Operação foi possível graças à parceria entre ICMBio e Instituto Bicho D’Água que o filhote de peixe-boi foi encontrado
A história da filhote de peixe-boi amazônica batizada “Tupinambá” chegou para renovar a esperança em um 2023 melhor. Um dos mamíferos aquáticos mais ameaçados do Brasil de acordo com a lista atualizada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a fêmea órfã foi encontrada no primeiro dia do ano por uma família de ribeirinhos de Melgaço, no arquipélago do Marajó, e foi resgatada por uma força-tarefa convocada pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater). Participaram da operação a Prefeitura, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a organização não governamental (ONG) Instituto Bicho D´água (IBD).
Desde o momento inicial de acolhimento, quando o casal Adanilton Silva, 28 anos, pintor, e Patrícia Silveira, 28 anos, agente comunitária de saúde, salvou o animal na Baía de Melgaço e o manteve alimentado e protegido dentro da propriedade particular, a situação vem sendo acompanhada por especialistas das entidades envolvidas, de forma presencial e remota.
A equipe avalia condições de cativeiro, como qualidade da água, e estado clínico, como características de comportamento e fezes. A dieta também vem sendo prescrita com formulação especial, com leite de soja, suplementos e medicamentos manejados a partir de uma mamadeira com bico adaptado.
Quem de logo avistou a filhote sozinha, ferida e enfrentando dificuldades foi o pai de Patrícia e sogro de Adanilton, o caseiro Edilson Silveira, 47 anos. “O que a gente sabe é que, na região, é comum matarem peixe-boi pra comer, daí nós deduzimos que a mãe tenha sido capturada e o bebê tenha ficado perdido”, conta Patrícia. Nesta sexta-feira (6), a peixe-boi será transportada para a base federal de Caxiuanã, no mesmo município.
O nome “Tubinambá” (em tupi tubub-aba, “descendente”) foi escolhido pelos ribeirinhos por ocasião de uma lenda local. Pela oralidade ancestral, nas noites de luar uma cobra grande chamada “Tupinambá” aparece em um igarapé adjacente ao Balneário do Prefeito, nas imediações da Estrada do Moconha, com o objetivo de proteger a natureza. A distância até a sede de Melgaço consiste em torno de um quilômetro.
“Acreditamos até que ‘a cobra’ a que as pessoas se referem seja espécime de peixe-boi porque é o tipo de animal que a gente acaba vendo por aqui, no dia a dia, apesar da pesca predatória. Para nós, é muito gratificante ajudar, contribuir, fazer parte. Quem dera se todos pensassem da mesma forma, que é preservar”, diz Patrícia.
Cuidados – A engenheira de pesca do escritório regional da Emater no Marajó, Cleide Marques, mestra em Biologia Ambiental, acompanhará a comitiva de transporte da Tupinambá da moradia da família Silveira-Silva até a estação científica que o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) mantém na Floresta Nacional de Caxiuanã, entre os rios Anapu e Xingu. A proposta é que o animal permaneça lá sob os cuidados parceiros do ICMBio e mais apoio do IBD.
Nesta sexta-feira à tarde (6), o animal será transportado de voadeira, em um percurso aproximado de três horas, supervisionado por Marques e mais sete profissionais do ICMBio e do Instituto Bicho D’Água, incluindo biólogos e veterinários. “Existe um estudo complexo para o deslocamento. É tudo esmiuçado”, pontua Marques. A logística prevê hidratação, nutrição e monitoramento dos sinais vitais, além de treinamento e observação continuada da filhote, ao longo do fim de semana.
“Filhotes de peixe-boi dependem em absoluto da mãe por cerca de dois anos, tanto para conseguirem se alimentar quanto para conseguirem se proteger de predador, para aprenderem a nadar; até mesmo para respirar eles passam por uma dinâmica e um período nos quais começam a ser ensinados assim que recém-nascidos. Quando adultos, peixes-bois alimentam-se somente de plantas aquáticas, em caráter exclusivo”, explica a bióloga Renata Emin, doutora em Ciências, presidente do Instituto Bicho D’Água e uma das responsáveis pela operação de resgate.
Apoio – Nas palavras do supervisor regional da Emater no Marajó, o sociólogo Alcir Borges, a relação de confiança entre agricultores familiares e Emater facilita o acesso e a efetivação de políticas públicas, até mesmo em casos de emergência. “Os comunitários procuram de imediato a Emater porque é uma presença do Governo do Estado sempre junto com eles. Nosso papel é participar, no sentido amplo”, afirma.
Pela experiência institucional, histórias como a de Tupinambá não são atípicas na realidade do cotidiano amazônico de assistência técnica e extensão rural oficiais, segundo Borges. “Temos sido acionados algumas vezes. Vale lembrar que a convivência no ecossistema, com conhecimento tradicional e modernização tecnológica como aliados, visa à preservação, à valorização da vida e aos princípios ecológicos. Atuamos para que todos os anos sejam felizes anos novos”, completa.
Texto: Aline Miranda/Ascom Emater
Texto publicado originalmente por Agência Pará
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