O Estudo de Componente Indígena (ECI) é um instrumento fundamental para garantia de direitos
Por Ana Cíntia Guazelli
Quando se fala em grandes obras de infraestrutura na Amazônia – como é o caso da repavimentação e recuperação do trecho do meio da BR-319 (que liga Manaus a Porto Velho), o licenciamento ambiental ainda figura como protagonista nesse processo. O Estudo de Componente Indígena (ECI) compõe uma das etapas do licenciamento da rodovia e se caracteriza como o instrumento fundamental para garantir os direitos dos povos indígenas impactados pela obra.
O grande problema é que esses estudos precisam ser devidamente aprovados pelos seus principais interessados, que são exatamente os povos indígenas. E ainda falta esforço para que os documentos estejam acessíveis a essas populações.
A Portaria Interministerial 060/2015, assinada pela então ministra do Meio Ambiente Isabella Teixeira, estabelece procedimentos administrativos nos processos de licenciamento ambiental de competência do IBAMA. Dentre esses procedimentos, os prazos estabelecidos para manifestação dos órgãos e entidades envolvidos no licenciamento são de até noventa dias, no caso de EIA/RIMA e ECI. Com a apresentação dos documentos registrada em agosto desse ano, o tempo se torna cada vez mais escasso.
Raimundo Parintintin, coordenador da Organização do Povo Indígena Parintintin do Amazonas (OPIPAM), aguarda a manifestação técnica da FUNAI para então mobilizar os Parintintin para a consulta presencial, na Terra Indígena Nove de Julho, em Humaitá.
“Se o conteúdo do estudo está certo ou não; se estamos de acordo ou não, vamos decidir em uma reunião final com a FUNAI, demais órgãos públicos e consultores que construíram o documento. Vamos ler passo a passo o estudo, em uma oficina grande, que reunirá todos os Parintintin em nossa terra e aí é que vamos aprovar, ou não, esse estudo”, garantiu.
Outra grave falha no processo é o perímetro considerado para o ECI, estabelecido em apenas 40 km de distância do eixo da rodovia. Essa diretriz exclui populações inteiras e coloca em risco o modo de vida e tradições de várias comunidades locais
Para o antropólogo e indigenista Bruno Caporrino, limitar os impactos a apenas 40 km do empreendimento é problemático. “As conectividades ecossistêmicas transcendem essa distância estipulada: os transmissores de doenças como malária, leishmaniose, por exemplo, não têm como respeitar essas imposições, assim como animais silvestres e suas relações ecossistêmicas”, garantiu.
Marcela Menezes, assessora do Programa Povos Indígenas, do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), concorda que a aplicação dos 40km previstos na Portaria não dá conta das complexidades da região, nem contempla todas as comunidades que são impactadas. A mesma portaria também prevê a possibilidade de revisão desses limites estabelecidos, entretanto teria que ter aprovação do empreendedor: é um fator limitante para a identificação dos impactos do empreendimento”, assegurou.
Atualmente apenas três grupos étnicos foram contemplados no estudo, os Parintintin, localizados na Terra Indígena (TI) Nove de Janeiro; os Mura, das TI Lago Capanã e Ariramba; e os Apurinã, das TI Apurinã, Igarapé São João e Igarapé Tauamirim
Além de aumentar o perímetro considerado no Estudo, os pesquisadores envolvidos recomendam melhorias no acesso das populações a esses estudos. “Protocolar o ECI não basta para assegurar que todos os direitos desses povos. É fundamental que o Estado e o DNIT forneçam condições materiais e logísticas para que esses povos reúnam-se e possam ler, compreender e debater esses documentos antes das audiências públicas”, recomenda Caporrino. Vale também destacar que o ECI não substitui a obrigação da realização das consultas livres, prévias e informadas as populações indígenas e comunidades tradicionais, direito este garantido pela Convenção 169 da OIT.
Mais informações estão disponíveis no informativo do Observatório da BR-319, que traz ainda outras notícias da área de influência da BR-319, além de um boletim completo com números do desmatamento e focos de calor na região. O informativo está disponível no site oficial do Observatório, no link: www.observatoriobr319.org.br.
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O Observatório BR-319 é formado pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Fundação Amazonas Sustentável (FAS), Fundação Vitória Amazônica (FVA), Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Wildlife Conservation Society (WCS) e o WWF-Brasil.
Fonte: IDESAM
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