“Acreditava-se naquela época que dava muito dinheiro derrubar a floresta para criar gado. Hoje, isso se revelou um equívoco dos mais nocivos para a delicadeza do bioma amazônico e suas possibilidades infinitas de gerar riqueza mantendo a floresta em pé.”
Por Nelson Azevedo
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Uma reportagem sobre o açaí, republicada no portal BrasilAmazoniaAgora, assinada pela ONG Mongabay, traz um conjunto de considerações sobre a alternativa econômica representada por esta palmeira sagrada para os amazônidas. Sob o titulo Demanda global por açaí está destruindo as florestas de várzea da Amazônia, e com a participação de pesquisadores locais, a matéria afirma que o plantio de açaí nas várzeas amazônicas está destruindo o ecossistema em virtude do aumento na demanda mundial das polpas dessa fruta, que cresceu 15.000% desde os anos 90. E mais, essa demanda teria desembarcado no formato da monocultura, algo inadequado, em princípio, para a região, conhecida por sua intensa diversidade biológica.
Açaí, buriti, patauá
Depoimentos das populações ribeirinhas, acadêmicos e reportagens recentes, com documentários e vídeos sobre esta bioeconomia, vão na direção contrária. O açaí, assim como o patauá e o buriti, ocorre na Amazônia originalmente no formato concentrado das suas palmeiras, demonstração evidente de que não há problema nesta aglomeração das árvores, cultivadas neste formato pelas populações tradicionais da Amazônia, principalmente a civilização Marajoara, na foz do Rio Amazonas. O mesmo se dá com as castanheiras, plantadas há milênios como alternativa alimentar. Precisamos ter cuidado para diferenciar achismos de pesquisa científica.
Vacas sagradas da Índia
Essa confusão permite especular sobre interesses não confessos no debate sobre desenvolvimento de economias alternativas na Amazônia. Alguns “estudiosos” dão a impressão de que é proibido desenvolver qualquer forma de geração de emprego, renda e oportunidades para nossa gente. Teríamos, nessa ótica, tratar a Amazônia como os indianos tratam suas vacas sagradas. Essa visão de mundo sugere que a floresta deve ser intocada e preservada para as futuras gerações. Não importa se aqui vivem perto de 30 milhões de pessoas. Ou seja, a floresta frondosa e a população desfigurada com inaceitáveis indicadores de desenvolvimento humano. Essa estória precisa ter fim.
Os guardiões da floresta
Concordamos que é preciso muito cuidado com a geração de alternativas econômicas nos parâmetros ecológicos delicados que a Amazônia representa. E isso nossa população, índios e ribeirinhos, guardiões da floresta, historicamente, tem mostrado sensibilidade e disponibilidade para proteger essa floresta do qual a humanidade depende e que nos oferece milhares de alternativas na medida em que soubermos tratá-la com racionalidade sustentável. Certamente é por isso que os nativos costumam ter pé atrás com as narrativas messiânicas dos salvadores da Pátria amazônica que aqui desembarcam. Já sabemos essa estória de cor e salteado, como diziam nossas professoras do curso primário. Elas sempre citavam o alerta do Padre Anchieta, um jesuíta que tomou parte da construção deste país em seus primórdios.
Dizia ele: “essa gente não quer o nosso bem – no sentido do bem estar comum – eles querem nossos bens”, ou seja, a riqueza que a natureza nos doou. Balsa-fábrica de açaí Entretanto, temos experiência positivas de muita gente que aqui vem e quer emprestar seu conhecimento para misturar com o nosso e descobrir mecanismos inteligentes de gerar riqueza sem destruir o meio-ambiente. Essas pessoas são bem vindas e precisamos atraí-las de todas as maneiras. O projeto balsa-fábrica do gaúcho italiano Irani Bertolini, que recolhe quantidades crescentes do fruto do açaí nos principais rios da região para beneficiar a bordo de uma poderosa balsa movida a energia solar, é um exemplo visionário e sustentável dessa Bioeconomia da sustentabilidade. Precisamos de opiniões/sugestões construtivas não impeditivas da prosperidade sustentável de nossa gente.
Domesticação da castanha do Brasil
No caso das espécies amazônicas, precisamos revisitar outra intuição espetacular, o programa da domesticação da castanha no Estado do Amazonas, promovido pela família Vergueiro. Esta família veio para o Amazonas nos anos 60 para fazer pecuária, atraída pelos projetos de colonização agropastoril do governo. Acreditava-se naquela época que dava muito dinheiro derrubar a floresta para criar gado. Hoje, isso se revelou um equívoco dos mais nocivos para a delicadeza do bioma amazônico e suas possibilidades infinitas de gerar riqueza mantendo a floresta em pé.
Os Vergueiro viram isso na prática. Em lugar da pecuária, expulsa pelas ervas daninhas da região de Itacoatiara, município do Amazonas, cultivaram diversas espécies nativas para reflorestar a área removida. O destaque dessa façanha se deu com a Bertolettia excelsa a castanheira, do Brasil ou da Amazônia, como queiram. O processo de domesticação envolveu a participação da Embrapa, do INPA, das universidades regionais e da ESALQ/USP de Piracicaba. O resultado foi o reflorestamento de milhões de espécies arbóreas de alto valor comercial e a demonstração inequívoca de que Amazônia é generosa desde que seja tratada com inteligência, responsabilidade ambiental, ciência e inovação tecnológica.
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