A cheia histórica desse ano no rio Acre levou a uma crise sem precedentes, com 19 municípios em estado de emergência e planos para realocar a cidade de Brasileia.
A administração de Brasileia, situada no Acre, planeja transferir o centro administrativo do município para uma região mais elevada após sofrer com a inundação mais severa já registrada pelo rio Acre, iniciada em 24 de fevereiro. Instalações governamentais importantes, incluindo o prédio da prefeitura, as secretarias de Planejamento, Assistência Social e Saúde, a Câmara Municipal e a Delegacia de Polícia Civil, foram inundadas e permanecem inoperantes.
Do total de bairros da cidade, 12, equivalendo a 75% da zona urbana, foram inundados, conforme informado pela prefeitura, afetando mais de 15 mil residentes. Esta cheia marca a quarta ocorrência significativa em doze anos, sendo a primeira a atingir áreas rurais, isolando 617 famílias. A Reserva Extrativista Chico Mendes, importante por seu papel pioneiro em conservação ambiental sustentável, também foi prejudicada.
Plano de reestruturação
Fernanda Hassen, a prefeita da cidade e sem filiação partidária, mencionou que está sendo elaborado um estudo, em colaboração com a Secretaria de Estado de Obras Públicas, visando a realocação dos bairros, incluindo a área central que abriga os órgãos do governo. O plano inclui também a construção de moradias populares para aqueles que perderam suas casas e não têm condições de retornar aos seus terrenos originais.
“A Prefeitura de Brasileia propôs aos governos federal e estadual um projeto de ajuda humanitária e de reestabelecimento da sede da cidade, com a mudança para uma área mais segura. Nós atingimos a cota histórica na alta do rio Acre. Nós vamos doar as terras para a construção de casas populares e instituições da administração pública”, declarou à Folha.
Ainda sem uma data definida para o início, o projeto de migração pretende relocar mais de 3.400 famílias para áreas mais altas. A prefeitura e o governo estadual têm até o dia 18 de março para apresentar a proposta ao governo federal, buscando financiamento e suporte logístico. Em uma visita técnica realizada no dia 4, os ministros Waldez Góes (Integração e Desenvolvimento Regional) e Marina Silva (Meio Ambiente e Mudanças Climáticas), que é acreana, estiveram em Brasileia.
Brasileia é um dos municípios mais impactados pelas enchentes anuais do rio, que ocorrem durante o inverno em várias partes do estado. Localizada na fronteira com a Bolívia e a 232,4 km de Rio Branco, a capital do Acre, Brasileia tem uma população de aproximadamente 26 mil habitantes, incluindo mais de 3.000 estudantes de diferentes estados do Brasil que se deslocam para a cidade com o objetivo de estudar em universidades bolivianas.
Em 2024, a cheia do rio Acre resultou em um estado de emergência para 19 dos 22 municípios do estado. Dentre os mais impactados estão Brasileia, Assis Brasil, Marechal Thaumaturgo, Santa Rosa do Purus e Jordão, com as duas últimas comunidades tendo 80% e 70% de suas populações compostas por povos indígenas, respectivamente, que acabaram isolados. A tragédia resultou na morte de três pessoas por afogamento e afetou mais de 120 pessoas diretamente.
Resposta às Mudanças Climáticas
O governador Gladson Cameli (Progressistas) atribui o desastre diretamente às mudanças climáticas. Ele ressaltou que as Defesas Civis em todos os níveis governamentais tomaram medidas preventivas antecipadas, como estabelecer abrigos e distribuir alimentos, bem como produtos de limpeza e higiene pessoal, o que ajudou a reduzir os danos em vários municípios.
“Se deixamos Brasileia no mesmo local, em um ano teremos o mesmo problema. Nenhuma estrutura terá autorização para ser construída na parte baixa. Estamos desenvolvendo, junto às prefeituras e governo federal, um trabalho emergencial de médio e longo prazo. Até maio, ainda temos previsão de fortes chuvas”, declarou Cameli.
Ele também mencionou a dificuldade em acessar linhas de crédito, como as do programa Minha Casa, Minha Vida, devido a problemas de regularização fundiária, uma vez que 80% da população do Acre reside em terras pertencentes à União.
Impacto nas comunidades indígenas
A enchente afetou severamente várias comunidades indígenas, especialmente as mais de 40 aldeias na Terra Indígena de Rio Jordão, muitas das quais já eram de difícil acesso e agora estão completamente isoladas, dificultando a chegada de auxílio humanitário.
Rita Hunikui, uma artista plástica indígena, compartilhou que a única assistência recebida na aldeia Chico Curumin, onde vivem 30 famílias (aproximadamente 150 pessoas), foi a distribuição de cestas básicas, insuficiente para atender às necessidades da comunidade. Ela descreveu as perdas significativas de moradias, plantações e embarcações, além de relatar o surgimento de doenças e a escassez de água potável.
“Aos poucos estamos retornando para nossas casas para fazer a limpeza e tentar resgatar algumas coisas. Muitas famílias indígenas perderam tudo o que batalharam para ter. Agora, após a enchente, estamos sofrendo com diversas doenças, como diarreia, febre e vômito. Também estamos sofrendo com a falta de abastecimento de água em diversos locais no Jordão”, relata.
Com informações da Folha de São Paulo
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