Passados nove anos da publicação do que ficou conhecido como “Novo Código Florestal” (Lei 12.651/12), que tornou obrigatória no país a reposição florestal em casos de desmatamento autorizado, apenas nove das 27 unidades federativas do Brasil atualizaram suas leis sobre o assunto no nível estadual. A situação foi revelada em relatório feito pela organização Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-rio), lançado na última terça-feira (3).
Atualmente, o Brasil possui aproximadamente 100 milhões de hectares de vegetação nativa em áreas privadas que não estão legalmente protegidas como Áreas de Preservação Permanente (APP), Reserva Legal (RL) ou alguma categoria de Unidade de Conservação.
Isto significa que 100 milhões de hectares de vegetação nativa são passíveis de desmatamento no país, caso o proprietário assim deseje. Mas, para que isso aconteça de forma legal, este proprietário precisa de uma Autorização de Supressão de Vegetação (ASV), vinculada à obrigatoriedade da reposição florestal sob alguns critérios.
A reposição florestal como forma de compensação de quem tem uma ASV ou quem se utiliza de matéria prima florestal proveniente de supressão de vegetação nativa para fabricação de bens de consumo, como a indústria moveleira e a construção civil, está regulamentada no nível Federal por duas normas: o Código Florestal e a Lei da Mata Atlântica.
O levantamento do CPI/PUC-Rio mostrou, no entanto, que mesmo após vários anos da publicação das normas – a Lei da Mata Atlântica é de 2006 e o Código Florestal de 2012 –, 13 estados possuem legislação apenas parcialmente atualizada, quatro estão com suas leis totalmente desatualizada e um estado sequer possui norma que regulamente a reposição florestal.
“Legislações desatualizadas, complexas e deficientes dificultam a aplicação da reposição florestal obrigatória tanto por parte dos órgãos ambientais como pelos devedores da obrigação”, diz o levantamento, que traz como recomendação aos estados a modernização de suas leis sobre o tema.
Outra fragilidade levantada pelo CPI/PUC-Rio foi o fato de que, na maioria dos Estados, o instrumento da reposição florestal obrigatória está voltado apenas ao reabastecimento do volume madeireiro para o mercado, não como ferramenta de recomposição do ecossistema suprimido.
“Quando você corta 10m³ de madeira nativa, você não está tirando só madeira, está tirando um ecossistema inteiro que estava ali, com perda de fauna, flora e serviços ambientais. A recomposição não deveria repor só madeira, mas todas as outras perdas. A partir de um inventário de flora, fauna e dos serviços, é possível obrigar o proprietário a repor minimamente o que se perdeu”, explica Cristina Leme Lopes, pesquisadora-sênior do CPI/PUC-Rio e uma das autoras do estudo, em entrevista a ((o))eco.
Além disso, o documento também expõe problemas nos critérios técnicos adotados pelos estados, como a permissão da recomposição com espécies exóticas e em área muito menor do que a área suprimida.
Considerando somente o que está estabelecido nas normas federais, atualmente, para cada hectare desmatamento na Amazônia, basta restaurar apenas 1/3 da área originalmente suprimida para estar dentro da lei; para cada hectare desmatado no Cerrado, basta restaurar apenas 1/5 da área suprimida; e para cada hectare desmatado na Caatinga, a exigência de restauração é de apenas 1/10 do que foi perdido.
Apesar de o Código Florestal de 2012 ter modernizado as regras sobre o assunto, ele não definiu métricas para cálculo de reposição. Cabe aos estados legislar sobre o assunto e, de uma forma geral, segundo Cristina, se dentro das leis federais o quadro já é ruim, no nível estadual a situação é ainda pior.
“Na prática, a área de reposição florestal é muito menor que a área desmatada. As métricas não compensam as perdas ambientais nem o volume de matéria prima suprimido. Então não há sustentabilidade ambiental nem sustentabilidade da madeira utilizada”, diz a pesquisadora do CPI.
Por fim, o documento expõe que, apesar do monitoramento contínuo das ações de reposição florestal ser fundamental para se observar o progresso desse instrumento, poucos estados estabeleceram ferramentas abertas ao público para acompanhamento da recomposição pela sociedade.
O que é a reposição florestal obrigatória?
É um mecanismo de compensação pela perda de vegetação nativa, na qual o responsável pela reposição deve promover o plantio de árvores de acordo com determinados critérios. Além do plantio direto, também estão previstas nas normas federais e dos diferentes estados outras modalidades de compensação, como pagamento em dinheiro ou comprovação de plantio por terceiro.
Ainda que seja considerado um importante instrumento para manutenção da biodiversidade e controle de emissões de gases estufa, a reposição florestal obrigatória é muito incipiente no país, seja pela falta de regras claras e atualizadas sobre o assunto ou pela realidade do desmatamento em nossos diferentes biomas: segundo relatório publicado em maio de 2020 pelo Mapbiomas, 99% de todo desmatamento registrado no Brasil em 2019 não tinha autorização ou estava em áreas que jamais poderiam ter sido desmatadas, como unidades de conservação e Terras Indígenas.
Leia estudo completo, aqui.
Fonte: O Eco
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