Nos últimos anos, o narcotráfico na Amazônia tem crescido, utilizando a infraestrutura dos garimpos ilegais, ampliando a violência e os danos ao meio ambiente
A Amazônia Legal, uma das regiões mais ricas em recursos naturais do Brasil, tornou-se um ponto central para o desenvolvimento de atividades ilegais que têm ameaçado tanto o meio ambiente quanto a segurança pública. Além do desmatamento desenfreado e da mineração clandestina, o narcotráfico tem se expandido por meio da infraestrutura dos garimpos, criando o que especialistas têm chamado de “narcogarimpo”. Facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) passaram a utilizar rotas e logísticas do garimpo para facilitar o tráfico de drogas, intensificando a violência e as ameaças ambientais na região.
A Amazônia legal e o garimpo
A Amazônia Legal abrange uma área vasta, que inclui os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão. A região é alvo de intensa atividade mineradora, tanto legal quanto clandestina. No Pará, por exemplo, a extração de minerais como ferro e ouro é regulamentada em algumas áreas, gerando receitas substanciais por meio da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Em 2022, o estado arrecadou quase R$ 3 bilhões, sendo o maior contribuinte de toda a Amazônia Legal.
No entanto, a mineração ilegal continua sendo uma prática comum, especialmente em terras indígenas, onde a atividade é proibida por lei. Em estados como Roraima, onde o garimpo ilegal é predominante, essa exploração predatória tem causado sérios impactos às comunidades indígenas e ao meio ambiente. A falta de fiscalização efetiva e a grande extensão da região favorecem a atuação de organizações criminosas.
A conexão entre garimpo e narcotráfico
De acordo com uma pesquisa publicada no início de 2024 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o narcotráfico está intimamente ligado à infraestrutura criada pelos garimpos. Facções criminosas estão aproveitando as rotas aéreas, pistas de pouso ilegais e pilotos que já operam nas atividades de extração de ouro para transportar drogas.
A pesquisa foi realizada em municípios estratégicos como Itaituba, Jacareacanga e Santarém, no Pará, além de Boa Vista e na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Foram entrevistados profissionais de segurança pública, agentes de fiscalização ambiental, garimpeiros e moradores locais. O estudo apontou que facções vendem drogas para as comunidades locais e oferecem “serviços de segurança armada” para os garimpeiros. Essa aliança entre garimpo e narcotráfico resultou no fenômeno denominado “narcogarimpo”, que tem causado o aumento da violência nas regiões afetadas.
Segundo o sociólogo Rodrigo Pereira Chagas, da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e um dos autores da pesquisa, o garimpo intensificou-se nos últimos cinco anos, favorecendo a articulação com o narcotráfico. “Aeronaves, pilotos e pistas ilegais de pouso criadas para atender as atividades de garimpo estão sendo aproveitados para o narcotráfico. Essa conexão deu origem a um fenômeno recente, conhecido como narcogarimpo”, afirmou Chagas.
O impacto na violência
Os efeitos dessa conexão entre garimpo e tráfico de drogas são evidentes nos dados de violência. Em 2022, a taxa de mortes violentas intencionais (MVI) na Amazônia Legal foi de 33,8 por 100 mil habitantes, número significativamente maior que a média nacional, de 23,3. Esse crescimento na violência está diretamente relacionado à presença de facções criminosas na região, que utilizam o garimpo como plataforma para suas atividades ilícitas.
Esses grupos não apenas vendem drogas, mas também exercem controle armado sobre os garimpos, oferecendo proteção e impondo sua presença nas áreas de extração. Além do aumento da violência, essa dinâmica gera sérios impactos ambientais, agravando a destruição de florestas e rios, e colocando em risco comunidades indígenas e tradicionais.
Alternativas sustentáveis para o garimpo
Apesar do cenário alarmante, há propostas que visam reduzir os impactos negativos do garimpo. A geóloga Maria José Maluf de Mesquita, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordena o projeto “CRAFTing responsible tin: A path to ethical and sustainable mining practices in the Brazilian Amazon”, que busca implementar práticas de mineração mais sustentáveis. O projeto conta com o apoio de cooperativas de garimpeiros, como a Cooperativa dos Garimpeiros de Santa Cruz e a Cooperativa Metalúrgica de Rondônia.
Segundo Mesquita, essas cooperativas adotam medidas para mitigar os danos ambientais, como a proibição do uso de mercúrio nos rios, substância altamente tóxica utilizada na separação do ouro. Ela acredita que, com apoio e fiscalização adequados, é possível desenvolver um garimpo mais responsável e menos predatório, tanto para o meio ambiente quanto para as comunidades locais.
Diante desse cenário complexo, é urgente que o governo brasileiro, juntamente com a comunidade internacional, tome medidas efetivas para combater o narcotráfico e o garimpo ilegal na Amazônia Legal. Ações de fiscalização mais robustas, combinadas com o apoio ao desenvolvimento de práticas de mineração sustentável, são essenciais para proteger a biodiversidade e as populações da região.
Além disso, a repressão às facções criminosas que utilizam os garimpos como base para o tráfico de drogas é fundamental para reduzir a violência e restaurar a ordem nas comunidades afetadas. Sem uma resposta coordenada e firme, o ciclo de degradação ambiental e violência na Amazônia tende a se agravar, colocando em risco não apenas o futuro da floresta, mas também a estabilidade social na região.
A conexão entre o garimpo e o narcotráfico na Amazônia Legal é um dos maiores desafios para a segurança pública e a preservação ambiental da região. Facções criminosas têm explorado a infraestrutura dos garimpos para expandir suas operações, intensificando a violência e a destruição ambiental. No entanto, há alternativas sustentáveis para o garimpo que podem contribuir para a preservação da Amazônia e a melhoria da qualidade de vida das comunidades locais. A ação rápida e coordenada entre governos e organizações é crucial para enfrentar essa crise.
*Com informações REVISTA FAPESP
Comentários