“As raizes do rombo fiscal estão plantadas no asfalto das disputas que ocorrem bem longe da floresta. Aqui, não temos nada a esconder a não ser o constrangimento e, ca pra nós, o aborrecimento de reivindicar o tempo todo um direito tão elementar de trabalhar em paz.”
Por Nelson Azevedo
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As contas da Zona Franca de Manaus e seus resultados sociais, ambientais e econômicos, estão sempre abertas, de acordo com o Tribunal de Contas da União, TCU, uma corte de contas que costuma reconhecer que a ZFM é o único programa de política fiscal – para redução das desigualdades regionais – que presta contas da contrapartida fiscal que recebe. Aliás, TCU e Receita Federal do Brasil, RFB, acompanham passo a passo o que é feito com os 7,8 % da bendita compensação fiscal.
Manutenção da ZFM
Notícia de domingo na mídia nacional ironiza o fato da ZFM reivindicar a manutenção dos benefícios enquanto a Reforma Fiscal não define o programa de compensação tributária que vai aliviar as perdas com o fim do IPI.
É o mínimo que se pode assegurar para a manutenção dos 500 mil empregos gerados a partir do Polo Industrial de Manaus. E não há, no curto, médio, prazo e até no longo prazo, outro arranjo econômico que substitua a façanha. Ou seja, uma política do Estado brasileiro capaz convencer a Indústria a operar numa região de infraestrutura tão precária.
Carregando o país nas costas
E qual é o argumento para substituir os fundos de compensação em lugar de preservar as compensações fiscais inseridas na Constituição? Cada representante do poder público especula uma perda. Entre os novos ministros já houve quem estimasse a renúncia em R$ 400bilhões/ano.
Ora, desafiamos quem quer que seja localizar o pix federal, ou ordem bancária, à moda antiga, que repasse para a ZFM algum recurso. Um centavo que seja. O argumento é que a receita deixa de arrecadar a cada ano uma fortuna bilionária que renuncia a partir da ZFM. Essa história não para em pé. Muito pelo contrário. O maior beneficiário da ZFM são os cofres federais, pois o Amazonas está entre os 8 estados da federação que carregam o país nas costas.
Custo Brasil?
Mas vamos supor que houvesse efetivamente alguma perda. E que, num passe de mágica, as empresas resolvessem fugir da floresta e se transferir para os centros industrializados do país. Estamos ainda no campo das suposições. Que empresas topariam o Custo Brasil que belisca 40% de impostos em cima dos investimentos?
Neste cenário de miragem econômica, o Polo Industrial de Manaus deixaria de existir. E, em seu lugar, o que restaria para a Amazônia? Quem se disporia a financiar este custo social? Certamente, o governo federal não toparia. A RFB deixaria de receber a contribuição polpuda que o Amazonas lhe repassa discretamente a cada ano. Nem teria como arranjar outra fonte.
Lavanderia pecuniária
E o que restaria para o Amazonas com a consecução dessas medidas? Temos alguns estudos da Revista Piauí, um jornalismo investigativo de primeira, segundo o qual o crime organizado e a economia que não paga imposto se espalharam pela Amazônia com a velada permissão federal.
O garimpo e o desmatamento se destacam. Sem uma economia que emita NFE, a nota fiscal eletrônica, os empregos serão os mesmos de 60 anos atrás. Extrativismo e biopiratarias, ou pirataria mineral. De acordo com a revista, além de rota do tráfico, a Amazônia hoje fornece mecanismos de lavagem de dinheiro de origem ilícita. Verdadeiros leilões de mineração ilegal separam grupos em confronto sanguinolento para a lavanderia pecuniária.
Siga o dinheiro
Por falar em jornalismo investigativo, o que a revista Piauí está fazendo é seguir o dinheiro, follow the money. Uma estratégia antiga e sempre nova para compreender a rota dos interesses reais e fantasiosos em relação a Amazônia. Localizar os interesses fica mais fácil quando flagramos a fonte motivadora. Faz lembrar o romances de Ernest Hemingway, “Por quem os sinos dobram?”
O autor descreve a condição humana de um jovem angustiado que se alia às forças republicanas nos conflitos que antecederam a segunda Guerra Mundial, na luta contra o autoritarismo que se espalhou pela Europa. De um lado a violência autoritária do nazifascismo e de outro o burocratismo político de uma resistência que transforma a luta em privilégios de seus gestores.
Direito elementar
Os interessados em remover o programa ZFM de redução das desigualdades regionais escondem os interessados no espólio dessa “renúncia”. Uma desculpa esfarrapada que nos acusa de provocar a crise fiscal que por aqui não passa nem passará tão cedo.
As raizes do rombo fiscal estão plantadas no asfalto das disputas que ocorrem bem longe da floresta. Aqui, não temos nada a esconder a não ser o constrangimento e, cá pra nós, o aborrecimento de reivindicar o tempo todo um direito tão elementar de trabalhar em paz.
Nelson é economista, empresário e presidente do sindicato da indústria Metalúrgica, Metalomecânica e de Materiais Elétricos de Manaus, conselheiro do CIEAM e vice-presidente da FIEAM.
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