A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) agiu de forma correta ao determinar a interrupção dos testes clínicos da vacina CoronaVac após a morte de um participante dos estudos. Agora, porém, a autarquia precisa liberar rapidamente o retorno dos estudos com o imunizante desenvolvido pela farmacêutica chinesa Sinovac.
A opinião é consenso entre dois ex-presidentes da Anvisa consultados pela BBC News Brasil: os médicos Gonzalo Vecina e William Dib.
Os testes com a vacina CoronaVac foram interrompidos nesta segunda-feira (9/11), depois da comunicação de que um dos participantes dos testes clínicos foi encontrado morto em São Paulo, no fim de outubro. O voluntário, no entanto, teria cometido suicídio, de acordo com um boletim de ocorrência da Polícia Civil paulista. A morte, portanto, não teria qualquer relação com a vacina.
Ouvidos separadamente pela BBC News Brasil, os dois ex-presidentes da Anvisa disseram que a agência precisa liberar logo a volta dos estudos — especialmente se já há laudos de médicos legistas confirmando que a morte do voluntário de 32 anos se deu por suicídio.
No Brasil, os estudos da CoronaVac são realizados em conjunto pela Sinovac e o Instituto Butantan, um centro de pesquisas ligado ao governo do Estado de São Paulo.
William Dib é médico pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e presidiu a Anvisa em 2018 e 2019. Já Gonzalo Vecina Neto é hoje professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Presidiu a Anvisa à época da fundação da agência reguladora, de 1999 a 2003.
Os dois também criticaram a fala do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre o caso. Nesta terça-feira (10/11), o mandatário comemorou a interrupção dos testes clínicos da CoronaVac. Bolsonaro foi “desrespeitoso” e “politizou” o caso, na opinião dos médicos.
“Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o (governador de São Paulo, João) Doria queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, disse o presidente, respondendo a um apoiador que lhe perguntou sobre o assunto no Facebook.
Nesta terça-feira (10/11), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, deu prazo de 48 horas para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) explicar em qual estágio dos testes está o imunizante desenvolvido pela Sinovac e o Instituto Butantan.
Dib: Comemoração de Bolsonaro mostra politização do processo
“A Anvisa, os servidores da Anvisa, não tenho dúvidas de que estão fazendo seu trabalho de forma técnica. E a decisão está bem justificada. O que ela não pode é ficar se delongando para tomar, ou não, a decisão de retorno da pesquisa”, disse William Dib à BBC News Brasil.
“A prova da politização é a comemoração do presidente, né? O presidente, ao comemorar uma morte e um atraso no processo, mostra que a questão (em torno da vacina) está politizada faz tempo”, disse ele.
“A justificativa de que teve um problema no sistema de informática não é uma coisa que dá para ser contestada. Não dá para a gente falar que teve ou não teve”, disse Dib.
Na tarde desta terça, dirigentes da Anvisa disseram que um ataque hacker na semana passada impediu a agência de tomar conhecimento sobre sobre a morte do voluntário antes — mais cedo, o Instituto Butantan disse ter comunicado a agência sobre a morte no dia 6 de novembro. O voluntário foi encontrado morto no fim de outubro.
“Agora, isso não quer dizer que (a interrupção) vá atrasar em meses (o desenvolvimento da vacina). Vai atrasar em um ou dois dias. Agora, tem que tomar a decisão (de retomar os estudos) o mais rápido possível. Até para mostrar que não há esse processo de politização quando se trata coisas técnicas, coisas científicas. A ciência tem que estar acima de ideologias partidárias, de vontades políticas”, disse Dib.
“Nós estamos falando de vidas no planeta Terra, não é só no Brasil. Quando se suspende a questão aqui no Brasil, o mundo fica em alerta em relação a essa pesquisa”, disse ele.
Vecina: teste deveria ser retomado o mais rápido possível
“A pesquisa de uma vacina é muito complexa, porque vacina é um remédio que a gente dá para quem não está doente. Vacina a gente dá para quem está são. Então vacina não pode ter risco algum”, disse o médico Gonzalo Vecina Neto.
“E aí morre um sujeito (o voluntário). A primeira providência é parar tudo. Porque morreu alguém que tomou a vacina. (A princípio) eu não sei do que ele morreu. ‘Ah, ele se matou’. Vamos ver. Precisamos saber se ele morreu com o tóxico que estava ao lado dele, no chão. Tem que tomar este cuidado.”
“Se eu estivesse na Anvisa, provavelmente faria isto também. Para tudo. Até quando? Até o Instituto Médico-Legal (IML) me comunicar do que ele morreu e eu ter a certeza de que ele faleceu não em decorrência da vacina, e sim porque se suicidou”, opinou Vecina à BBC News Brasil.
“Vacina não tem nenhum componente que leve à depressão. Então, dificilmente se suicidou por causa da vacina.”
“Espero que, assim que o Butantan receba a documentação do IML, mande essa documentação lá para Brasília e a Anvisa e o Comitê Externo aprovem a continuidade da vacina”, disse Gonzalo Vecina Neto em entrevista à BBC News Brasil.
“Agora, tem que andar rápido para liberar a continuidade da pesquisa”, disse ele.
Questionado sobre qual seria o prazo razoável para retomar o teste clínico, Vecina foi enfático.
“Amanhã (quarta, 11/11)”, disse.
“Está bem explicado que o voluntário não morreu por causa da vacina. Agora, falta receber as informações completas do Butantan para liberar a continuidade da pesquisa”, disse ele, que é professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
“No meio disso, nós temos uma pressa para ter vacina. E temos um presidente desrespeitoso com a mortalidade que já tivemos (provocada pela Covid-19), desrespeitoso com o sujeito que se ofereceu para fazer parte dessa pesquisa, que faleceu; desrespeitoso com uma instituição como o Instituto Butantan, que tem mais de 100 anos existência”, criticou ele.
Fonte: BBC News
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