Um método inédito de mapeamento mineral de solo tem potencial de aperfeiçoar a agricultura em países de clima tropical. Elaborada por pesquisadores da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (FCAV-Unesp), campus de Jaboticabal (SP), a técnica utiliza o mapeamento magnético para determinar as características agronômicas e ambientais do solo. As informações obtidas são usadas para orientar os agricultores sobre as melhores áreas de plantio dos diferentes cultivares e a quantidade adequada de fertilizantes, corretivos e herbicidas a serem empregados em cada fração do terreno, o chamado talhão, reduzindo gastos com insumos e o impacto ambiental da produção.
“Os solos não são iguais. Mesmo pequenas porções de terra que estão muito próximas podem apresentar composições físicas, químicas, biológicas e minerais diferentes”, explica o engenheiro- -agrônomo José Marques Júnior, líder do grupo de pesquisa Caracterização do Solo para fins de Manejo Específico (CSME) da Unesp, responsável pelo desenvolvimento da nova técnica. Os solos de cultivo, informa o pesquisador, são formados por água, ar, matéria orgânica e minerais, sendo que os últimos respondem por aproximadamente 45% da composição total.
A mineralogia estuda o solo em suas frações nanométricas, as chamadas argilas, partículas minerais menores que 0,002 milímetro (mm). O objetivo é entender a capacidade do solo de reter e tornar disponível para as plantas nutrientes como fósforo, nitrogênio, potássio, cálcio e também água. Os pesquisadores comparam a caracterização mineral do solo com o sequenciamento do DNA de uma pessoa.
“Assim como o DNA influencia as características humanas e de outras espécies, os diferentes tipos de minerais têm impacto sobre as características agronômicas e ambientais do solo”, define o engenheiro-agrônomo Diego Silva Siqueira, que fez mestrado e doutorado no grupo do CSME sob orientação de Marques Júnior. “A proposta é entregar ao agricultor uma espécie de mapa genético de sua área de plantio, que poderá ser usado para diferentes práticas agrícolas.” O mapeamento realizado pelo CSME faz a leitura dos minerais magnéticos que compõem o solo. Qualquer mudança na assinatura magnética da terra, explica Siqueira, expressa uma variação desses minerais e, consequentemente, de seu potencial agrícola e ambiental.
“É uma técnica que se adéqua aos solos tropicais e subtropicais, que são abundantes em óxidos de ferro, alumínio e outros minerais com acentuada expressão magnética, funcionando como uma espécie de nanoímã, mas não se adapta tão bem ao solo de países de clima temperado, que têm uma menor concentração desses minerais magnéticos e uma composição maior de argilas silicatadas”, detalha Marques Júnior. A leitura magnética já é empregada há décadas pela mineração e na indústria química, entre fabricantes de tintas e na engenharia de materiais sintéticos. O CSME ampliou a utilização da técnica para a agricultura em grandes áreas. A solução está sendo adotada por cafeicultores de Minas Gerais e produtores de cana-de-açúcar de São Paulo.
Em setembro de 2019, Siqueira e dois outros engenheiros-agrônomos, Gustavo Pollo, egresso do CSME, e Renan Gravena, uniram-se na formação da startup Quanticum, que oferece serviços de mapeamento magnético para áreas agrícolas. Eles obtiveram financiamento do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP para um estudo sobre o mapeamento magnético na cafeicultura tropical. “O Brasil é responsável por um terço da produção mundial de café, mas não explora adequadamente o seu potencial no mercado de grãos especiais”, justifica Siqueira.
O mapeamento magnético despertou o interesse da Federação dos Cafeicultores do Cerrado Mineiro, entidade que reúne 4.500 produtores de Minas Gerais. “Ao longo do tempo aperfeiçoamos muito nosso conhecimento sobre os elementos que influenciam o terroir do café, como clima, altitude e regime hídrico. O mapeamento vai nos permitir aprofundar o entendimento do solo, que é um fator essencial para o cultivo”, conta Juliano Tarabal, superintendente da entidade. O terroir é a soma das características específicas de uma região agrícola, que permite a produção de uma bebida única. “Um café produzido em um terroir nobre pode alcançar R$ 100 o quilo no supermercado, cerca de oito vezes mais do que um café convencional”, informa o executivo.
Segundo Tarabal, o mapeamento indicará as características de cada talhão e, ao realizar novos plantios, o cafeicultor poderá escolher a variedade da planta que se adapta melhor em cada faixa do solo. “Vamos garantir aos compradores as características exatas do grão entregue e certificar a origem da produção”, declara. Um primeiro produtor do município de Patrocínio, em Minas Gerais, já iniciou o uso da técnica. O café é uma cultura bianual e a avaliação é que se precise de pelo menos duas safras para uma análise adequada da experiência.
Na maior cooperativa de cafeicultores do mundo, a Cooxupé, que reúne 15,8 mil cooperados do sul de Minas e do interior de São Paulo, três associados mineiros realizam a experiência. Mário Ferraz de Araújo, gerente de desenvolvimento técnico da cooperativa, projeta que o mapeamento magnético permitirá ao produtor fazer a dosagem correta de fertilização e uma aplicação de herbicidas de acordo com a necessidade real de cada área plantada.
Segundo Araújo, atualmente o custo total de produção de cada hectare (ha) plantado de café da variedade arábica está entre R$ 8,5 mil e R$ 10 mil. Desse total, por volta de R$ 4 mil são gastos com fertilizantes e corretivos do solo. “Um uso mais racional de insumos tem potencial de melhorar significativamente o resultado financeiro da produção”, destaca. “Em um ano bom, 1 hectare gera por volta de 30 sacas de café e um faturamento na casa de R$ 15 mil. Em um ano ruim, R$ 10 mil. Fertilizantes e adubos levam 40% do faturamento do produtor”, analisa.
A caracterização mineral do solo reduz a quantidade das análises granulométrica, que indica os teores de areia, argila e silte (fragmento mineral com tamanho intermediário entre areia e argila), e química, que determina a acidez e a disponibilidade de nutrientes. “O mapeamento do solo permite definir quais áreas são heterogêneas e selecionar onde fazer a coleta para a análise química, reduzindo o número de coletas”, diz o engenheiro-agrônomo Alberto Vasconcellos Inda, coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciência do Solo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Outro ganho é a qualificação da investigação química e física, permitindo a prescrição precisa dos nutrientes necessários na fertilização da área que receberá o plantio. “Quanto melhor a qualidade da informação, menor o risco do uso inadequado de insumos. A utilização excessiva de nutrientes na lavoura, como o nitrogênio, pode contaminar o lençol freático e os mananciais de superfície”, diz o agrônomo.
Os estudos de caracterização do solo datam do fim do século XIX. A técnica mais conceituada, a difração de raios X (DRX), rendeu ao físico alemão Max von Laue (1879-1960) o Prêmio Nobel de Física de 1914. O grau de precisão do DRX é de 95%, o que os mineralogistas classificam como padrão ouro. Outros métodos empregados na caracterização são a espectroscopia de Mössbauer, que utiliza a radiação gama, e as análises termodiferencial (ATD) e termogravimétrica (ATG).
Essas quatro técnicas apresentam resultados superiores a 85%. Todas elas, porém, têm três problemas em comum: são caras, demandam tempo e exigem profissionais altamente qualificados na operação dos equipamentos. Segundo Alberto Inda, esses problemas dificultaram a ampla utilização dessas tecnologias na agricultura tropical e subtropical.
Cada teste de difração de raios X analisa apenas um mineral por um custo médio de R$ 300, segundo levantamento mercadológico feito pela Quanticum. Uma amostra de solo típica do Brasil contém mais de 10 minerais que, mesmo em pequenas quantidades, impactam o potencial agronômico da terra. Considerando as metodologias tradicionais, de acordo com Siqueira, são necessários mais de R$ 2 mil para elaboração de um laudo que mostre os tipos e as quantidades de minerais em um único ponto amostral. O inventário de uma área agrícola de mil ha, coletando-se uma amostra de solo por hectare, não sai por menos de R$ 2 milhões.
A Quanticum realiza a leitura dos minerais por meio de sensores de medição de susceptibilidade magnética, os susceptibilímetros. Uma única leitura verifica os principais minerais presentes na amostra. O custo do laudo técnico varia de R$ 5 a R$ 30 por ha, dependendo do nível de detalhe e de outras informações, como a recomendação de fontes de adubo. “Em relação às técnicas consideradas padrão ouro, o resultado obtido tem precisão 15% a 20% menor, mas custo bem mais acessível ao agricultor”, afirma Diego Siqueira.
O ideal é que o mapeamento magnético seja repetido nos anos seguintes, mas sempre com uma quantidade de amostra menor – por volta de 40% menos. Depois desse acompanhamento inicial, a indicação é fazer uma análise pontual, com a coleta de uma amostra de terra direcionada a atender alguma situação específica, como uma área de plantio que vai receber um novo cultivar ou um talhão que sofreu forte compactação.
A Usina São Martinho, uma das maiores produtoras e processadoras de cana-de-açúcar do mundo, foi a pioneira no uso da técnica no manejo da lavoura canavieira, já tendo mapeado todos os 80 mil ha de sua unidade em Pradópolis, no interior paulista. O trabalho foi desenvolvido por uma equipe de funcionários que foram graduandos ou pós-graduandos na FCAV-Unesp de Jaboticabal e integravam o grupo de pesquisa CSME.
Para o gerente agrícola da usina, Luís Gustavo Teixeira, o mapeamento magnético permite conhecer o solo em detalhes e fazer um manejo ainda mais eficiente e um uso ainda mais racional dos insumos, contribuindo para os ganhos de produtividade e a sustentabilidade ambiental da operação. A caracterização do solo obtido com o mapa magnético é usada não apenas para determinar as características do solo. A técnica tem ajudado a São Martinho a identificar as áreas da lavoura de cana com diferentes potenciais de compactação e assim orientar o manejo desses talhões.
Teixeira explica que os solos podem ser compactados tanto por fontes naturais, como o impacto das gotas de chuva, quanto pela ação do homem no ambiente, como o tráfego de máquinas agrícolas. A compactação dificulta o desenvolvimento das plantas, reduzindo o potencial produtivo da área. Por isso, é necessário realizar de tempos em tempos a operação de descompactação, com equipamentos subsoladores, que geralmente trabalham em uma profundidade fixa. A leitura magnética auxilia na identificação da profundidade da camada compactada. “A informação precisa gera ganhos em eficiência, com redução de custos operacionais, em combustíveis por exemplo, e uma melhor conservação do solo”, relata o gerente da São Martinho.
José Marques Júnior cita dados da agência da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) para lembrar que o impacto econômico causado por manejo inadequado do solo apresenta um custo anual de US$ 70 por pessoa no mundo. Um valor que poderia, em sua análise, ser substancialmente reduzido com um conhecimento detalhado das áreas agrícolas.
A FAO também estima que a produção de alimentos no mundo terá que aumentar em 70% para alimentar de forma adequada uma população estimada em quase 9,8 bilhões de pessoas em 2050. O Brasil deverá ser responsável por 40% do aumento da produção, segundo a FAO. Para Marques Júnior, o país pode atingir essa meta sem a abertura de novas fronteiras agrícolas na Amazônia, no Pantanal ou na Mata Atlântica. “Hoje temos mais de 100 milhões de hectares que já foram ocupados e depois abandonados por falta de conhecimento adequado do solo”, destaca.
Fonte: Revista FAPESP
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