Num artigo emblemático, de leitura obrigatória, o economista Paulo Roberto Haddad, referência mundial no desafio da redução das desigualdades regionais, traça a radiografia de um País à deriva, sem política econômica, industrial, socioambiental e de ciência e tecnologia e com graves ameaças à Zona Franca de Manaus. A gestão do Brasil, hoje, é apenas “… uma sucessão de decisões ad hoc, casuísticas e descoordenadas sobre os recursos fiscais e financeiros, onde a realocação desses escassos recursos tem sido realizada, frequentemente, segundo a necessidade de cooptação de uma base política…”, escreve Haddad.
O economista tem alertado – no contexto desta gestão marcada pela lógica predatória – sobre os ataques contra a Zona Franca de Manaus, que apenas estão começando e tem insistido no protagonismo do setor produtivo, para fazer valer e ser respeitado o avanço, os acertos e os paradoxos desta economia. Para ele, este protagonismo se impõe porque o Brasil se recusa a olhar e a entender os acertos da ZFM, tanto do ponto de vista da redução das desigualdades regionais, como da geração de valor da proteção florestal, não apenas para o Brasil como para o Planeta, sua saúde e equilíbrio climático.
A visão de futuro e o futuro de nosso netos
Paulo R. Haddad(*)
O Governo Federal vai utilizar recursos dos fundos constitucionais de desenvolvimento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste para financiar o novo programa de crédito estudantil (FIES). A razão da escolha dos Fundos Constitucionais se deve simplesmente ao fato que estavam disponíveis em termos do fluxo de caixa do Tesouro Nacional. Essa decisão significa a fragilização de um instrumento de política econômica, criado na Constituição de 1988, visando a atenuar os desequilíbrios regionais de desenvolvimento no Brasil. Um problema que ainda apresenta elevado nível de gravidade política: o PIB do Estado de São Paulo equivale praticamente à soma do PIB dos nove Estados do Nordeste mais o PIB dos sete Estados da Região Norte mais o PIB dos três Estados da Região Sul.
Gestão desarticulada
Essa e outras decisões do Governo Federal mostram como o modelo de austeridade fiscal expansionista quando concebido sem articulação com um modelo de desenvolvimento sustentável de médio e de longo prazo pode comprometer a eficácia das políticas públicas que cuidam das questões das desigualdades sociais e regionais, da sustentabilidade dos ecossistemas, da competitividade sistêmica da economia. Essas políticas perdem sua prioridade no cotidiano da gestão pública, perdem sua centralidade administrativa, perdem seu status político e perdem sua capacidade de inflexionar os efeitos cumulativos das assimetrias sociais e regionais assim como de inflexionar a degradação dos ativos e dos serviços ambientais. Acabam num envoltório de incertezas quanto aos recursos que efetivamente dispõem e quanto ao poder regulatório que comandam.
Cooptação política
O que o Governo Federal tem apresentado é uma sucessão de decisões ad hoc, casuísticas e descoordenadas sobre os recursos fiscais e financeiros, onde a realocação desses escassos recursos tem sido realizada, frequentemente, segundo a necessidade de cooptação de uma base política propensa a sustentar uma administração cuja legitimidade junto à opinião pública vem se desfazendo no ar.
Eleições 2018
O processo eleitoral de 2018 é uma oportunidade ímpar para a construção de uma visão de futuro da sociedade que queremos para o Brasil. Uma visão de futuro consensualizada entre os segmentos organizados da sociedade civil e negociada com lideranças e partidos políticos que ainda não se submeteram aos interesses velados e aos oportunismos fisiológicos de ocasião.
Lanterna de popa
Não se trata tão somente da produção de um documento a mais com uma sobrecarga de ilusões utópicas e de ideologias ultrapassadas por experiências históricas. O que se deseja é uma visão de futuro que possa servir como lanterna de popa visando a fundamentar as decisões de curto, médio e de longo prazo para os três níveis de governo, para os segmentos empresariais em suas decisões operacionais e estratégicas e que traga esperança para as famílias no planejamento ao longo do seu ciclo de vida, para os jovens estruturarem suas perspectivas profissionais.
Conformismo e insegurança
Não é tarefa simples mobilizar nossa população para conceber e implementar uma visão de futuro para a sociedade brasileira. Mesmo num contexto de crise socioeconômica e de erosão da credibilidade das lideranças políticas, há um ambiente de conformismo e aversão ao risco às mudanças estruturais entre alguns grupos sociais que deveriam ter protagonismo indispensável nessa grande transformação. De um lado, estão os rentistas que desfrutam das condições de vida do conforto moderno graças à crescente acumulação de capital financeiro. Do outro lado, está a massa de beneficiários das políticas sociais compensatórias fragilizada pela pobreza e pelo desalento. Nesse ambiente de conformismo, de curto em curto prazo, estaremos transmitindo como valor de legado aos nossos netos, um país refém de uma armadilha de mediocridades socioeconômicas e socioambientais. Publicado em http://www.otempo.com.br/opinião/paulo-r-haddad/a-construção-de-uma-visão-de-futuro-e-o-futuro-de-nossos-netos-1.1502901
(*) Paulo Roberto Haddad, uma referência de planejamento e gestão deste país que está andando pra trás. Ele tem formação acadêmica internacional em planejamento econômico no Instituto de Estudos Sociais de Haia – Holanda, é professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (1992-1993) do Governo Itamar Franco, ex-secretário da Fazenda e do Planejamento do Estado de Minas Gerais (1979-1982), consultor do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento, do PNUD, da ECLA e de outras organizações públicas e privadas, nacionais e internacionais, presidente da PHORUM Consultoria e Pesquisas em Economia e diretor da AERI – Análise Econômica Regional e Internacional. Publicou diversos livros e artigos em jornais especializados no Brasil e no Exterior, dentre os quais, um dos mais recentes intitula-se ‘Meio Ambiente, Planejamento e Desenvolvimento Sustentável’, lançado em 2015, pela Editora Saraiva. Foi um dos fundadores do Cedeplar/UFMG, tendo sido o seu primeiro diretor. Este Centro criou modelos de desenvolvimento regional no Norte e Nordeste do Brasil, incluindo Pará e Rondônia, entre outros embriões que começam a apresentar seus resultados. Foi também o primeiro secretário-executivo e co-fundador da Anpec, Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia . Consultor qualificado da FIPE, FEA USP, publicou em julho ainda neste mês o e-book, pela Amazon, “Economia Ecológica e Ecologia Integral”, um olhar brasileiro da Encíclica Laudato Si, do Papa Francisco.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected] |
Me pergunto, pra que serve a ZFM no Amazonas? O estado é um dos mais miseráveis do Brasil, o índice de pobreza, principalmente nas zonas mais afastadas da capital, é imoral, fora a corrupção, as oportunidades de empregos são restritas e no interior do estado é gritante a situação e às universidades não são capazes de formar técnicos e engenheiros. E então pra que serve a Zona Franca aqui?