Atualmente, 47 barragens estão em níveis de emergência no Brasil. Os dados são do último relatório semanal da Agência de Mineração (ANM), de 11 de janeiro. Destas, 42 estão em Minas Gerais e 30 são da empresa Vale, responsável pelo crime socioambiental de Brumadinho, ocorrido há dois anos, em 25 de janeiro de 2019.
Três destas barragens estão no nível três de emergência. São elas: B3/B4, da empresa Minerações Brasileiras Reunidas, na cidade de Nova Lima; e outras duas da Vale – Forquilha III, em Ouro Preto; e Sul Superior, em Barão dos Cocais, todas em Minas Gerais.
A Fundação SOS Mata Atlântica realizou um webinário na última quarta para debater a situação atual em Brumadinho e reforçar que não podemos esquecer da tragédia nem deixar de lutar pelas famílias impactadas e meio ambiente:
“A tragédia de Mariana foi o início da de Brumadinho. A Vale sabia dos problemas desde 2007. Eu paguei um preço muito alto em 2015, quando falei que haveria outras tragédias. Era uma questão de tempo. A estrutura e o sistema de fiscalização e controle continuavam o mesmo. O resultado que se vê é que depois se faz um acordo, e tudo volta ao status habitual. Levaram a uma permanência daquele sistema comprometido, frágil e sob controle do poder econômico, que trouxe a essa tragédia de Brumadinho”, afirmou o promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto, coordenador da área de Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), que em 2015 era responsável pelas investigações em Mariana como coordenador do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais (Nucam).
Em Brumadinho, 16 pessoas foram denunciadas, sendo 11 da Vale, cinco da TÜV Süd, além das próprias empresas. A denúncia foi por homicídio duplamente qualificado em razão do perigo comum, multiplicado por 270 vezes – o número de vítimas.
A moderadora do evento, Cristina Serra, autora do livro “A Mata Atlântica e o Mico-Leão-Dourado” e colunista da Folha de S. Paulo, ainda destacou os dois nascituros, uma vez que duas mulheres gestantes estão entre as vítimas do desastre.
O olhar da comunidade
Para Marina Oliveira, moradora da região e coordenadora de Projetos para as comunidades atingidas pelo crime da Vale em Brumadinho pela Arquidiocese de Belo Horizonte, a centralidade das tratativas está na empresa, enquanto deveria ser com foco nos moradores locais, principalmente aos atingidos, que precisam ter suas necessidades ouvidas e atendidas. Segundo ela, a Vale é quem controla o acesso à informação, negocia acordos com o governo de Minas Gerais sem a participação das famílias afetadas, além de realizar diversas estratégias para dificultar a reparação para quem teve sua vida totalmente alterada após o crime da empresa.
“O crime não ficou no dia 25, ele é continuado. As violações de direito continuam acontecendo no território. Começa pela falta de comunicação com as comunidades, passa pelo acordão que está sendo negociado neste momento entre Vale e governo Zema sem participação dos atingidos, pelo controle que a empresa tem nas metodologias de análise dos impactos nas áreas contaminadas, inclusive sem dar acesso aos laudos e até ao abastecimento de água nos municípios que foram impactados, mas não são reconhecidos pela empresa. E, por fim, a situação das terceirizados da empresa, que trabalham em condições precárias”, destacou Marina, que ainda lembrou que devem ser contabilizadas 273 mortes pela empresa em Brumadinho. No dia 18 de dezembro de 2020, o trabalhador terceirizado Júlio Cesar de Oliveira Cordeiro morreu soterrado no Córrego do Feijão.
Os impactos ambientais
Outro aspecto abordado no evento é a importância da independência nas análises ambientais sobre este tipo de dano – que não pode ficar na mão da empresa que cometeu o dano.
“Ninguém sabe como e se o ecossistema local vai se refazer. Cadê o investimento na ciência? Nós somos uma rede de monitoramento independente e temos ajudado com nossas informações. Mas onde estão as informações da empresa que não chega na comunidade? Está definido em lei que a divulgação de dados sobre a qualidade da água deve ser pública. No final, a empresa fica com bônus e o estado com o ônus de ter que gastar seus recursos”, afirmou Marta Marcondes, professora da Universidade Municipal de São Caetano do Sul e coordenadora do Laboratório de Análise Ambiental do Projeto Índice de Poluentes Hídricos (IPH).
A jornalista Cristina Serra lembrou uma frase marcante que um perito disse para ela em Mariana: “A lama de rejeito de mineração é uma lama biocida, que mata todas as formas de vida”. Ela também destacou que “o lucro é privado e o prejuízo é socializado”.
Saiba mais sobre as expedições que a Fundação realizou na Bacia do Paraopeba
O papel das autoridades
É de extrema importância que os futuros presidentes da Câmara e do Senado estejam atentos e compromissados com o que a sociedade quer. Um dos temas extremamente importantes, e que deve ser debatido em breve, é o licenciamento ambiental, com total relação com a mineração. Ele deve permitir transparência, a participação da sociedade na tomada de decisões, impedindo que atos criminosos como esse ocorram.
“Aqueles que dizem que o licenciamento ambiental e a governança participativa do meio ambiente e da água são instrumentos que impedem o desenvolvimento, olhem para essas tragédias anunciadas que o Brasil tem. Se a boiada continuar passando sob essas legislações, a tendência é que novos danos se repitam. Para evitar isso é que nós estamos aqui. Esse é o papel da sociedade civil e a maior contribuição da SOS Mata Atlântica para devolver o verde, não só à mata, mas uma esperança para a nossa bandeira e um futuro sustentável no país”, destacou Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica.
“O que desejo é que caminhemos para um sistema de justiça que traga rapidez e segurança de forma que a sociedade possa buscar justiça no poder judiciário e não um palco para negociação. Com as barragens em nível de emergência estamos em um momento de grande preocupação e responsabilidade. Não podemos admitir em hipótese alguma a ocorrência de outro fato como os que ocorreram em Mariana e Brumadinho”, finalizou o promotor de Justiça Carlos Eduardo.
“A especialidade da Vale é matar. Ela matou antes de Brumadinho, durante e depois. A empresa trabalha para criar conflitos no território, jogar pessoas contra outras, criminalizar lideranças comunitárias, desqualificar assessorias técnicas, apagar memória social e contar mentira em rede nacional. Isso que vejo todos os dias quando ligo a TV à noite. A empresa não pode ficar no centro e conduzir qualquer processo de reparação. Não tem legitimidade nenhuma. Ninguém mais precisa morrer para que a gente abra os olhos para esse modelo predatório de mineração”, finalizou Marina.
A comunidade local está realizando a II Romaria Regional pela Ecologia Integral à Brumadinho, construída pela Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (RENSER), vinculada à Arquidiocese de Belo Horizonte. Os moradores da região também estão lançando vídeos-carta e um Pacto dos Atingidos. Clique aqui para mais informações.
A Fundação SOS Mata Atlântica deve voltar à região para monitorar a qualidade da água do Rio Paraopeba, assim que o cenário de pandemia permitir. “Vamos levar informação independente e ciência cidadã para as comunidades, além de continuar atentos no âmbito legislativo, com a Frente Parlamentar Ambientalista”, finalizou Malu Ribeiro.
Fonte: Ciclo Vivo
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