Depois de recusar sistematicamente todos os convites para manifestar suas opiniões baseadas em mais de três décadas de ZFM, ele aceitou dar esta entrevista. Como poucos, ele sabe a importância de fazer bem o dever de casa. Ronaldo Mota, um cearense como a maioria de todos nós que aqui vivemos, é diretor-executivo do CIEAM, uma entidade que reúne as empresas do polo industrial de Manaus – incentivadas pela renúncia fiscal. Quando acontece algum problema, as empresas procuram por ele. Um quebrador de castanhas. Ele conhece a memória da aplicação, de eventual confusões e distorções na gestão dos tributos, e reconhece que as desigualdades regionais foram reduzidas mas admite que, em cinquenta anos, “se o Brasil conseguisse entender as potencialidades e especificidades da Amazônia, nós poderíamos ter avançado muito mais.”. Confira a entrevista.
Follow-UP – Quais são os grandes avanços da Zona Franca de Manaus nestes 50 anos?
Ronaldo Mota – Partindo do princípio do abandono federal crônico, dessa dificuldade do Brasil entender e administrar esta região tão rica, acho que avançamos a ponto de mudar o velho padrão de só tratar a região como promessas de futuro, a Zona Franca de Manaus é uma redenção. O modelo desenvolveu principalmente o Amazonas, com o polo industrial, precedido pela febre dos importados da Zona Franca de Manaus. Esta economia se expandiu em forma de geração de riqueza para os estados vizinhos com intercâmbio de oportunidades.
FUP – Quais foram as razões dos entraves?
RM – A Suframa, responsável pela coordenação dessa grande façanha, ironicamente não foi criada como agência de desenvolvimento regional e sim como gestora dos incentivos. Porém, com sua arrecadação própria nos primórdios de sua administração, ela promovia ações de desenvolvimento regional que estão marcadas na paisagem do crescimento socioeconômico da Amazônia Ocidental. Obras de infraestrutura, portos, aeroportos, estações de geração de energia, por toda a Amazônia Ocidental, incluindo os municípios de Macapá e Santana no Amapá. Em toda a região, vale lembrar, uma das prioridades foi a qualificação de recursos humanos, universidades, programas de MBA, mestrado e doutorado. Houve desperdício de recursos, provavelmente, mas os benefícios são visíveis e fizeram a diferença. De quebra, desenvolveu um intercâmbio comercial e empresas de produtos regionais se espalharam por toda a região. Os embaraços se devem a falta de integração das políticas regionais.
FUp – E porque tantas verbas destinadas a pesquisa e desenvolvimento não criaram uma nova indústria de inovação tecnológica na região?
RM – Os recursos de P&D poderiam ser melhor aproveitados. Não distribuiu mais benefícios porque este P&D não foi feito para funcionar, não foi bem planejado, não contou com uma regulação competente. As regras não eram claras sobre o que cabia ou não cabia dentro da aplicação dos recursos de inovação. O controle e o formato legal não tinham clareza de critérios, prioridades e de resultados. Recentemente, num encontro de entidades ligadas ao setor de P&D, sugeri que os órgãos que tratam deste assunto no Estado do Amazonas formulassem um planejamento estratégico de longo prazo para – mediante a clareza do que temos, o que somos e o que queremos – desenharmos formatos de pesquisas e produtos, a respectiva gestão dos negócios e o volume de recursos necessários.
FUP – Qual é o perfil dessa nova economia?
RM – As empresas instaladas na ZFM precisam interagir com essas instituições de pesquisa. Elas vão dizer o que precisam para avançar na inovação de novos produtos a partir de insumos regionais. Uma das obviedades para enfrentar este desafio é integrar esses formatos com a indústria existente. Se o polo industrial de Manaus é quem gera esses recursos este polo precisa ser fortalecido. E como preparar os recursos humanos para isso? Este é o desafio e o convite dos próximos anos. O que não pode é cada um sair atirando pra todo lado.
FUP – Hoje, o PPB é uma camisa de força que trava a ZFM. Como superar esse impasse?
RM – O PPB, processo produtivo básico tem um vício de origem porque foi idealizado num formato em que as empresas diziam ao estado o que pretendiam fazer e de que forma fabricariam determinado produto. Por uma total falta de política industrial no País, acabaram utilizando o PPB como instrumento a partir da ZFM e depois extrapolando para os bens de informática. Ou seja, deixaram o estado promover reserva de mercado. Daí, a tentação de proteger seus apadrinhados é um passo. O PPB substituiu o índice de nacionalização para proteger a indústria nacional. Toda vez que o estado interfere diretamente no mercado são inevitáveis essas distorções. Nunca é demais lembrar que na ZFM apenas 5 produtos estão proibidos: armas e munições, veículos de passeio, fumo e seus derivados, bebidas alcoólicas e perfumes. O mercado é quem deve orientar a definição e as escolhas dos produtos mais adequados para a região.
FUP – Por que o Amazonas, que tem sua capital entre as 6 economias do Brasil, tem mais de 10 municípios entre os piores IDH’s do Brasil?
RM – Esta é uma questão complicada e delicada. Não podemos dar explicações superficiais para ela. Há recursos, mas eles não são distribuídos com inteligência. Ou por outra. A lei permite ou induz a essas distorções. A começar pelas confusões entre impostos e contribuições. As contribuições não são repartidas com os municípios, e os impostos são mal administrados. Existem os conselhos que deveriam ajudar a gerir esses recursos, mas eles têm várias deficiências e distorções. Por isso, precisam ter sua função redefinida, esclarecendo o papel dos conselheiros privados, e corrigir os vícios das agências de controle. De quebra, a burocracia, em lugar de incentivar a produção de riqueza, de maneira insana, contribui para sua penalização. Os empresários precisam ser olhados como parceiros não como adversários ou agentes da ilegalidade. Temos que trabalhar juntos, nos ajudarmos, para que este modelo, de tantos acertos, possa ampliar seus benefícios e reduzir as desigualdades regionais deste país continental.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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