Atentos aos apelos de novos negócios para o polo industrial de Manaus, cientistas e empresários se unem para adensar e diversificar a economia regional na direção da bioeconomia. Publicamos, na edição de hoje, a entrevista com PAULO BENEVID ES(*), doutor em química de bioprodutos, presidente da ABITA, uma associação que aponta os novos caminhos para o desenvolvimento regional, integrado e sustentável da Amazônia. A iniciativa reúne empresários, cientistas, setor público e profissionais liberais que trocaram o discurso das potencialidades naturais pela materialização das oportunidades da bioeconomia. Todos se cansaram de esperar um CNPJ para o Centro de Biotecnologia da Amazônia, mas pretendem interagir com essa instituição quando ela for transformada em organização social e passar a ter vida própria. Confira.
- FOLLOW-UP – Temos um CNPJ para trabalhar em Bioeconomia. O mês de março de 2017 será marcado por duas datas significativas no que diz respeito aos rumos da Bioeconomia da Amazônia. Mais de 1000 pessoas assinaram um abaixo-assinado, pedindo ao governo federal, através de 3 ministérios – Desenvolvimento, Industria e Comércio; Planejamento e Ciência&Tecnologia, a transformação do Centro de Biotecnologia da Amazônia – CBA, em Organização Social – OS, por meio de um CNPJ e não consta qualquer resposta para a reivindicação, que dura 15 anos. Em março, também, a ABITA – pronuncia-se Ábita – Associação de Bioeconomia e Inovação Tecnológica da Amazônia, foi formalmente estabelecida, com CNPJ e tudo, numa composição formada por cientistas, empresários, profissionais liberais e dirigentes de entidades de classe ligadas a indústria, agricultura, comércio e serviços, com os mesmos propósitos de alavancar negócios e oportunidades na região onde viceja mais de 20% da biodiversidade do planeta, na maior floresta tropical do mundo. Isso significa que o setor público do Brasil não consegue administrar este patrimônio monumental amazônico transformando-o em prosperidade social?
PAULO BENEVIDES – Eu acredito que devemos distinguir bem a função do Estado e da iniciativa privada (seja com ou sem fins lucrativos), para mim somente a iniciativa privada tem competência, agilidade administrativa, flexibilidade orçamentária e interesse fim para explorar o todo deste potencial da biodiversidade de nossa floresta na forma de produtos e serviços para a sociedade. Cabe a estes setores, ao meu ver, elaborar planos de negócios, prospectar mercados internos e externos, investir em inovações e prototipagem de produtos com as matérias primas da floresta. Ao Estado talvez caiba a pesquisa e prospecção básica (como realizada pelas diversas instituições de Ciência &Tecnologia na Amazônia), o apoio a pequenos empreendedores, os incentivos através da desburocratização, da melhoria na infraestrutura e outros mecanismos fiscais que possam tornar atraentes o investimento na região. A meu ver o principal problema na Amazônia é não existir um diálogo e uma articulação com foco e objetivos comuns entre estes setores (as instituições governamentais e públicas, a indústria e as organizações sociais). O caso do CNPJ do CBA que se arrasta a 15 anos é um exemplo típico disso. Como é muito difícil fazer com que o governo e as instituições públicas sejam movidos de seus modus operandi, cientistas e empresários da Amazônia, ao invés de ficarem reclamando da falta de incentivos do governo, resolveram juntar forças para investir em inovação utilizando as cadeias de insumos da biodiversidade Amazônica e buscar o mercado global ávidos pelas propriedades de que dispomos.
- FUP – Quais são as grandes linhas/propostas de trabalho da ABITA e que mecanismos/recursos serão mobilizados para sua realização?
PB – A ABITA nasceu com um objetivo estratégico claro de “apoio à bioeconomia sustentável e inovação tecnológica a partir da biodiversidade Amazônica”. Pretendemos atuar em três grandes linhas gerais: a primeira é mobilizar recursos públicos e privados para o desenvolvimento de bioprodutos, biomateriais e bioprocessos para indústria utilizando insumos amazônicos; a segunda seria promover o suporte à indústria de micro, pequenos e médios empreendimentos no sentido de melhorar e qualificar seus bioprodutos e biomateriais através de convênios com instituições privadas e do terceiro setor; a terceira é captar recursos e financiamentos voltados para a construção de sistemas socioambientais produtivos e sustentáveis. A ABITA possui, em seu quadro de sócios, especialistas desde química, bioquímica e biotecnologia até biologia, agronomia, engenharia florestal e tecnologias sociais, além de empresários do setor produtivo regional. São competência capazes de formular propostas, projetos e editais para começarmos a cobrir este gap de inteligência aplicada efetivamente no desenvolvimento de soluções para exploração racional e sustentável do potencial tão divulgado de nossa grande floresta amazônica.
- FUP – O CBA já descobriu – em sua trajetória de 15 anos de tentativas de estabelecimento – alguns ativos que o mercado demanda para tratamento de câncer, tuberculose, malária, diabetes, obesidade… Quais as principais dificuldades para um bioempreendimento amazônico chegar ao mercado?
PB – Esta é uma questão para a qual existem muitas opiniões (algumas conflitantes…) mas a meu ver, que atuo neste ambiente amazônico desde 2001, são dois os principais motivos: primeiro a falta de interesse e de investimento privado em inovação de produtos utilizando recursos da floresta; e segundo a inexistência de uma política pública de incentivos e estímulo ao uso de insumos da biodiversidade regional. Acrescenta-se a isto as “desculpas” e reclamações tradicionais quanto às grandes distâncias regionais; a falta de padronização e boas práticas de produção; a infraestrutura precária de transporte (fluvial e terrestre), comunicação e energia; a falta de segurança no abastecimento; as barreiras tarifárias estaduais etc… Digo isto pois temos exemplos claros de que é possível usar os recursos da floresta amazônica de forma rentável e sustentável apesar de todos os problemas regionais como os cases da linha Ekos da Natura responsável por tornar a empresa de cosméticos a maior do Brasil e uma das maiores do mundo, o guaraná de Maués que ganhou o mundo e mais recentemente o açaí que em menos de dez anos se tornou a maior pauta de exportação e produção da Amazônia. Além disso, o contrabando, tendo em vista o desestímulo de uma burocracia excessiva e legislação obtusa, tem levado os insumos de grandes negócios para fora da região.
- FUP – Você é doutor em química de produtos tropicais, além de ter em seu currículo uma bagagem robusta no setor privado. Qual o passo-a-passo para um empreendedor que pretende investir em bioeconomia na Amazônia?
PB – Para as grandes empresas com capital e recursos eu diria que o primeiro passo é investir em uma boa estrutura de gestão de cadeias produtivas na região com política, critérios de negociação e recursos humanos dedicados e independentes. As peculiaridades relacionadas a gestão de recursos da floresta e o relacionamento com as comunidades, cooperativas e associações regionais exigem uma estratégia distinta da gestão de suprimentos tradicional da indústria. Com isto dito eu apontaria a grande oportunidade que estas instituições de grande porte tem em investir no desenvolvimento a médio e longo prazos, de produtos com espécies vegetais e cadeias menos estruturadas, porém com um alto potencial de inovação, contando para isto com as excelentes instituições e pesquisadores das Instituições de C&T regionais (UFAM, INPA, EMBRAPA, IFAM. etc). Para as empresas de pequeno e médio porte minha recomendação é que foquem seus esforços em inovações de formulações, formas de aplicação e formas de uso com produtos utilizando recursos das cadeias já mais bem estabelecidas na região, aproximadamente de quinze a vinte eu poderia citar algumas como a castanha, o guaraná, o açaí, cupuaçu, a andiroba, o babaçu, o buriti, o patauá, o cumaru, o jaborandi, o maracujá, a seringueira… Outra sugestão é buscar o apoio de instituições como o SEBRAE na parte de gestão organizacional e de organizações sociais como o ISA, por exemplo, no apoio ao fornecimento de insumos e relacionamento com as comunidades produtoras. O CBA deveria entrar neste pacote dando suporte tanto para o grande empresário em projetos de maior desafio tecnológico quanto ao pequeno e médio na validação, melhoramento e qualificação de seus produtos.
- FUP – Recentemente, empresários, pesquisadores e setor público se colocaram frente à frente para debater a nova Lei de Acesso à Biodiversidade no contexto amazônico. Quais as principais conclusões e avanços dessa discussão.
PB – Sim é verdade, este evento reiterou o entendimento sobre a importância do marco legal de acesso ao patrimônio genético (PG) e ao conhecimento tradicional associado (CTA) tanto para a conservação destes recursos e para a justa repartição dos benefícios oriundos da exploração econômica quanto para coibir a biopirataria. Entende-se que o alinhamento do Brasil com a Convenção da Diversidade Biológica da ONU a CDB é de suma importância para que exista segurança jurídica para que empresas nacionais e multinacionais se sintam confortáveis e atraídas para explorar estes recursos nos moldes do novo paradigma da economia mundial verde e de baixo carbono. Entretanto no evento ficou claro que a lei mantém em alguns dos seus dispositivos excesso de burocracia e pontos obscuros que continuam a causar insegurança jurídica além de requisitos que podem onerar significativamente os atores e os diversos seguimentos desta economia inibindo, ao invés de estimular, novos entrantes neste setor. Com o propósito de contribuir com o aperfeiçoamento do marco legal e entendendo que o objetivo da lei e do CGEN é estimular o acesso, a pesquisa, o desenvolvimento tecnológico e o uso sustentado dos recursos de nossa biodiversidade, foi redigido um documento contendo uma série de questionamentos e sugestões de encaminhamentos sobre temas como: os procedimentos de fiscalização; sobre algumas cláusulas de isenção e redução de valores de pagamento da repartição de benefícios; a identificação de conhecimento tradicional associado em fontes secundárias; espécies domesticadas e populações espontâneas; coleções biológicas… O documento foi endereçado ao departamento do patrimônio genético do MMA e para o CGEN. Esperamos que este documento resulte em ações concretas por parte destes órgãos no sentido de sanar estas questões.
(*)Breve currículo de Paulo BENEVIDES Bacharel em Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990), mestre em Química Orgânica pela Universidade de São Paulo (1996) e doutor em Química Orgânica pela Universidade de São Paulo (2001). Especialista em química de produtos naturais, redes de inovação, desenvolvimento sustentável e cadeias de produtos da sócio-biodiversidade. Professor de pós-graduação, pesquisador e gestor desde novembro de 2015 atua no grupo de gestão do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), onde, também, segue sua carreira acadêmica. Em abril de 2016, foi escolhido presidente do Conselho de Administração da ABITA, Associação de Bioeconomia e Inovação Tecnológica da Amazônia.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected] |
Comentários