. Que sirva de lição para que dessa vez a gente haja diferente”, declarou Castro, em coletiva de imprensa.
Para o pesquisador Pedro Côrtes, da USP, o que faltou a Petrópolis – e o que falta ao Brasil – é uma política efetiva de prevenção.
“Não temos uma cultura de prevenção. Claro que no Brasil há esse trabalho, a exemplo do que acontece na área da saúde, com o sistema de vacinação. Mas em relação aos desastres naturais, aos eventos climáticos extremos, é muito pouco o que se vê em prevenção. Normalmente o que temos é uma política reativa. Reagimos aos eventos e aí os prejuízos são enormes, não só materiais, mas também humanos”, diz.
Segundo Côrtes, os órgãos de defesa civil deveriam acompanhar com mais seriedade os boletins meteorológicos emitidos pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
A partir desses boletins, o ideal seria realizar análises de riscos de acordo com a realidade de cada município e, então, proceder com ações de prevenção, como reforço nas encostas e evacuação temporária de populações.
“Realmente há um despreparo e uma falta de interesse dos políticos em abraçar essas causas”, diz.
Faltando preparo ou não, os órgãos de defesa civil do Rio de Janeiro, especialmente da região serrana, precisam ficar alertas: a previsão do Cemaden é de possibilidade “Muito Alta” de novas ocorrências de inundações, enxurradas e deslizamentos, com chuvas intensas para os próximos 5 dias.
Fonte: O Eco
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