Pesquisas indicam que mudanças climáticas estão impulsionando a evolução de fungos, aumentando a resistência a medicamentos e elevando os riscos de infecções humanas.
Uma pesquisa recente publicada na revista Nature Microbiology apresenta uma descoberta preocupante: alguns fungos estão se adaptando ao corpo humano em decorrência da evolução, e a mudança climática pode ser um dos fatores principais dessa transformação.
Embora existam milhões de espécies de fungos no ar, apenas cerca de 20 são conhecidas por causar infecções em humanos. O sistema imunológico humano, juntamente com a alta temperatura corporal, geralmente impede a maioria desses patógenos de nos afetar. No entanto, o estudo recente sugere que certas espécies de fungos estão começando a sobreviver e prosperar em temperaturas corporais humanas, possivelmente devido ao aquecimento global.
Os pesquisadores analisaram registros de infecções fúngicas em 98 hospitais na China entre 2009 e 2019, descobrindo casos de infecção por fungos que nunca antes haviam sido conhecidos por afetar humanos. Quando isolados em laboratório, esses fungos mostraram a capacidade de infectar camundongos com sistemas imunológicos comprometidos, simulando o que poderia ocorrer em humanos com imunidade enfraquecida. As espécies R. fluvialis e R. nylandii demonstraram uma tolerância preocupante à temperatura corporal de 37°C, e essa exposição aumentou a taxa de mutações nas colônias, tornando-as resistentes a medicamentos antifúngicos.
Fungos se adaptando ao corpo humano?
A relação entre a evolução dos fungos e a mudança climática é um tema de grande debate. Toni Gabaldón, biólogo evolucionário do Instituto de Pesquisa em Biomedicina de Barcelona, explica que a tolerância ao calor é um fator conhecido de virulência (capacidade de causar doenças). Ele menciona que há evidências de que algumas espécies de fungos agora crescem em temperaturas mais altas do que poderiam há algumas décadas. “Faltam provas diretas de que essas duas observações estão relacionadas e são necessárias mais pesquisas”, afirma Gabaldón.
Por outro lado, Jatin Vyas, especialista em fungos da Faculdade de Medicina de Harvard, argumenta que a mudança repentina de 25°C para 37°C observada nos experimentos não pode ser atribuída ao aquecimento global de forma tão simplista. “A temperatura na bacia amazônica aumentou 1°C na última década, o que teve um efeito profundo na ecologia“, observa Vyas.
Os pesquisadores também observaram que a temperatura de 37°C aumentou a taxa de mutações nas colônias de fungos em comparação com temperaturas mais frias de 25°C. Como resultado, os fungos tornaram-se resistentes a medicamentos antifúngicos. “Esse estudo mostra que o mesmo mecanismo pode ocorrer em outros organismos que não causam doenças, o que significa que eles podem se adaptar para causar doenças em humanos“, explica Vyas.
Ele sugere que o aquecimento global pode estar contribuindo para a adaptação de fungos a temperaturas mais altas, mas os mecanismos exatos ainda precisam ser mais bem compreendidos. A capacidade de certas espécies de fungos de crescer em temperaturas corporais humanas pode ser um indicativo de que essas mudanças climáticas estão facilitando a evolução dos fungos para se tornarem patógenos humanos.
Resistência aos medicamentos
O risco de fungos resistentes a medicamentos se espalharem pelo mundo é crescente. “Estamos começando a ficar nervosos com o que estamos vendo. Quando pensamos nos bilhões de outros organismos que habitam a Terra, a grande maioria é completamente resistente aos medicamentos antifúngicos”, afirma Jatin Vyas. As infecções fúngicas já causam cerca de 2,5 milhões de mortes por ano, e a resistência aos antifúngicos é um problema crescente. Com apenas três famílias principais de medicamentos antifúngicos disponíveis, o desenvolvimento de novos tratamentos é urgente e complicado, dado que fungos e mamíferos compartilham estruturas celulares semelhantes.
Gabaldón ressalta que a resistência aos antifúngicos provavelmente aumentará, pois, em comparação com os antibióticos, temos um arsenal muito limitado de medicamentos antifúngicos. A dificuldade reside no fato de que, como os fungos são organismos eucarióticos, assim como os mamíferos, desenvolver novos medicamentos antifúngicos pode resultar em efeitos colaterais adversos para os humanos.
A ficção científica que se aproxima da realidade
A série de sucesso da HBO, The Last of Us, baseia-se na premissa de que a mudança climática poderia permitir que um fungo parasita, semelhante ao Ophiocordyceps unilateralis, evoluísse para infectar humanos, transformando-os em zumbis. Embora fictício, o conceito está enraizado na ciência real. A série ilustra um fungo que controla formigas tropicais, levando-as a comportamentos suicidas que permitem ao fungo espalhar seus esporos. Essa ideia de fungos evoluindo para sobreviver em temperaturas corporais humanas encontra eco na realidade, com fungos como Candida auris já demonstrando essa capacidade.
Preparação e prevenção
Apesar do cenário assustador, há um lado positivo nas descobertas. “Estudos como esse nos preparam para organismos patogênicos“, explica Vyas. Compreender como os fungos estão se adaptando permite que os cientistas desenvolvam mecanismos para proteger a humanidade no futuro. A conscientização sobre a evolução dos fungos e a resistência aos medicamentos é fundamental para prevenir possíveis pandemias fúngicas.
A relação entre mudança climática e evolução fúngica sublinha a importância de estratégias globais para combater o aquecimento global e monitorar de perto as mudanças nos padrões de infecções fúngicas. Enquanto a ficção científica nos entretém com cenários apocalípticos, a ciência real nos alerta para a necessidade urgente de vigilância e inovação médica.
O cenário apocalíptico
Embora a ideia de fungos evoluindo para causar pandemias possa parecer saída de uma obra de ficção científica, como The Last of Us, a realidade é que a mudança climática está criando condições que favorecem a adaptação de fungos a temperaturas mais altas. Isso representa uma ameaça potencial para a saúde humana, especialmente em um mundo onde a resistência a medicamentos está se tornando um problema cada vez mais sério.
A conscientização e a preparação são essenciais para enfrentar essa nova ameaça. A pesquisa contínua sobre a evolução dos fungos e o desenvolvimento de novos medicamentos antifúngicos são de extrema importância para garantir que possamos proteger a humanidade de possíveis pandemias fúngicas no futuro. A mudança climática é um desafio global que requer uma resposta coordenada e eficaz para prevenir consequências desastrosas para a saúde pública.
Assista a cena emblemática da série:
Com informações da DW
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