Cada vez mais raras na Mata Atlântica, as onças-pintadas que resistem no bioma são reféns não apenas das restritas áreas de floresta remanescentes, mas também do conflito com o bicho-homem. Na região do Contínuo da Serra da Paranapiacaba, no interior de São Paulo, pesquisadores que monitoram as onças-pintadas registraram o quinto assassinato em menos de dez anos. O Máscara, como foi batizado em razão dos desenhos formados por suas manchas características, era um macho adulto de idade estimada de 8 anos e corpanzil de 68 quilos. Quando os pesquisadores o encontraram, no dia 5 de julho, o corpo sem vida do maior felino das Américas estava violado por marcas de mais de 50 tiros de chumbos de espingarda. Estirado no córrego Alegre, na divisa entre os municípios paulistas de Guapiara e Capão Bonito, logo abaixo de uma ponte por onde passa a SP-250, a cena indica que Máscara teria sido assassinado em outro lugar, transportado de carro e arremessado da estrada no leito raso do córrego.
“Máscara foi morto por sucessivas ações de caçadores do meio rural. A primeira impressão é que foi morto por atacar criações domésticas, porém, essa pode ser uma impressão enganosa. É mais provável que tenha passado a atacar criações domésticas por já estar com a locomoção prejudicada devido a um tiro, já que um raio X encontrou baletes de chumbo e um calo ósseo em sua pata direita, que foi quebrada e mal calcificada. Foi alvejado por caçadores, mais de uma vez, em menos de 6 meses. A própria pata quebrada deve ter sido por armadilha ou tiro de espingarda, mas ele ainda resistia. Sabemos desses fatos só agora, após a necropsia do corpo”, explica em nota a Fundação Florestal de São Paulo, que atua junto com o ICMBio no projeto “As onças pintadas do Contínuo de Paranapiacaba: identificação individual, estimativa populacional e apropriação pela sociedade”.
Os animais são acompanhados há mais de 20 anos pelo projeto e a última estimativa feita pelos pesquisadores, entre 2009 e 2011, indicava a presença de 20 indivíduos na Serra de Paranapiacaba, um corredor ecológico de cerca de 3.000 km² marcado pela presença de unidades de conservação como os parques estaduais Turístico do Alto Ribeira (PETAR) e de Intervales. Nos últimos 10 anos, entretanto, pelo menos cinco onças-pintadas foram assassinadas por caçadores.
“É possível que esta população esteja extinta em um futuro breve. E as ações humanas têm acelerado esse futuro cada vez mais. Caso ocorra, essa extinção local da espécie onça pintada na floresta produzirá um desequilíbrio ecológico em toda a comunidade de fauna, que terá reflexos na comunidade de flora, e que comprometerão o futuro da conservação de todo o remanescente de Mata Atlântica do Contínuo de Paranapiacaba”, alerta o comunicado oficial emitido pela Fundação.
Os conflitos entre seres humanos na zona rural e onças-pintadas não são novos e tampouco incomuns e muito mais numerosos do que o limiar que asseguraria a conservação delas no território. Para mitigar esses conflitos, a equipe do projeto investiu na instalação em cercas elétricas nas propriedades onde foi registrada predação do felino, assim como luzes com sensor de presença para espantar o bicho. Esse trabalho, entretanto, é feito apenas nas propriedades em que os donos relatam a predação.
Está em andamento a pesquisa para atualizar os dados de estimativa populacional das onças-pintadas no Contínuo de Paranapiacaba e, apesar das amostragens ainda estarem incompletas, os pesquisadores alertam que a estimativa preliminar é de seis indivíduos, menos de um terço da população anterior.
Em 2013, caçadores mataram duas onças-pintadas. No ano seguinte, uma onça fêmea monitorada pela equipe também foi assassinada. Em 2017, foi a vez de um macho, adulto, ser assassinado. A estas mortes, soma-se agora a de Máscara, o quinto em menos de 10 anos.
Ou seja, dos cerca de 20 estimados em 2009-2011, pelo menos cinco morreram. O número real de indivíduos mortos pode ser ainda maior, entretanto, uma vez que atividades ilegais como a caça acontecem na surdina e longe dos olhos do público.
A história de Máscara e como evitar que ela se repita
A equipe do projeto já vinha trabalhando com moradores rurais parceiros para afastar Máscara de suas criações, com técnicas de manejo para afastar a onça das propriedades rurais e orientações sobre qual a melhor forma de afugentar o animal sem a necessidade de qualquer conflito.
“Embora essas ações iniciais resolvam em muitos dos casos de predação por onças pintadas, o caso do Máscara persistia, e os ataques às criações domésticas continuaram ocorrendo. Através de armadilhas fotográficas foi identificado que o Máscara estava machucado do seu lado direito, e tinha muita dificuldade para andar, mancava muito. Essa pode ter sido a razão dos ataques a criações domésticas. A onça pintada debilitada procura presas mais fáceis de serem caçadas para se alimentar. Pegar uma galinha ou porco dentro do cercado é muito mais fácil do que correr atrás de um porco do mato. Máscara não tinha mais condições de realizar uma caçada no interior da floresta. A equipe do projeto decidiu então pela necessidade de captura e tratamento do Máscara”, contextualiza a nota da Fundação Florestal. Antes que as providências para sua captura fossem tomadas, a onça teve a infelicidade de cruzar com alguém que, por desinformação, medo, represália ou até mesmo crueldade, disparou os mais de 50 tiros de espingarda que perfuraram seu corpo, seu coração e pulmão.
“É uma perda muito grande o fato de nem todos os moradores rurais confiarem nas equipes dos Parques Estaduais”, ressalta o texto da Fundação, responsável pela gestão de 102 unidades de conservação (UCs) estaduais em São Paulo, entre elas os parques do PETAR e de Intervales, inseridos na região da Serra da Paranapiacaba.
A Fundação Florestal reforça que em casos de encontro com quaisquer animais silvestres no interior ou entorno de unidades de conservação estaduais deve-se sempre procurar as equipes das UCs, que podem orientar sobre as medidas a serem tomadas para evitar conflitos. “Todas as áreas [protegidas] têm Programas de Fiscalização Ambiental que fazem intermediação com moradores rurais com problemas de predação de animais domésticos. As equipes locais das Áreas Protegidas devem ser procuradas o mais cedo possível quando o problema aparecer. O diálogo certamente evita assassinatos desnecessários como esse”, orientam.
Fonte: O Eco
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