“Além de assegurar a ‘produção’ de água e amenizar as temperaturas locais, a recuperação da Caatinga também constitui uma estratégia vigorosa de combate à pobreza e à fome (…) Enquanto isso, o cientista Niro Higuchi destaca que as empresas do polo industrial de Manaus deveriam explorar mais a ‘sombra climática’ de seus negócios, estudando o papel da floresta nas ciclagens de água, carbono e energia, além de contribuir para a educação e pesquisa ambiental.”
Anotações de Alfredo Lopes
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Coluna Follow-Up
As mudanças do clima agravam problemas já existentes e transformam catástrofes ocasionais em eventos frequentes. As enchentes no Rio Grande do Sul, com proporções inéditas em maio, são um exemplo claro disso, resultando em centenas de vidas perdidas, milhões de pessoas afetadas e prejuízos de bilhões de reais. No Nordeste, se nada for feito, o semiárido pode se transformar num verdadeiro deserto, exacerbando injustiças e privações que assolam a população, propiciando fenômenos extremos do clima.
A Caatinga é um bioma único que corresponde a 862.818 km² (IBGE, 2019) e encontra-se exclusivamente dentro do território brasileiro. Seu patrimônio biológico é inigualável, com mais de 3 mil espécies de flora, sendo 33% delas únicas da Caatinga, além de 15% dos seus animais não existirem em outros lugares do mundo.
Cerca de 28 milhões de pessoas vivem nesse ambiente que abrange nove estados do Brasil: Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e a faixa norte de Minas Gerais. O Ceará é o único estado que está 100% dentro do domínio da Caatinga. No entanto, um estudo divulgado em 2022 pelo MapBiomas revela que, desde 1985, mais de 6 milhões de hectares de vegetação natural foram perdidos na Caatinga. Esse levantamento mostra que as ameaças a este bioma aceleram o processo de desertificação, com o Ceará sendo o estado mais impactado.
Destruição dos biomas e suas consequências
A destruição de biomas como a Caatinga e a Amazônia tem consequências diretas e devastadoras. O desmatamento na Amazônia, motivado por interesses financeiros imediatos, compromete não só os ativos florestais, mas também os ativos climáticos. Contribuindo mais uma vez para enchentes e vazantes severas na malha fluvial amazônica, prejudicando gravemente o setor agropecuário que depende da água como principal insumo. A associação entre o desmatamento nas serras gaúchas e as chuvas torrenciais de maio ilustra como a remoção da cobertura vegetal pode agravar os eventos climáticos extremos.
A importância da Amazônia para o clima global
De acordo com o cientista Niro Higuchi, membro do IPCC da ONU e pesquisador do INPA, a Amazônia desempenha um papel crucial na regulação climática global. A floresta amazônica atua como um grande sumidouro de carbono, ajudando a mitigar as mudanças climáticas. O desmatamento da Amazônia reduz essa capacidade, agravando os impactos do aquecimento global. Higuchi enfatiza que a proteção da Amazônia é vital para manter o equilíbrio climático e prevenir eventos extremos cada vez mais frequentes.
As empresas instaladas na Zona Franca de Manaus, que geram atualmente 500 mil empregos diretos e indiretos, têm um papel crucial na proteção da floresta. Segundo Higuchi, essas indústrias se enquadram bem no movimento ESG (meio ambiente, social e governança corporativa) e precisam intensificar suas ações para mensurar o papel da floresta na manutenção dos serviços ecossistêmicos. O PIM tem contribuído significativamente para frear o desmatamento no Amazonas, o estado com a menor taxa de desmatamento da Amazônia Legal, conforme monitorado pelo PRODES do INPE.
Caminhos para a recuperação
Em artigo publicado no jornal O Povo, a senadora Janaína Farias, no último dia 2, descreveu o processo de destruição da Caatinga que precisa ser revertido para evitar as consequências climáticas da desertificação. Os cearenses, em particular, são especialmente vulneráveis, pois 92% do estado está incluído no Polígono das Secas. O caminho para enfrentar esse problema passa pela recuperação produtiva da Caatinga. Por isso, foi proposto no Senado Federal o Projeto de Lei n° 1990/2024, para instituir a Política Nacional para a Recuperação da Vegetação da Caatinga. A vegetação ajuda a reter água no solo, suprindo lençóis freáticos e garantindo a estabilidade do abastecimento hídrico para a população.
Além de assegurar a “produção” de água e amenizar as temperaturas locais, a recuperação da Caatinga também constitui uma estratégia vigorosa de combate à pobreza e à fome. Um estudo do Instituto Escolhas demonstra que a recuperação da Caatinga em 1 milhão de hectares no Nordeste exige a produção de mais de 1 bilhão de mudas, gerará 465.888 postos de trabalho e produzirá mais de 7 milhões de toneladas de alimentos como frutas, legumes e hortaliças, gerando emprego, renda e comida.
Para que essa empreitada seja bem-sucedida, foi proposta pela Senadora criação de Frentes de Trabalho de Recuperação da Vegetação da Caatinga, com participação das comunidades locais. Isso garantirá que os frutos dessa política sejam colhidos pelas pessoas da nossa região, reduzindo desigualdades regionais e proporcionando desenvolvimento sustentável.
O papel das indústrias do PIM
Um pouco mais ao Oeste…As indústrias do Polo Industrial de Manaus (PIM) estão bem posicionadas para liderar a proteção ambiental através de práticas sustentáveis. Empresas como Honda e Samsung, que geram sozinhas mais de 12 mil empregos, estão não apenas oferecendo trabalho, mas também produzindo ativos ambientais ao proteger e manter florestas. Cientista Niro Higuchi destaca que as empresas do polo industrial de Manaus deveriam explorar mais a “sombra climática” de seus negócios, estudando o papel da floresta nas ciclagens de água, carbono e energia, além de contribuir para a educação e pesquisa ambiental.
A recuperação da Caatinga e a proteção da Amazônia são prioridades urgentes. Proteger esses biomas é essencial não só para a preservação da biodiversidade, mas também para a mitigação dos impactos das mudanças climáticas e a promoção de um desenvolvimento sustentável e equitativo. Como ensinou Padre Cícero em seus preceitos ecológicos, recuperar a Caatinga – assim como proteger a Amazônia – precisam se tornar prioridades para garantir um futuro sustentável para o nosso país.
Alfredo é filósofo, e foi professor por muitos anos na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo, voltou para sua terra natal e hoje é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal BrasilAmazôniaAgora
Coluna Follow-up é publicada às quartas, quintas e sextas feiras no Jornal do Comércio do Amazonas, sob a responsabilidade do CIEAM e coordenação editorial de Alfredo Lopes, editor do portal BrasilAmazoniaAgora
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