Há 25 anos, durante seu último mandato, tomado por dores e indisposição física, com apenas parte de um dos rins funcionando, o ex-senador, governador, deputado federal e prefeito de Manaus, Gilberto Mestrinho, aceitou a ideia de escrever um livro com suas lições, contradições e profecias. Daí ‘Amazônia: terra verde, sonho da humanidade’. Nele, ao longo de inesquecíveis tardes e noites de prosas e debates, com especialistas nas várias áreas de conhecimento e pessoas próximas de seu mundo particular, derramou sua bagagem de vivência a estudos amazônicos. Um delicioso documental dessa trajetória magistral.
Foi, talvez, a experiência mais rica e mais fecunda deste ensaísta, e o registro mais expressivo de uma trajetória que as novas gerações ainda irão conhecer e debater, no bojo da história política e de comprometimentos com o Amazonas, sua evolução, futuro, desafios e conquistas. Hoje, se vivo, Gilberto faria uma reunião de seus amigos e familiares para celebrar – do auge de seus noventa anos – sua terra, algo com que se identificava com “alma coração e vida”, para citar um bordão do célebre Trio Los Panchos, que percorreu as noites tropicais de alegria e lazer de sua geração.
Com Paulo Vanzolin, Crodowaldo Pavan, Manoel Quintas, Bautista Vidal, Marcos Fujihara, Samuel Benchimol, pensadores da questão amazônica, debateu suas teses e as submeteu para reforçar intuições, antes de publicar suas lições e profecias, estimuladas por seu filho adotivo e escudeiro de toda a vida, Paulo Girardi. Eis um trecho dessas prosas preciosas. Nada mais sábio e atual.
“Seguramente, a biodiversidade amazônica guarda a cura para muitas doenças, físicas e ambientais da humanidade, e tais descobertas implicariam naturalmente a geração de empregos. Toda a farmacologia existente usa oficialmente (é impossível controlar o contrabando genético na Amazônia) 10 de seus princípios ativos oriundos de nossa floresta. Estima-se que apenas uma de suas espécies foram
estudadas pela Ciência”.
Gilberto era pós-moderno, acompanhava passo a passo as inversões tecnológicas em que apostava: “A tecnologia cabocla já começa a produzir polímeros biodegradáveis na perspectiva de reduzir a poluição causada pelos efluentes da indústria química e petroquímica. Hoje o fenômeno trágico das inundações nos centros urbanos decorre sobremaneira do entupimento dos canais de escoamento, provocado principalmente pela superproliferação de matérias não-degradáveis”.
E foi atento a nossa vocação de produzir alimentos e ao valor precioso de nossas águas. “Os rios da Amazônia e a imensidão de seus lagos, são a resposta natural, ecologicamente correta, para a produção de proteínas para a humanidade, através da criação extensiva de peixes, algas e seus derivados. São 2.500 espécies conhecidas com capacidade inusitada de geração de alternativas sociais e econômicas, desde a filetagem, curtume de pele e produção de ração animal. Aproveitamos apenas pequena parte dos nutrientes dessas espécies por não dispormos de tecnologias e investidores para gerar benefícios maiores à população”.
E cobrava da União investimento científico e tecnológico, aliado a uma nova postura em relação ao meio ambiente e tendo sempre a meta de beneficiar o homem que habita a Amazônia e, evidentemente, toda a humanidade. “Quando me reporto a essa nova postura com relação à natureza, quero insistir na crítica à economia predatória que tem marcado a relação do homem com o meio ambiente. Essa postura baseou-se na crença equivocada da inesgotabilidade do patrimônio natural. Dela decorreu a contaminação dos rios, a destruição nas florestas, a poluição atmosférica, especialmente nos países que se anteciparam ao modo de produção do capitalismo”.
Gilberto nos deixou em 2009 e com ele levou lições e paradigmas de representação do interesse público e profecias do que devemos fazer na compatibilização amazônica entre economia e ecologia.
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