As especulações em desfile
Um leitor atento e – mais que isso – um ator antenado no debate sobre os destinos da Suframa, portanto, do modelo Zona Franca de Manaus, na Coluna Follow Up desta quinta-feira, encaminhou um depoimento que merece reflexão. Sem licença para declinar-lhe o nome, este espaço compartilha com os interessados o teor da ponderação: “Trata-se de um contundente e corajoso artigo. Talvez fosse adequado redistribuir para todos os órgãos de imprensa e, quem sabe, ser publicado em Brasília”. A propósito, prossegue o comentário, sobre este mesmo assunto, exatamente há um ano, as entidades empresariais foram convidadas – e aceitaram – conduzir um estudo visando o aperfeiçoamento da ZFM, cujos resultados deveriam propiciar medidas federais vinculadas a prorrogação. O comentarista se refere a um conjunto de reflexões, resultantes de uma missão do Ministério de Desenvolvimento a Manaus para debater as questões do Centro de Biotecnologia da Amazônia, e as premissas da discussão que deveria anteceder aos preparativos da prorrogação da Zona Franca de Manaus. “Foi dito – e está escrito no termo de referência aprovado pelas entidades e pelo MDIC – que os ministérios afetos ao tema não estavam acordes na prorrogação sem um processo de ajuste da ZFM á economia nacional. Pois bem, nada avançou nesse sentido e a prorrogação foi feita por mera ação política. “E o resultado é este. Foi prorrogada à revelia do que pensavam os ministérios técnicos e, por isso, (vejam, é uma mera suposição) o esvaziamento vai continuar – do modelo e da Suframa.”
A cratera é mais funda
Esta Coluna se permite acolher a pertinência de alguns argumentos e adicionar alguns outros que podem iluminar os roteiros de compreensão deste imbróglio. Preliminarmente, mais d que o poder de um ou dois burocratas, que se acham mais reais que a realeza, o desenlace da Zona Franca de Manaus é o desfecho de um processo com raízes mais históricas e mais locais. As experiências, deste constrangedor esvaziamento da Suframa é, acima de tudo uma responsabilidade nativa, a despeito da efetiva retaliação de burocratas empedernidos, que acendem uma vela à “salvação” do modelo e outra às premissas de sua depreciação. O ridículo descaso com o Centro de Biotecnologia da Amazônia tem razões mais prosaicas e resultam de fatores extras-institucionais e republicanos. A Suframa agoniza do mesmo jeito que agoniza este padrão de governança que prioriza o cosmético em detrimento do fitoterápico no sentido de priorizar a diferença entre ser e parecer. Com estudos ou sem estudos, tudo era absolutamente previsível a partir das premissas de gestão adotadas. É bem verdade que a falta de estudos é uma deficiência inaceitável destes 48 anos de isenção fiscal sem indicadores confiáveis de desempenho. Não são os vetos da burocracia oportunista a base da anulação institucional da Suframa. Este foi um processo que a euforia inconsequente com a safra ilusória nos subtraiu a percepção de sua inconsistência.
Dom Quixote tropical
Nesse contexto de anomia, os estudos sobre os embaraços e descaminhos do modelo não iriam solucionar o problema, portanto, o responsável sobre o estrago da autarquia não o descaso com o estudo pontual destinado a “inserir o modelo ZFM no sumário de uma política industrial do Brasil.” Isso não existe. E não é por culpa da Zona Franca de Manaus. Seus investidores, a rigor, tem feito sua parte e topam debater o questionamento sobre eventuais descuidos. Quem não topa debater modelos ineficazes de gestão é quem se apropria – com a omissão dos burocratas – dos recursos que se originam do trabalho de construção do modelo para gerar a diversificação e regionalização de seus resultados. O mais grave é a omissão geral em torno das anomalias de praxe, como o embargo de gaveta do PPB. Esta irresponsabilidade (ou má-fé?) não é um fato isolado, é apenas mais um sintoma da patologia constitucional. E cá prá nós, é cansativo esse ativismo inútil que deixaria Dom Quixote empolgado na expectativa de sucesso na luta contra os ventos.
O destino em nossas mãos
Mais do que nunca, é oportuno retomar o brado do empresário Jaime Benchimol, num dscurso pronunciado há três anos, que ainda ressoa para sacudir a acomodação reinante: “Penso que é hora de tomarmos o nosso destino em nossas próprias mãos…Hoje já temos orçamentos bilionários (o estado do Amazonas arrecada US$2.000 per capita, valor equivalente a arrecadação per capita do estado Califórnia, um dos mais ricos dos EUA) e se gerirmos esses recursos com eficiência, podemos assumir o nosso destino, preservando a ZFM, mas ao mesmo tempo criando alternativas econômicas convergentes com as nossas vocações estratégicas. Embora já tenhamos feito algum progresso em áreas promissoras, há ainda muito mais a fazer nos setores econômicos que relaciono resumidamente a seguir: Na área de mineração além de óleo e gás temos grande potencial em potássio, calcário, ouro e muitos outros minérios. Há desafios e grandes oportunidades na indústria naval, na piscicultura, em essências e fragrâncias, na biogenética para produção de fármacos e fitoterápicos. Nas culturas como pimenta, cupuaçu, abacaxi, mamão, que são apropriadas e adaptadas ao nosso clima e ecossistema, produzimos as variedades mais saborosas que conheço.
Logística essencial
Precisamos com urgência de portos modernos tanto para carga como para passageiros, e tanto em Manaus quanto nos municípios do interior, que nos permitam desabrochar o pleno potencial de transporte da região. Atualmente, por exemplo, apenas no município de Manaus é possível manusear containers com alguma eficiência. Ha ainda oportunidade na indústria de Call centers e telesserviços que empregam no Brasil mais de um milhão de pessoas em telemarketing, pesquisas de mercado, serviços de cobrança, monitoramento remoto de segurança etc. para aos quais a distância amazônica pode ser superada a baixo custo com as tecnologias atuais. Gostaria, porém, de enfatizar as oportunidades de agregação de valor na indústria do turismo. Precisamos de mais do que o Teatro Amazonas, o Encontro das Águas e o Boi-Bumbá. Já que – acertadamente – abrimos mão de usar boa parte dos recursos da nossa natureza, devemos buscar exibi-los através de museus que façam justiça a nossa riqueza nas áreas de ciências naturais e de cultura indígena. Precisamos de jardim botânico, aquário, orquidário, zoológico, parques ecológicos com teleféricos para visualização da vegetação e dos animais nas copas das árvores etc. Podemos ainda atrair eventos nacionais e internacionais de pesca, remo, canoagem, motonáutica, esqui aquático, ciclismo, rallyes e corridas off-road, triátlon, rapel, tirolesa, safaris fotográficos de animais, de pássaros, de insetos, de flores e de plantas. As iniciativas nesse sentido do INPA, MUSA e CIGS são esforços louváveis na direção certa, mas são ainda tímidos, diante do profissionalismo com que essas atividades são tratadas no mundo atual. Apenas como exemplo, visitei recentemente em Cingapura (mesma latitude do Amazonas e vegetação muito similar) o maior, mais sofisticado e espetacular Jardim Botânico que eu conheço. Um investimento de US$800 milhões capaz de atrair turistas e obrigá-los a estender em pelo menos um dia a visita aquele país.
Virtudes do Capitalismo
Essas indústrias podem – em uma ou duas décadas – diversificar a nossa base econômica e dar novo e sustentável ímpeto ao nosso crescimento, livre das atuais dependências da união e em harmonia com as nossas mais verdadeiras vocações. Temos, ao mesmo tempo, que nos reconciliar com as virtudes do capitalismo, da empresa privada, da livre iniciativa e da liberdade de escolha. Essas instituições formam o dínamo que impulsiona a inovação, a competição e o crescimento econômico. É necessário aproveitar nossos melhores anos de arrecadação, de entusiasmo empresarial e de interesse mundial para com o Brasil e com a Amazônia para conquistarmos a autonomia sobre o nosso futuro.”
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