As desigualdades regionais no Brasil são uma realidade crônica que reflete disparidades profundas no desenvolvimento social e econômico entre as regiões do país. O contraste é notavelmente agudo entre o Sul e o Sudeste, e as regiões Norte e Nordeste.
Por Yara Amazônia Lins
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É injusto e inaceitável o modo utilizado pelo Brasil para tratar o lado empobrecido e excluído do país. Uma nação sem Norte. Um Brasil maltratado pelo Brasil. No mês passado, os estados do Sul e Sudeste, responsáveis por cerca de 90% das dividas federais, utilizando o peso político e econômico que os descrevem, foram em grupo a Brasília negociar suas crescentes pendências com a União. Enquanto isso, estados como o Amazonas, apesar de sua significativa contribuição à Receita Federal – é o oitavo estado que mais recolhe à Receita Federal – está entre os mais pobres do país em termos de indicadores de desenvolvimento humano.
Esta paradoxal situação desperta para uma desconexão preocupante: por que um estado que contribui substancialmente para a economia nacional enfrenta desafios sociais tão gritantes de desenvolvimento? A realidade em Manaus, com seu acesso precário a saneamento básico, educação, saúde e moradia, ilustra a gravidade dessa discrepância. O Amazonas é o maior contribuinte da Receita no Norte e Nordeste do país. Sem conexão terrestre, porém, a rodovia BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, foi abandonada há décadas, sob desculpas das mais diversas, algumas risíveis. E seus rios, as únicas estradas disponíveis, não tem balizamento e suas tarifas portuárias são absurdas.
Os recentes estudos do Instituto Cidades Sustentáveis (ICS), publicados neste final de março, lançam luz sobre essa discrepância, mostrando que as capitais do Norte e Nordeste ocupam as posições mais baixas no ranking de indicadores sociais, incluindo renda, saúde, saneamento e segurança pública.
Por outro lado, cidades do Sul, Sudeste e Centro-Oeste apresentam números muito expressivos, com taxas de pobreza significativamente inferiores. A desigualdade é tão acentuada que, em termos de violência, por exemplo, a diferença na taxa de homicídios entre São Paulo e Macapá é alarmante. Enquanto São Paulo registrou uma média de 2,03 assassinatos por 100 mil habitantes, Macapá teve uma taxa 29 vezes maior.
Esses números não são apenas estatísticas; eles representam vidas humanas, destacando a urgência de abordar essas disparidades. A análise dessas desigualdades nos leva a questionar a eficácia da redistribuição de recursos no país e a necessidade de políticas que não apenas aliviem, mas resolvam essas discrepâncias fundamentais.
A persistência dessas desigualdades sugere uma necessidade crítica de revisão e realocação das políticas econômicas e sociais para garantir um desenvolvimento mais equitativo em todo o Brasil. A concentração de renda salta aos olhos. Muita riqueza é gerada e generosos recursos são repassados ao poder público nos três níveis federativos, a partir da Zona Franca de Manaus. Entretanto, essa riqueza não se traduz em melhorias socioeconômicas para a população em geral.
Estamos, pois, diante de uma distribuição desigual de recursos, onde a riqueza gerada permanece concentrada e não é efetivamente redistribuída para melhorar a infraestrutura, os serviços públicos essenciais, a qualificação dos jovens e a oferta de oportunidades.
O cenário atual, onde regiões com alto potencial de contribuição econômica, como o Amazonas, continuam a enfrentar desafios significativos, indica a necessidade de uma abordagem mais integrada e estratégica para o planejamento e a execução de políticas públicas. Afinal, enquanto recolhemos riqueza substantiva para os cofres federais, a indústria sombria do crime organizado que não paga imposto – principal concorrente da indústria que emite nota fiscal – segue forte e quase sempre impune.
Que se juntem cabeças pensantes e corações plenos de bons propósitos para planejar oportunidades equitativas, melhorando a qualidade de vida em todas as regiões, priorizando, porém, a quem mais precisa. E mais: é preciso garantir que a riqueza gerada seja prioritariamente investida nas comunidades locais empobrecidas, promovendo um desenvolvimento sustentável e inclusivo em todo o país, a começar, porém, pelos esquecidos. A mazela das desigualdades regionais é injusta e insensata. E se não corrigimos essas diferenças dia virá em que este abismo poderá nos consumir a todos.
Formada em Direito e Ciências Contábeis, Yara Lins é a primeira mulher do Amazonas a dirigir o Tribunal de Contas.
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