Num cenário em que a seca extrema está atingindo patamares históricos e muito preocupantes, investigações para descobrir como e por quem os incêndios no Pantanal foram causados apontam que ação humana foi determinante
Os incêndios no Pantanal voltaram a ganhar destaque em 2024, com 661 mil hectares já consumidos pelas chamas. A combinação de uma das piores secas já registradas e a ação humana descontrolada está devastando o bioma. Enquanto autoridades investigam a origem dos focos de incêndio, especialistas alertam para os danos irreversíveis causados ao ecossistema.
A seca extrema criou condições ideais para que o fogo se espalhasse rapidamente, especialmente em áreas que deveriam estar alagadas, mas acumularam matéria orgânica seca. Segundo a nota técnica de Avaliação da Situação do Fogo no Pantanal, divulgada pelo LASA, a ausência de descargas elétricas de raios nos locais dos focos de incêndio entre maio e junho indica a ação humana como principal causa.
O boletim “Combate aos incêndios florestais no Pantanal”, do Governo Federal, fornece atualizações semanais sobre a situação, destacando que os focos registrados nos meses de maio e junho provavelmente foram provocados em sua absoluta maioria em propriedades privadas, não em Unidades de Conservação, totalizando 3.451 focos identificados. A maioria dos incêndios ocorreu na porção sudoeste do Pantanal, principalmente na região de Corumbá, próxima aos rios Paraguai e Paraguai Mirim.
Investigação e responsabilização
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, confirmou que a Polícia Federal está investigando a origem de pelo menos 18 focos de incêndio no Pantanal. A maioria (85 a 90%) desses focos ocorreu em áreas privadas, sugerindo queimadas ilegais. As imagens de satélite do INPE e do LASA/UFRJ corroboram que os incêndios registrados nos últimos meses são resultados de ações humanas e não de causas naturais.
Marina Silva destacou a importância das investigações, afirmando que os responsáveis serão levados à Justiça. “Nós já sabemos de onde veio a propagação desse fogo. As pessoas serão identificadas, mas a investigação está em curso. Foram 18 focos de incêndio em lugares diferentes que deram início à propagação desse fogo”, disse.
Um relatório recente do Ministério Público do Mato Grosso do Sul (MP-MS) revelou que 17 das 20 ignições de grandes proporções ocorreram em Corumbá, e três em Porto Murtinho, entre maio e junho. O documento, baseado em monitoramento de satélites, mostra que a maioria dos focos começou em fazendas e outras propriedades rurais. O promotor de Justiça do Núcleo Ambiental do MP-MS, Luciano Loubet, destacou que o grande desafio é comprovar se o incêndio foi proposital ou acidental para gerar responsabilidades nas esferas administrativa, cível e criminal.
Esforços de combate e desafios
Leonardo Gomes, do SOS Pantanal, enfatizou a necessidade de uma forte mobilização para combater os incêndios. As autoridades estão intensificando o uso de pessoal, equipamentos e aeronaves para controlar as chamas, especialmente na região de Corumbá, onde os incêndios começaram principalmente próximos aos rios Paraguai e Paraguai Mirim.
Rodrigo Agostinho, presidente do IBAMA, alertou para o risco de colapso ecossistêmico em algumas áreas do bioma devido ao ciclo contínuo de secas e incêndios. Ele destacou que a seca atual pode persistir até o final do ano, exacerbando a situação. “A natureza volta em muitas áreas depois de desastres como esse. Mas, em algumas áreas a perda é significativa. Em alguns lugares pode ser, inclusive, irreversível. A gente está muito assustado em ver, pelo sexto ano seguido, o Pantanal sem o período de cheias”, afirmou Agostinho em entrevista ao g1.
Impactos socioambientais e legislação
Os incêndios não apenas destroem a vegetação, mas também afetam diretamente as comunidades locais. O Ecoa documentou como três focos de fogo em junho se transformaram em grandes incêndios, devastando cerca de 300 mil hectares e afetando 177 propriedades rurais, áreas indígenas e unidades de conservação. Além disso, o MP-MS constatou que 65,82% da área total de ignição ocorreu em vegetação campestre; 19,52%, em área de formação savânica; e 5,76% em florestas.
A legislação atual proíbe qualquer tipo de queimada controlada no Pantanal, Amazônia e Cerrado até o final do ano. No entanto, a implementação efetiva das leis e a responsabilização dos culpados são desafios contínuos. Marina Silva reforçou que os municípios do Pantanal que mais registram desmatamento são aqueles onde há mais focos de incêndio. “Corumbá está respondendo por metade dos incêndios do Mato Grosso do Sul, e lá o desmatamento aumentou 52%. Correlação direta.”
Conscientização e ação comunitária
Para evitar que situações semelhantes ocorram no futuro, é fundamental investir em educação ambiental e conscientização. Alexandre Bossi, presidente do SOS Pantanal, destacou a importância de informar corretamente o público para não prejudicar setores importantes como o turismo. “Não é o Pantanal inteiro que está pegando fogo. O incêndio é localizado, e é importante transparecer isso para o público. Informações erradas podem afetar inclusive um dos principais setores geradores de renda do bioma, como o turismo.”
Leonardo Gomes também reforçou a necessidade de chamar o Congresso Nacional para discutir medidas antiambientais e revisar o orçamento destinado ao combate às queimadas. “Precisamos realizar um trabalho forte de educação ambiental e conscientização, pois a tendência é de que esses incêndios criminosos continuem nos próximos meses e anos caso não sejam responsabilizados seus autores.”
Danos irreversíveis e necessidade de ação
O ciclo recente de temporadas chuvosas abaixo do normal e incêndios mais frequentes e intensos empurram o Pantanal para o colapso ecossistêmico em algumas áreas do bioma. Rodrigo Agostinho prevê que a seca atual persista até o final do ano, o que pode resultar em perdas irreversíveis para a flora e fauna locais. “A gente trabalha com o pior cenário, que é o cenário de uma seca até o final do ano”, alertou o chefe do IBAMA.
Como ajudar a combater o fogo no Pantanal?
As Brigadas Pantaneiras do SOS Pantanal e a Brigada Alto Pantanal contam com doações para manter e ampliar sua atuação. É possível contribuir com doações no site www.sospantanal.org.br/apoie/#doacoes ou pelo PIX [email protected].
Comentários