“Em que porta da Justiça devemos bater para assegurar a aplicação dos US$ 200 milhões anuais, pagos pela indústria, para descentralizar e regionalizar o desenvolvimento do Amazonas e da Amazônia?”
——Por Alfredo Lopes (*) ——
O fato é que o Amazonas coleciona, nos últimos anos, uma série de pirotecnias do desenvolvimento e, a cada ano e gestão governamental que passam, mergulha no imobilismo de inovação do setor primário. Terceiro Ciclo, Zona Franca Verde, Plano Safra, Matrizes Econômicas e Ambientais etc etc… E o que restou depois de tanta gastança? Com pontuais exceções no sul do Estado, em Rio Preto da Eva e Itacoatiara, os demais municípios vivem fortemente dependentes dos fundos federais e estaduais para fazer funcionar a máquina pública.
Enquanto isso, além do desempenho arrojado do Pará, temos na vizinha Rondônia um frisson empreendedor que torna esse Estado a maior população de milionários do Brasil proporcionalmente ao número de seus habitantes. Por que não seguimos esses paradigmas de inovação da economia que incluem ainda os Estados do Acre, do Amapá e de Roraima? Será que a desculpa do proibicionismo é suficiente para anistiar o imobilismo inaceitável?
E os paranaenses chegaram…
Atraídos pelos projetos de colonização do Incra, que remetem a 1975, quando foi entregue a BR-319, e sua conexão com a Transamazônica, os colonos paranaenses trouxeram seu know-how agrícola. É bem verdade que sobraram atropelos ambientais, mas não faltaram recursos para corrigi-los. Em pouco tempo, Rondônia expandiu sua pecuária na direção da piscicultura e do agronegócio sustentável.
A pecuária utiliza os resíduos da piscicultura para a dieta bovina, enquanto a criação de peixes consolidou a produção em larga escala de tambaqui, pirarucu e matrinxã, os campeões da gastronomia amazônica, e suas proteínas deliciosas. De quebra, aí se produz um café de primeira linha, e uma cadeia produtiva de chocolate e cupulate, o chocolate do cupuaçu. Vale dizer que, graças à Embrapa, o cupuaçu tratou de superar sua condição extrativa para um patamar de cultura extensiva, uma trilha a ser seguida por inúmeras espécies de alto teor econômico e de sabor regional.
Do extrativismo à inovação
Eis por que o extrativismo precisa ser revisitado no conjunto desses acertos. No caso do Amazonas, este é um fio de novelo promissor, a indústria de bebidas não alcoólicas, por exemplo, desenvolveu o extrativismo sustentável do açaí em alguns municípios do interior. As empresas evoluem da produção de refrigerantes para bebidas funcionais à base da fruticultura regional. Aí as taxas de retorno podem não ser tão sedutoras por enquanto, mas antecipam as vantagens da higidez e da sustentabilidade socioambiental. De quebra, a certeza de um mercado que tem expansão ilimitada, sobretudo se o extrativismo é impulsionado pela propagação geneticamente monitorada da espécie. Aí teríamos, e teremos, com certeza, um cenário de inovação tecnológica do extrativismo racional e amazônico.
Cogumelos, a base nutricional
Em outras palavras, inspirados nas experiências vitoriosas dos Estados vizinhos, podemos regionalizar a economia do Polo Industrial de Manaus, investindo em produção de alimentos funcionais. A Humanidade está ávida pelos nutrientes tropicais, que agregam propriedades nutritivas, e pela saborosa gastronomia amazônica, tendo por base, por exemplo, a produção artesanal e orgânica dos cogumelos. Essa dieta se fazia presente nos cardápios indígenas há 10 mil anos. Entretanto, sob vários argumentos, os produtos da diversidade seguem esperando a burocracia da Anvisa para flexibilizar a liberação desses itens que permitem levar saúde integral para a população de baixa renda.
Cultivo regional
Assim como na Ciência, o conhecimento e a prática agroindustrial não podem estar fragmentados. Por isso, urge integrar com multidisciplinaridade a evolução do extrativismo, a inovação tecnológica da pecuária e o incremento da agroindústria de espécies chamadas de ervas finas, para a culinária, a indústria dermocosmética e a adoção da terapia da fitofarmácia. Não faz sentido, com a desculpa da intocabilidade, importamos produtos da biodiversidade de regiões distantes do Amazonas. E por que a obviedade do cultivo regional não se materializa? Por que esnobamos essas janelas de oportunidades? Por que não fazemos o caminho da indignação popular para assegurar a aplicação das verbas recolhidas pelo Polo Industrial de Manaus para este fim?
Nas barras da Lei
Em que porta da Justiça devemos bater para assegurar a aplicação dos US$ 200 milhões anuais, pagos pela indústria, para descentralizar e regionalizar o desenvolvimento do Amazonas e da Amazônia? Desse ponto de vista, em sendo inevitável a crise que se avizinha, que ele chegue chegando para espantar o baixo astral e a inércia geral. E que nos imponha a obrigação de refazer o plano de voo, resgatando a segurança jurídica do Polo Industrial de Manaus e o pudor, impregnado de honradez para arregaçar as mangas da transformação.
Reforma tributária ou moral?
Nesse contexto, perde o sentido fazer uma Reforma Tributária para a indústria, pois já temos uma política de acertos, que assegura a distribuição cívica de, pelo menos, R$ 1,4 para cada R$ 1,00 da contrapartida fiscal que ampara o programa de desenvolvimento Zona Franca de Manaus, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas. Daí por diante, faltou o dever de casa do poder público, com flexibilidade fundiária, qualificação de recursos humanos na ótica das cadeias produtivas viáveis, retenção regional dos recursos recolhidos pela indústria e utilização de insumos regionais no parque industrial local. Está tudo desenhado e esgotaram-se as desculpas da omissão.
(*) Alfredo é editor-geral do brasilamazoniaagora.com.br
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