Depois de vivenciar mais de dois anos os sobressaltos na gestão do governo estadual, vivemos a expectativa diária das surpresas na gestão federal. Que foco terá um governo com um bombardeio cotidiano do qual se esquivar, sem respaldo nem foco para levar adiante as reformas de que o país precisa nos esforços de guerra que sua recuperação exige? Por isso, cabe indagar sobre o risco de entrar em ação uma tesoura antiga, ávida e rancorosa, para cortar os incentivos que sustentam a economia da Zona Franca de Manaus, um título não muito elucidativo dos acertos que a renúncia fiscal emprestou a esta região esquecida. Uma coisa é certa. Tanto a Amazônia como a ZFM não constam do ranking das prioridades nacionais neste momento de solavancos institucionais e combate ao combate à corrupção estrutural do Brasil.
Se Donald Trump teve coragem para mandar às favas o Acordo do Clima, aí incluídos seus protagonistas, entre os quais o Brasil, o governo Temer não gastou um só bit no seu Twitter alvejado para dizer qualquer coisa. O clima, os empregos decorrentes do compromisso do reflorestamento, a mão de obra massiva a ser ocupada pelos programas de limpeza da matriz energética, o manejo florestal como fortalecimento e conservação do bioma amazônico atrelada à geração de riqueza e inovação tecnológica, a moda dos napolitanos, diria o porta-voz do Planalto: “me ne frega”. Ou seja, isso agora, pouco importa. E se não importa, e os demais estados vão bem, obrigado, como não cogitar a erupção da tesoura fiscal, sorrateiramente reduzindo as vantagens de aqui investir, produzir e reduzir desigualdades regionais. Este arranjo fiscal é o único que presta contas da renúncia que usufrui. E ninguém tem tantos benefícios a desfilar com essa liberalidade.
Insegurança jurídica
Ainda ressoa entre os empresários, trabalhadores e a opinião pública em geral, a estranheza e a indignação com a remoção surpresa da titular da Suframa, onde um amontoado de acertos descrevia a recuperação da autarquia, depois de seguidos anos de esvaziamento. Que clima desconcertante para acolher o novo titular do órgão Appio Tolentino, que toma posse nesta quarta-feira, se, certamente, ele próprio reconhece, porque aqui vive e trabalha, as mudanças substantivas que estavam em curso. Certamente, também, dado o nível de acertos no contexto de um trabalho em equipe, o novo superintendente dará sequência ao necessário processo de resgate da autonomia do CAS, o Conselho de Administração da Suframa. Entendemos, obviamente, que as mudanças, todas elas, se dão de acordo com critérios políticos. Entretanto, há uma diferença abissal entre o paradigma político e o exercício da fisiologia política, uma distinção definida pelo grau menor ou maior de atendimento ao interesse público. E neste momento, Suframa à parte, o que está em jogo é o próprio modelo de acertos que há 50 anos a ZFM – Zona Franca de Manaus representa. Que segurança jurídica, a propósito, tem este arranjo fiscal de tantos avanços e distorções, inserido nas tábuas constitucionais, sob este critério sombrio que hoje norteia as instituições? Tem, pois, razão, o alerta do ex-ministro da Fazenda e de Planejamento do governo Itamar Franco, Paulo Roberto Haddad, economista e especialista em desenvolvimento regional, com relação às mexidas na política fiscal do Brasil, pressionadas pelos interesses do Sudeste do país, historicamente incomodado com os acertos da economia da Amazônia Ocidental representa. “Eles vão mexer com a ZFM”
Para onde ir?
Como dependemos de canetadas, a mesma que decretou a “lisura” do último pleito presidencial, e manteve Michel Temer na cadeira do poder, temos que avançar na afirmação, na necessidade de adensamento e interiorização deste arranjo fiscal construtivo. Temos que explicitar e levar à opinião pública as razões de manter, expandir, diversificar e regionalizar os benefícios e serviços da ZFM. Apesar dos percalços da recessão econômica, que tem desconstruído acertos, Haddad se refere à necessidade premente de “…espraiar os benefícios do polo industrial através de suas poderosas cadeias produtivas, atuais e potenciais para outras regiões da Amazônia e do Brasil, para remover a ideia pré-concebida de enclave econômico”. Ele chama de excedentes os recursos gerados pelas empresas, transformados em fundos de P&D, Taxas da Suframa, Fundo UEA, Turismo e Interiorização do Desenvolvimento, e das Micro e Pequenas empresas – ora desviado de suas funções – criados com finalidades estratégicas, para dar suporte aos municípios do interior e da Amazônia Ocidental, com baixos índices de desenvolvimento humano, IDH, que a Suframa atendia em forma de convênio.
Economia ecológica
Em seu próximo livro, “Economia ecológica e ecologia integral”, um ebook a ser distribuído pela Amazon, ele desenvolveu o conceito fundamental da Ecologia Integral da Carta do Papa Francisco, Laudato Si, para avaliar as catástrofes e os desastres ecológicos e socioambientais que ameaçam a sobrevivência da Humanidade: a crise hídrica, a mudança climática, as extinções aceleradas da fauna e da flora, entre outros danos. É integral porque não separa o espaço e o tempo na análise dos problemas. E também porque examina simultaneamente a crise ecológica e a crise social da Humanidade, os impactos dos danos ecológicos em termos da distribuição da renda e da riqueza e aponta quem são os principais perdedores.
Lógica franciscana
O professor Haddad considera, portanto, a ecologia, não a economia, na perspectiva integral, uma vez que o ambiente humano e o ambiente natural se deterioram conjuntamente e não se pode combater a degradação ambiental a não ser que se atinjam as causas da degradação social e humana. Para ele, a pesquisa científica e a experiência cotidiana mostram que os efeitos mais graves de todos os ataques ao meio ambiente são sofridos pelos pobres. Nesse contexto, ele recomenda, para a ZFM, fazer uma nova leitura do PIB numa perspectiva de economia integral, para mostrar os acertos de suas escolhas, a preservação do bioma, a prestação de contas de uma renúncia fiscal benfazeja, e a necessidade de seu fortalecimento e interiorização. Valorizar os estoques naturais e seus serviços é o fio da meada desta nova contabilidade socioambiental. Com os excedentes, criam-se como exemplos demonstrativos, diz ele, 10 arranjos produtivos, como proteína da piscicultora, pesquisa & desenvolvimento de arranjos tecnológicos relacionados a indústria, produção de cosméticos, fármacos, alimentos funcionais, fruticultura, entre outros. O que se busca como indicadores mais significativos são os indicadores multifacetados de bem-estar social sustentável os quais, em última instância, procuram mensurar, através de pesquisas subjetivas, o grau de realização pessoal em uma sociedade e a felicidade de sua população. O que há de essencial, na verdade, além disso, considerando os valores e propostas de Francisco, o de Assis e o de Roma?
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected] |
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