Um pequeno aumento do nível do mar pode levar a rápidas alterações da zona costeira. E a resposta dos grupos e sociedades humanas a tais mudanças é imprevisível, apontou estudo publicado no jornal ‘Science Advances’.
Uma das consequências do aquecimento global tem sido o aumento do nível médio do mar. A taxa atual de aumento, sem precedentes nos últimos milênios, é de cerca de 3,6 mm por ano. Ela tem se acelerado nas últimas décadas.
Todavia, ocorre uma grande variação espacial no aumento do nível do mar. Algumas regiões experimentam uma taxa maior de crescimento. Em outras, como, por exemplo, nas proximidades das calotas polares da Groenlândia e da Antártica, o nível cair diminui.
As modificações em curso no nível médio do mar implicam significativas alterações em outros processos e dinâmicas de zonas costeiras ao redor do mundo. Segundo o estudo, também se modificam os níveis extremos do mar, as dinâmicas das marés, as ondas e as tempestades marinhas.
Como as sociedades humanas localizadas nas zonas costeiras responderão ao avanço do nível do mar ainda é um tema de debate científico. Uma forma de compreender melhor os possíveis impactos inclui a pesquisa histórica, de como sociedades responderam ao aumento do nível do mar e à submersão costeira ocorridos no passado.
Mudanças climáticas e ambientais do Holoceno
No início do Holoceno, entre cerca de 11,7 e 8,2 mil anos atrás, o nível do mar estava subindo em taxas maiores do que as registradas atualmente. Devido ao fim da glaciação, as calotas polares da América do Norte e da Escandinávia se desintegraram, fazendo com que o nível do mar se elevasse.
A fim de explorar os impactos do aumento do mar em agrupamentos humanos do período, o estudo investigou o conjunto de ilhas da Sicília, na Itália. Os cientistas reconstruíram o aumento do nível do mar na região a partir da análise de sedimentos marinhos. Informações arqueológicas regionais indicaram a dinâmica populacional em resposta às mudanças na paisagem.
Até cerca de 12 mil anos atrás, devido ao baixo nível do mar, a Sicília era uma única ilha, sem evidência de assentamentos humanos permanentes. À medida que o nível do mar subiu, a massa de terra se dividiu no conjunto de ilhas e tomou a forma atual por volta de 1 mil anos atrás.
Em geral, a Sicília original perdeu entre aproximadamente 16 e 13 km² de área para o mar por milênio durante o Holoceno. Ao mesmo tempo, as áreas entre-marés, que são inundadas durante a maré cheia, se expandiram a uma taxa entre 1 e 5 km² por milênio. Uma pessoa que vivesse 70 anos veria 700 mil m² de terra serem engolidos pelo mar, e outros 350 mil m² passarem a ser inundados na maré cheia.
Entretanto, apesar do crescimento gradual do nível do mar regional, entre 2 e 1 mm por ano, grandes alterações na paisagem se concentraram no meio do Holoceno, entre 5 e 4 mil anos atrás. Nesse período, a expansão da área entre-marés se acelerou três vezes, iniciando uma rápida fragmentação da massa de terra em diferentes ilhas.
Além disso, em termos proporcionais, a perda de terra entre 5 e 40 mil anos atrás foi a maior de todo o Holoceno, sendo que a proporção de áreas entre-marés saltou de 28% para 50% do total. Nesse período, a Sicília abrigava assentamentos humanos permanentes. A cada 10 anos, elas teriam testemunhado cerca de 100 mil m² perdidas para o mar e mais de 50 mil m² de terras convertidas em áreas entre-marés.
A terra era utilizada para pastagem e cultivo em pequena escala. Contudo, de acordo com o estudo, as consequências das rápidas alterações na paisagem não foram unicamente negativas. Elas também criaram áreas pantanosas, nas quais seria possível o estabelecimento de novas práticas de subsistência, como a pesca e a caça.
Os registros arqueológicos mostraram que, no período entre 5 e 4 mil anos atrás, a atividade humana nas ilhas não diminuiu em resposta à rápida mudança da paisagem. Pelo contrário, a presença humana se intensificou.
O ponto de vista contemporânea muitas vezes sucumbe à crença de que o clima determina o destino humano. O exemplo da Sicília trouxe evidência de que as sociedades se adaptam, dando respostas culturais a desafios ambientais, bem como transformando o ambiente em que vivem.
Não há determinismo. A resposta humana às mudanças está aberta ao futuro – é imprevisível.
Fonte: Ciência e Clima
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