Eles representam apenas 2% do total de imóveis no bioma. “Pouca gente causa um enorme problema”, diz especialista
Grandes propriedades na Mata Atlântica, que representam apenas 2% do total de imóveis no bioma, respondem por 42% do déficit ambiental previsto pelas regras do Código Florestal. Estas terras estão concentradas nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Por outro lado, 44% dos imóveis do bioma não têm dívidas de cobertura florestal.
Os dados fazem parte de estudo inédito que faz uma radiografa da implantação do Código Florestal, lei de 2012, na Mata Atlântica. O trabalho foi feito por pesquisadores do Imaflora, Fundação SOS Mata Atlântica, do GeoLab Esalq-USP e Observatório do Código Florestal.
O estudo têm muitos dados e informações novas ou atualizadas, mas uma mensagem é evidente: “Não é uma missão impossível se resolver a falta de implementação do Código Florestal na Mata Atlântica. Basta ir atrás dos poucos grandes imóveis que não cumprem a legislação”, diz Luis Fernando Guedes Pinto, diretor de conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica e um dos autores. “O problema pode ser resolvido”, diz ele.
Só o Estado de São Paulo, por exemplo, tem 200.367 imóveis com déficit ambiental segundo as regras do Código Florestal.
Uma das principais conclusões do estudo é que, ao contrário do que diz o Serviço Florestal Brasileiro ou setores do agronegócio, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) não foi concluído na Mata Atlântica. O CAR é o registro que o proprietário rural deve fazer, segundo as regras do Código Florestal, indicando onde estão suas áreas de Reserva Legal e de APP, as Áreas de Preservação Permanente.
A Reserva Legal (RL) é a área dentro dos imóveis rurais que, por lei, deve continuar com vegetação nativa. Na Mata Atlântica representam 20% da propriedade. As Áreas de Preservação Permanente (APP), por sua vez, compreendem a vegetação que deve proteger nascentes ou margens dos rios, para que os cursos d’água não sequem. As APPs têm regras claras e precisam ser obrigatoriamente restauradas. Não há incertezas jurídicas ou técnicas. “Sua restauração imediata é importante para garantir serviços ecossistêmicos essenciais”, diz o estudo.
Uma das conclusões centrais do estudo é que uma parte relevante das propriedades – estimada em 15% do total de imóveis rurais – não tem registro no CAR. O diagnóstico vai além: quase 18 milhões de hectares na Mata Atlântica não têm nenhum registro fundiário. Não são ocupados por unidades de conservação nem assentamentos. “É um vazio fundiário”, diz Guedes Pinto ao Valor. Metade desta área está ocupada por pastagens e agricultura, e sem CAR.
Os imóveis rurais têm que ter registros no CAR e no banco de dados do Incra, o Sistema de Gestão Fundiária. O estudo aponta outra incongruência. “Observamos que 7 milhões de hectares de imóveis cadastrados no Incra não estão cadastrados no CAR”, diz ele. “Isso quer dizer que tem gente se escondendo ou boicotando o Código Florestal”, segue. Neste caso há 63.251 imóveis registrados no Sigef, e não no CAR, e que ocupam 6,98 milhões de hectares da Mata Atlântica. Isto significa mais do que a área do Estado do Rio de Janeiro.
“O planejamento territorial pode acelerar em grande medida a validação do CAR, a implementação da lei no campo e a restauração florestal”, diz o texto. Outro dado é que 80% de todos os imóveis têm déficit de APPs e Reserva Legal -somados- menor que um hectare. “Pouca gente causa um enorme problema”, diz Guedes Pinto.
“Se usarmos inteligência territorial e soluções direcionadas para o que encontramos, os problemas se resolvem”, continua. “O desafio da implementação do Código Florestal na Mata Atlântica está distribuído de maneira desigual e precisamos de soluções diferentes. Podemos ter ganhos de escala e aumentar a velocidade da solução de maneira espetacular”.
O texto diz que, com o atraso na implementação da lei, ocorreram novos desmatamentos – e isso aconteceu até em imóveis registrados no CAR e que não tinham déficit de Área de Preservação Permanente ou Reserva Legal em 2008. “A perda de vegetação foi maior do que a regenerada entre 2008 e 2020”, diz o estudo.
A Lei da Mata Atlântica protege os excedentes florestais do bioma, que não podem ser desmatados a não ser em casos excepcionais.
Fonte: Um só planeta
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