A maioria das aves extintas ocorria no Centro de Endemismo Pernambuco, no nordeste, e os pesquisadores alertam para outras nove espécies da Mata Atlântica que estão à beira da extinção
Vítima da exploração portuguesa e da posterior expansão urbana no litoral, a Mata Atlântica foi destruída e fragmentada ao longo de cinco séculos. Junto com a floresta, desapareceram muitos de seus habitantes. Em uma pesquisa publicada na última semana, cientistas se debruçaram sobre as aves e constataram que sete espécies estão provavelmente extintas, sendo seis endêmicas, ou seja, que ocorriam apenas em áreas de Mata Atlântica. O estudo aponta que outras nove espécies de aves do bioma estão criticamente ameaçadas e prestes a desaparecer também caso esforços de conservação efetivos não sejam realizados.
Dentre as sete espécies apontadas como provavelmente extintas nas últimas décadas, a maioria tinha como habitat o Centro de Endemismo Pernambuco, zona de Mata Atlântica ao norte do rio São Francisco. São elas o limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi), o gritador-do-nordeste (Cichlocolaptes mazarbarnettii), o caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum) e o mutum-do-nordeste (Mitu mitu), este considerado extinto apenas na natureza, pois ainda sobrevive em cativeiro.
As outras três espécies de aves que completam a lista das extinções na Mata Atlântica são a arara-azul-pequena (Anodorhynchus glaucus), considerada extinta em território brasileiro, mas que ainda ocorre nos países vizinhos que compartilham a extensão da floresta atlântica, Uruguai, Paraguai e o norte da Argentina; em situação similar, a pararu-espelho (Paraclaravis geoffroyi), considerada extinta no Brasil, mas que sobrevive na Argentina e no Paraguai; e tietê-de-coroa (Calyptura cristata), com ocorrência restrita ao Rio de Janeiro e cujo último registro na natureza foi feito em 1996, por isso é considerada possivelmente extinta.
“Não é mais correto dizer que nenhuma extinção de aves foi documentada na Mata Atlântica”, sentencia o artigo, publicado na última quinta-feira (13) na revista científica Frontiers in Ecology and Evolution, e assinado por Pedro F. Develey, da SAVE Brasil, e Benjamin T. Phalan, do Centro para Conservação de Aves da Mata Atlântica, do Instituto Claravis.
O estudo foi baseado nas atualizações da Lista Vermelha, elaborada pela União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN), e na lista nacional produzida pelo ICMBio (Livro Vermelho – Volume 3), e analisou as aves consideradas globalmente extintas, extintas na natureza, além de identificar as extinções locais que ocorreram na Mata Atlântica e as espécies que estão à beira de desaparecer no bioma.
A perda de habitat foi apontado como um dos principais motivos por detrás das extinções, tanto pelo avanço da agricultura quanto pela expansão urbana. A caça e captura, exploração madeireira e o aumento na frequência e intensidade de incêndios florestais também foram razões importantes para o desaparecimento das espécies. “No Nordeste, uma importante causa do desmatamento foi um programa iniciado em 1975 para promover a produção de etanol de cana-de-açúcar. Desde então, a cana-de-açúcar e as pastagens substituíram a maior parte das florestas do Centro de Endemismo de Pernambuco”, apontam os pesquisadores.
O Brasil é o segundo país do mundo em número de aves globalmente ameaçadas, com 166 espécies e mais da metade delas está na Mata Atlântica. O bioma apresenta ainda um elevado número de espécies exclusivas, com 210 aves que só existem neste ambiente, o que as torna ainda mais vulneráveis à redução do habitat. E especialistas preveem a extinção de pelo menos 80 destas espécies no futuro.
Os pesquisadores destacam ainda outras nove espécies de aves que ocorrem na Mata Atlântica que estão criticamente ameaçadas e sob o risco iminente de desaparecer, sendo oito delas endêmicas do bioma, como por exemplo a saíra-apunhalada (Nemosia rourei) cuja população conhecida é de apenas 11 indivíduos maduros, restrita às montanhas do Espírito Santo. Em situação ainda pior está o entufado-baiano (Merulaxis stresemanni), que tem apenas um indivíduo conhecido, na Reserva Mata do Passarinho, em Minas Gerais, apesar de relatos não confirmados apontarem outro local de ocorrência e ofereçam esperança de uma segunda população.
A choquinha-do-alagoas (Myrmotherula snowi), o crejoá (Cotinga maculata), o soldadinho-do-araripe (Antilophia bokermanni), o bicudinho-do-brejo-paulista (Formicivora paludicola), zidedê-do-nordeste (Terenura sicki), cara-pintada (Phylloscartes ceciliae), todas estas endêmicas, também são citadas no artigo pelo alto risco de desaparecerem. O pato-mergulhão (Mergus octosetaceus) que ocorre na Mata Atlântica e no Cerrado também foi destacado pelos pesquisadores pelo perigo crítico de ser extinto.
“O legado histórico de desmatamento e degradação florestal significa que algumas espécies foram reduzidas a populações minúsculas e fragmentadas e continuam a enfrentar um alto risco de extinção em um futuro próximo. Muitas das aves discutidas neste artigo têm (ou tiveram) requisitos de habitat altamente específicos, como associações com bambus, bromélias, palmeiras e pequenos pântanos. Para tais espécies, a área total de floresta é um indicador fraco de habitat adequado, e elas exigirão intervenções direcionadas para garantir a recuperação da população, incluindo intervenções de manejo intensivo quando apropriado”, ressaltam os pesquisadores.
A pesquisa também analisou aves brasileiras que ocorrem fora do domínio da Mata Atlântica e identificou outras duas extinções, a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), extinta na natureza, mas criada em cativeiro e atualmente parte de um projeto de reintrodução em seu habitat, na Caatinga baiana; e o maçarico-esquimó (Numenius borealis) ave migratória que fazia sua rota da Argentina ao Canadá. E outras seis espécies estão à beira da extinção, sendo duas espécies do Cerrado e quatro endêmicas da Amazônia.
Extinções locais
Outro destaque feito no estudo são as extinções locais que ocorreram ao longo da Mata Atlântica, ou seja, espécies ainda com ampla distribuição no Brasil, mas que hoje já não são encontradas na floresta atlântica. Como por exemplo a arara-vermelha-grande (Ara chloropterus), o maracanã-guaçu (Ara severus), o cancão (Ibycter americanus) e o bicudo (Sporophila maximiliani), que desapareceram completa ou quase totalmente da Mata Atlântica. “Embora as extinções locais possam ser revertidas por meio da restauração e reintrodução de habitat, perdas locais como essas têm impactos em cascata no funcionamento do ecossistema e podem indicar extinções globais em outros táxons menos estudados, como plantas ou invertebrados”, explica o artigo.
No artigo, os especialistas apontam que para garantir a sobrevivência das espécies de aves mais ameaçadas da Mata Atlântica são necessários investimentos contínuos e ampliados em advocacy [políticas públicas de defesa], proteção de habitat, restauração, gestão intensiva de populações, pesquisas direcionadas e engajamento público. “Já é tarde demais para o limpa-folha-do-nordeste e o gritador-do-nordeste, mas outros casos são mais esperançosos. Com dedicação, colaboração, recursos suficientes e foco em soluções baseadas em evidências, as espécies podem ser salvas da beira da extinção”, concluem.
“Embora o ambiente político no Brasil raramente tenha sido mais hostil à conservação, também existem algumas tendências positivas. As taxas de desmatamento na Mata Atlântica caíram, a restauração e recuperação florestal estão aumentando e um número sem precedentes de pessoas comuns está se interessando pelas aves e participando da ciência cidadã. Com dedicação, colaboração, recursos suficientes e foco em soluções baseadas em evidências, temos esperança de que muitas das espécies criticamente ameaçadas de extinção possam ser retiradas da beira da extinção”, acreditam os pesquisadores.
Fonte: O Eco
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