Nesta quinta e sexta-feira (22 e 23), serão realizadas as reuniões virtuais da Cúpula do Clima, encontro entre 40 líderes mundiais organizado pelos Estados Unidos para discutir ações de combate à emergência climática. No comando do evento estará o presidente norte-americano recém-eleito, Joe Biden, mas os olhos do mundo – e do próprio democrata – estarão atentos a um outro personagem que participará da cúpula: o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. O principal motivo: o desmatamento na Amazônia, que nos dois anos da gestão de Bolsonaro ultrapassou a casa dos 10 mil km² por ano, e seus efeitos diretos na emissão de gases de efeito estufa – principal inimigo a ser batido na crise climática. De um lado, Bolsonaro espera convencer o anfitrião de que com um belo aporte de dólares americanos será capaz de deter a destruição da floresta. De outro, ONGs, ambientalistas, ex-ministros e até celebridades pressionam para que Biden não negocie com o presidente brasileiro.
A Cúpula do Clima também contará com outros chefes de Estado como Vladimir Putin, da Rússia, e Xi Jinping, da China. Além dos presidentes e primeiros-ministros, participarão do encontro líderes indígenas, do setor empresarial e da sociedade civil. Inclusive, Bolsonaro não será o único brasileiro a participar do evento. A liderança Sinéia do Vale, da etnia Wapichana, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, representará o Conselho Indígena de Roraima e participará de um dos painéis da cúpula.
“É um evento muito amplo. Inclui, quase em pé de igualdade, líderes da sociedade civil, líderes empresariais e lideranças indígenas. É uma conferência bastante ampla e é decisivo para o Biden mostrar um novo Estados Unidos, oposto ao governo Trump”, resume Eduardo Viola, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Brasília (UnB) e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).
O professor aponta ainda o sucesso da convocatória de Biden, uma vez que todos os 40 líderes globais aceitaram o convite, inclusive Putin, um dos últimos a confirmar e que não tem uma posição muito forte na discussão climática.
Para entender melhor “o clima” que antecede a realização deste evento, , considerado uma prévia da Conferência das Partes das Nações Unidas (COP), que será realizada em novembro na Escócia, ((o))eco fez uma lista com os principais fatores que devem influenciar a discussão entre os líderes.
Os números atuais do desmatamento
Em primeiro lugar, é preciso levar em conta o atual contexto do desmatamento na Amazônia Legal. Logo em seu primeiro ano no Palácio do Planalto, Bolsonaro viu o desmatamento saltar para 10.129 km² e ultrapassar pela primeira vez desde 2008 a casa dos 8 mil km². Em 2020, o número cresceu ainda mais e é estimado pelo Prodes (monitoramento do INPE) em 11.088 km².
Em resposta à aceleração da taxa de destruição da floresta General Hamilton Mourão, vice-presidente e líder do Conselho Nacional da Amazônia Legal, elaborou o Plano Amazônia para o biênio (2021 e 2022) no qual estabelece a meta de reduzir o desmatamento à 8.718,6 km² por ano, o que na prática significa uma taxa 15,7% maior a encontrada pelo atual governo. A meta foi considerada um retrocesso por ambientalistas.
O novo “compromisso” brasileiro no Acordo de Paris
Em dezembro de 2020, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atualizou a meta climática para o Brasil no Acordo de Paris. Ao desconsiderar a base de cálculo utilizada oficialmente, a meta estabelecida pelo ministro permite que o país chegue em 2030 com emissão de 1,6 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa, o que equivale a 400 milhões de toneladas a mais do que o previsto originalmente, quando o Acordo foi assinado pelo Brasil, em 2015.
A “pedalada climática”
Em consequência direta à nova meta climática estabelecida por Salles para o Brasil, um grupo de seis jovens entrou com uma ação inédita na justiça em abril deste ano para que a meta brasileira no Acordo de Paris seja anulada. A ação, apoiada por oito ex-ministros do Meio Ambiente, pede que Salles, o ex-ministro Ernesto Araújo e a União sejam responsabilizados pela “pedalada” climática.
1 bilhão pela floresta em pé
Responsável por travar o bilionário Fundo Amazônia, cujos maiores doadores são a Alemanha e a Noruega, Ricardo Salles mira junto com Bolsonaro no dinheiro norte-americano. A estratégia do governo brasileiro é pedir 1 bilhão de dólares (o equivalente na cotação atual a mais de 5,5 bilhões de reais) em troca da redução em 40% do desmatamento na Amazônia, segundo o próprio ministro contou em entrevista ao Estadão. Em março, em reuniões preliminares à Cúpula do Clima entre representantes do governo americano e brasileiro, Salles teria feito até mesmo uma apresentação inusitada que contava com a imagem de um cachorro diante de uma vitrine de frangos de padaria onde se lia “expectativas de pagamento” em inglês.
Possivelmente uma prévia da Cúpula porvir, nas reuniões o impasse entre as posições ficou evidente. De um lado, os EUA querem que o Brasil se comprometa com metas objetivas de redução de desmatamento ilegal, com resultados ainda este ano, e a zerá-lo até 2030. Do outro, Salles insiste que o país se comprometerá apenas se receber o dinheiro antecipado de nações estrangeiras.
O próprio Bolsonaro enviou uma carta à Biden na semana passada qual se compromete a “eliminar o desmatamento ilegal até 2030” e que quer trabalhar em parceria com os Estados Unidos pela preservação ambiental. Bolsonaro escreve ainda que o país “merece ser justamente remunerado pelos serviços ambientais que seus cidadãos têm prestado ao planeta”.
“Acho que não vai ter acordo. Por mais que tenha havido mudança na posição brasileira com a carta de Bolsonaro enviada semana passada, é uma mudança retórica. O Brasil hoje tem credibilidade zero no mundo, em muitas áreas, mas particularmente nas mudanças climáticas e pandemia. Para o Brasil reconquistar um pouco da credibilidade, precisa primeiro apresentar resultados. E o decisivo para que os Estados Unidos negociem uma contribuição financeira para o Brasil, será só depois de haver, este ano, uma redução significativa do desmatamento na Amazônia. Não daqui a três anos, este ano”, analisa o professor de Relações Internacionais da UnB, especialista em negociações globais sobre o clima.
“Além disso, tem outra coisa que está clara para os Estados Unidos e a União Europeia, para o mundo de forma geral, é que o Brasil, quando levou a sério o desmatamento, teve capacidade de reduzí-lo drasticamente. De 2005 a 2012 o desmatamento foi reduzido em 80% e praticamente sem ajuda internacional. O mundo sabe que o Brasil tem capacidade de reduzir o desmatamento, porque o custo não é alto e os EUA e a União Europeia estão dispostos a contribuir com países pobres no combate ao desmatamento, mas não com países de renda média como o Brasil”, continua Eduardo Viola.
Mobilização de artistas para que Biden recuse acordo
Uma longa lista de artistas internacionais como Leonardo DiCaprio, Jane Fonda e Katy Perry; e brasileiros, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Alice Braga e Wagner Moura, assinam uma carta divulgada nesta terça-feira (20) dirigida ao presidente Joe Biden, na qual pedem que o democrata não faça acordos com Bolsonaro para a Amazônia
“Proteger a Floresta Amazônica é essencial para soluções globais para lidar com as mudanças climáticas. No entanto, a integridade deste ecossistema crítico está se aproximando de um ponto de não retorno devido às crescentes ameaças à floresta tropical e aos seus guardiões pelo governo Bolsonaro, incluindo desmatamento, incêndios e ataques aos direitos humanos. Desde que Bolsonaro assumiu o cargo em janeiro de 2019, a legislação ambiental foi sistematicamente enfraquecida e as taxas de desmatamento triplicaram. As terras indígenas, que são as mais protegidas da Amazônia, foram invadidas, desmatadas e queimadas impunemente. Os direitos dos povos indígenas, guardiões da floresta, foram violados por Bolsonaro e seu governo. (…) Nós nos juntamos a uma coalizão crescente de mais de 300 organizações da sociedade civil brasileira e norte-americana, povos indígenas, membros do Congresso dos Estados Unidos e legisladores brasileiros para pedir a seu governo que rejeite qualquer acordo com o Brasil até que o desmatamento seja verdadeiramente reduzido, os direitos humanos sejam respeitados e a participação significativa da sociedade civil seja atendida”, diz a carta, apoiada pelas organizações Amazon Watch, Artists for Amazonia, We Stand United e 342 Amazônia.
Enquanto Brasil é pária, EUA motiva metas mais ambiciosas
Uma das grandes expectativas em relação à cúpula é que países anunciem metas mais ambiciosas de redução de emissões de gases de efeito estufa do que as previamente estabelecidas no Acordo de Paris. A iniciativa deve ser puxada pelo próprio Estados Unidos, que deve dobrar sua meta original de reduções. “A meta americana do Acordo de Paris era de 26 a 28% de redução de emissões, com ano base de 2005, e agora parece que Biden vai anunciar algo em torno de 50%, quase duplicando. Com isso, os Estados Unidos vão passar a ter uma meta muito ambiciosa e se colocarão ao lado do Reino Unido e da União Europeia em termos de ambição”, avalia Eduardo Viola.
“Os EUA esperavam, aparentemente, que muitos países anunciassem um aumento da ambição de suas metas climáticas, mas tudo indica que só Canadá e Japão farão isso, além dos próprios Estados Unidos”, continua o professor, que lembra que a União Europeia e o Reino Unido são os pioneiros no estabelecimento de metas mais ambiciosas de redução de emissões.
Atualmente, os Estados Unidos e a China são os dois países responsáveis pelas maiores emissões de gases causadores de efeito estufa. “Essa mudança da política climática e energética americana é muito importante, mas depende de uma continuidade de políticas de governos democratas. Se em 2024 for eleito um republicano com perfil trumpista de novo, isso pode ser bastante revertido. E por isso a credibilidade do governo americano é bastante limitada hoje, não é a mesma coisa que era antes de Trump. É fundamental que o governo democrata seja reeleito em 2024 para consolidar a transformação da política”, completa o professor.
Fonte: O Eco
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