“A crise que enfrentamos não é inevitável, mas exige uma reação enérgica. Educação política, combate à desinformação, fortalecimento das instituições e promoção de uma cultura de participação são passos fundamentais para resgatar a essência da Democracia popular”
Por Alexandre Paulinelli e Alfredo Lopes
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É inquietante constatar que a democracia, originalmente concebida como o poder do povo, caminha a passos largos para se tornar um mecanismo desacreditado, relegado às classes economicamente mais vulneráveis. Hoje, a democracia, idealizada como um espaço de igualdade e representação, é vista por muitos das elites econômicas como um incômodo obsoleto. A participação política, uma das colunas essenciais do regime democrático, vem sendo esvaziada.
A ascensão da indiferença democrática
Entre as classes mais favorecidas, há uma crescente apatia, manifesta no desdém pelo voto ou na retórica de que a democracia é desnecessária ou ultrapassada. Essa rejeição não é apenas um abandono da responsabilidade cívica; é, na prática, um sinal de que a desigualdade econômica começa a contaminar os valores democráticos. Para essas elites, o momento do voto, em que as maiorias desabonadas ainda têm algum poder de decisão, é uma ameaça ao seu status quo.
Os números de abstenção nas eleições, ano após ano, são sintomáticos de um sistema que perdeu sua capacidade de inspirar engajamento. Mais preocupante ainda é o fato de que essa desilusão não está restrita às classes superiores. A descrença também começa a contaminar as classes populares – as mesmas que deveriam ser o coração pulsante da democracia. As classes C, D e E, que carregam o peso do sistema em seu cotidiano, questionam cada vez mais a eficácia do regime em responder às suas demandas.
Eleições: mercado de poder
Neste cenário, as eleições tornam-se mercadorias e os votos, recursos negociados. A democracia transforma-se em um jogo de influência, em que vence quem tem mais capital – econômico, midiático ou simbólico. Candidaturas que deveriam ser ancoradas em programas políticos consistentes e propostas de transformação social sucumbem ao marketing eleitoral e à manipulação. A política torna-se um espetáculo, e os eleitores, meros espectadores passivos de narrativas cuidadosamente construídas para iludir e não para informar.
Essa mercantilização da política abre espaço para a ascensão do conservadorismo e do mandonismo, fenômenos que enfraquecem ainda mais o espírito democrático. Direitos civis são relativizados em favor de interesses corporativos e individuais, e o espaço público, essencial à democracia, é ocupado por facções que manipulam consciências por meio da desinformação.
A democracia de ninguém
O resultado desse ciclo vicioso é alarmante: uma democracia vazia, sem povo e sem propósito. Quando até mesmo as classes historicamente mais dependentes de um regime democrático começam a abandoná-lo, o sistema político perde sua razão de ser. Caminhamos para um cenário de “democracia de ninguém”, onde a participação popular é irrelevante e os valores fundadores do regime – igualdade, justiça, representatividade – se dissipam no ar.
O que resta, então? A ascensão do autoritarismo? A tirania da indiferença? O enfraquecimento da democracia não é apenas um problema político; é uma ameaça ao tecido social. Enquanto o poder do voto for esvaziado e as instituições forem corroídas por desconfiança e manipulação, a res publica – a coisa pública – deixará de ser um bem coletivo, tornando-se uma propriedade privada das elites econômicas ou um campo de batalha para facções autoritárias.
Resgatando a dēmokratía
A crise que enfrentamos não é inevitável, mas exige uma reação enérgica. Educação política, combate à desinformação, fortalecimento das instituições e promoção de uma cultura de participação são passos fundamentais para resgatar a essência da democracia. Sem isso, o sistema continuará a se desintegrar, deixando um vácuo perigoso que poderá ser preenchido por forças que nada têm a ver com o poder do povo.
A dēmokratía só sobreviverá se for ressignificada e defendida como um patrimônio universal. A questão não é apenas quem ainda acredita na democracia, mas quem estará disposto a lutar por ela.
Alexandre é jornalista e empresário de Comunicação
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal BrasilAmazôniaAgora
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