Um grupo de jovens ativistas brasileiros chamou a atenção da mídia esta semana ao processar o governo por “pedalada climática” na definição das novas metas de redução de emissões, anunciadas em dezembro passado, no âmbito do Acordo de Paris (veja mais abaixo). Organizados em todo território nacional e promotores de ações que mobilizam milhares de pessoas, estes jovens têm consolidado cada vez mais a voz da juventude nos processos de decisão relacionados às mudanças climáticas.
Os seis jovens que assinam a ação popular impetrada na Justiça de São Paulo na última terça-feira (13) são integrantes da rede Engajamundo – Txai Bandeira Suruí (RO), Paulo Ricardo Santos (BA), Paloma Costa (BSB) e Thalita Silva e Silva (AM) – e do movimento Fridays For Future – Marcelo Rocha (SP) e Daniel Holanda (GO).
Eles são provenientes de diferentes regiões do país, com idades, culturas, sotaques e formação diversas, mas com um único objetivo: conscientizar e empoderar a juventude para o enfrentamento dos problemas ambientais e sociais no Brasil e no mundo, de forma a aumentar sua participação nas tomadas de decisão e pressionar governos e sociedade para que as decisões de hoje garantam a eles um futuro climático, ambiental e socialmente seguros.
Conscientização, empoderamento e engajamento
A Rede Engajamundo foi criada há quase uma década, quando um grupo de estudantes brasileiros decidiu participar da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável realizada no Brasil em 2012, a Rio+20, e notou que faltava conhecimento, experiência e representatividade dos jovens nesses espaços.
“Chegando lá, eles perceberam que tinha pouca juventude e a juventude que existia era do Norte global. Poucos jovens latino-americanos, principalmente brasileiros. Então, a criação do Engajamundo se deu com essa ideia de inserir os jovens nesses espaços de discussão, para que tenham voz ativa e participem realmente das tomadas de decisão que vão influenciar diretamente nosso futuro, principalmente por sermos nós a geração que vai sofrer os impactos diretos das decisões que são feitas agora”, explicou a ((o))eco a bióloga Thalita Silva e Silva, 23 anos, uma das autoras da ação.
De fato, ao longo dos anos, a Rede foi conquistando espaço nas conferências internacionais. Em setembro de 2019, uma das integrantes da Rede, a jovem Paloma Costa, então com 27 anos, foi convidada pela ONU para compor a mesa de abertura da Cúpula do Clima das Nações Unidas, junto com o secretário-geral da organização, Antonio Guterres, e a jovem ativista sueca Greta Thunberg. Atualmente, Paloma, que é advogada e já coordenou delegações jovens em várias conferências do clima, faz parte do Grupo Consultivo da Juventude sobre Mudança Climática da ONU, que tem como função aconselhar Guterres. Paloma também assina a Ação contra o governo brasileiro.
Mas o Engajamundo não atua somente na esfera das negociações climáticas internacionais. Com o tempo, a Rede passou a ter uma atuação também nacional, com jovens de vários lugares do Brasil engajados na mudança efetiva de suas realidades. Para isso, a rede promove formações, mobilizações, participações e advocay.
Até o início da pandemia, no final de 2019, o Engajamundo há havia promovido 161 ações e 205 formações presenciais, que reuniram milhares de jovens em todo o país. Além disso, grupos de trabalho divididos em cinco temas – biodiversidade, clima, cidades e comunidades sustentáveis, gênero e agenda de desenvolvimento sustentável (ODS) – se encontram semanalmente de forma virtual para discutir e planejar ações e campanhas.
Ao todo, o Engajamundo conta com 23 núcleos locais espalhados por 18 estados brasileiros, nas cinco regiões, e 1600 voluntários inscritos, entre 15 e 29 anos (em comunidades tradicionais, podem participar jovens de até 35 anos).
Greves pelo clima
O movimento Fridays for Future (Sextas pelo futuro) teve início a partir da ação individual da estudante sueca Greta Thunberg que, em agosto de 2018, após ter vivenciado o verão mais quente da história da Suécia e com as eleições chegando sem que o tema das mudanças climáticas estivesse minimamente em pauta, decidiu protestar. Numa sexta-feira, a estudante, então com 16 anos, se sentou em frente ao Parlamento sueco com um cartaz que dizia “Greve escolar pelo clima” e distribuiu panfletos com dados sobre o aquecimento global.
Ao compartilhar suas ações no Intagram e Twitter, e ganhar a atenção da mídia local, o movimento iniciado por Greta viralizou, culminando na primeira greve global pelo clima, que reuniu 1,5 milhão de estudantes de mais de 100 países em 15 de março de 2019. Foi nesta ocasião que o Fridays for Future Brasil foi oficialmente criado.
“O movimento no Brasil começou de forma orgânica, com vários núcleos. Tinha um pessoal no Nordeste se mobilizando [para a Greve global pelo Clima de março de 2019], no Pará, no Rio de Janeiro, São Paulo. Então, pensamos ‘a gente tá com o mesmo propósito, a mesma ideia, então vamos fundar um movimento nacionalmente, para espalhar essas greves pelo Brasil inteiro’”, diz Daniel Holanda, 19 anos, estudante de Relações Internacionais e também um dos autores da ação contra o governo brasileiro.
A estimativa é que a greve global pelo clima realizada em setembro de 2019 tenha reunido cerca de 7 milhões de pessoas em todo o mundo. No Brasil, as ações do Fridays for Future já mobilizaram cerca de 35 mil pessoas, em 325 cidades de 22 estados, segundo projeções do movimento. “Nos organizamos através das redes sociais, atualmente por meio de hashtags, como #chegadepromessasvazias e #salveopantanal”, explica Daniel.
Ação popular
Na ação popular impetrada na última terça-feira (13) contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, os jovens pedem que a meta brasileira de redução de emissões de gases estufa apresentada em dezembro passado pelo governo Federal no âmbito do Acordo de Paris seja anulada. O documento do governo, segundo eles, viola o tratado do clima. A ação tem o apoio de oito ex-ministros do Meio Ambiente: Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, Marina Silva, Rubens Ricupero e Sarney Filho.
Em dezembro de 2020, o Acordo de Paris completou cinco anos e os países signatários tiveram que apresentar novas versões dos compromissos assumidos em 2015. Ao utilizar um novo cálculo de emissões para o ano-base, o governo brasileiro apresentou uma meta menos ambiciosa que a anterior, que permitirá ao país emitir, até 2030, 400 milhões de toneladas a mais de gases de efeito estufa do que previsto na meta original. A manobra foi chamada de “pedalada climática”.
A manobra contábil foi feita da seguinte maneira: em 2015, o Brasil havia se proposto a reduzir suas emissões em 37% em 2025, em relação aos níveis de 2005, e em 43% em 2030, com base nas emissões do mesmo ano. O total de emissões considerado para o ano-base (2005) na proposta original foi de 2,1 bilhões de toneladas de CO2 equivalente. Isto é, na proposta original, a meta indicativa de redução de 43% significava emitir 1,2 bilhão de toneladas de gases até 2030.
Na versão apresentada pelo atual governo, o nível de emissões do ano base (2005) foi ajustado de 2,1 bilhões de toneladas para 2,8 bilhões de toneladas. Portanto, ao propor a mesma porcentagem de redução, sobre uma base maior, o total de emissões que o Brasil se comprometeu para 2030 saltou de 1,2 bilhão para 1,6 bilhão de toneladas de CO2 equivalente na atmosfera.
Segundo cálculos do Observatório do Clima, para manter o mesmo nível absoluto de emissões indicado na meta original, o Brasil deveria ter ajustado a redução percentual para 57%.
“O Brasil consegue, assim, a proeza de ter uma meta menos ambiciosa do que a anterior. Isso é uma flagrante violação do Acordo de Paris, que só admite aumento no nível de ambição das NDCs [metas climáticas nacionalmente determinadas], nunca uma redução”, disse Txai Bandeira Suruí, do Engajamundo.
A “pedalada” fez com que a meta brasileira sofresse um inédito rebaixamento – de “insuficiente” para “altamente insuficiente” – pelo consórcio internacional Climate Action Tracker, e motivou uma carta igualmente inédita de uma rede internacional de 1.300 ONGs para a Convenção do Clima da ONU, pedindo que ela não fosse acolhida.
Na ação popular, os jovens também argumentam que a meta apresentada em dezembro abre um precedente internacional perigoso. Segundo eles, se outros países seguirem o exemplo do Brasil e passarem a fazer “contabilidade criativa” nas suas metas, o mundo jamais conseguirá atingir o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5º neste século.
Além disso, o texto da ação também alerta que o documento do governo compromete ainda mais a credibilidade internacional do Brasil na área ambiental, atrapalhando a ratificação do acordo comercial UE/Mercosul e travando o ingresso do país na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Por isso os jovens também entraram com um pedido de liminar para que ela tenha seus efeitos imediatamente suspensos.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já negou a existência das mudanças climáticas em diferentes ocasiões e chegou a desdenhar do movimento criado por Greta Thunberg, a quem chamou de “pirralha”. Além disso, os membros do atual governo têm um histórico de se safar nas ações que são impetradas contra eles. Mas, para os jovens ativistas, a esperança é que, de fato, o governo seja punido.
“A nossa principal intenção era comunicar o que está acontecendo, principalmente sendo uma semana antes da Cúpula do Clima para a qual o Brasil foi convidado […] Mas a ideia é que realmente a gente consiga judicialmente a anulação dessa NDC, porque o que o Salles cometeu foi um crime”, diz Thalita Silva e Silva.
Fonte: O Eco
Comentários