A combinação de fatores climáticos radicalizados está impondo uma severa e histórica seca – entenda as consequências deletérias do fenômeno
A seca na Amazônia intensifica-se dia após dia. A falta de chuvas é comum nesta época do ano, mas com fatores como o El Niño e o aquecimento significativo do oceano Atlântico Norte, os impactos da seca em 2023 tornam-se ainda mais alarmantes.
Rios em declínio
Apesar de estarmos apenas no início do período seco, os rios da região já demonstram considerável diminuição. Diariamente, o Rio Negro perde cerca de 20cm, situando-se atualmente em 15,02m, conforme dados do Porto de Manaus. Em 2010, seu nível mais baixo foi registrado em 13,63m.
O coordenador geral de Ciências da Terra do Inpe, Gilvan Sampaio, indica que se os fenômenos climáticos continuarem intensificando-se até o próximo ano, podemos enfrentar “a pior seca já vista na Amazônia“.
A atual situação já mostra consequências severas para o bioma. A seguir, alguns dos danos observados e medidas emergenciais em curso:
Consequências para a fauna
Segundo a ONG WWF Brasil, mais de 100 botos e tucuxis foram encontrados mortos em leitos amazônicos desidratados recentemente. O Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, através de seu Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos, está realocando botos e tucuxis de áreas com pouca água para regiões mais profundas. Paralelamente, milhares de peixes mortos são evidenciados em vídeos nas redes sociais.
Crise energética
O declínio nos níveis dos rios afeta a geração de energia. Por exemplo, a Usina de Santo Antônio, situada no Rio Madeira, teve que ser desativada pela primeira vez. Apesar de não haver ameaça imediata de falta de energia, essa situação pode afetar o sistema energético do Brasil se persistir.
O transporte por via fluvial é vital na Amazônia, especialmente para comunidades ribeirinhas. Com a seca, a locomoção e o acesso à água tornam-se problemáticos. Severino Nobre, líder comunitário, expressou a gravidade da situação ao mencionar que sua comunidade enfrenta falta de água potável e condições precárias.
Educação interrompida
Por fim, o declínio no nível do rio Negro resultou no encerramento antecipado do ano letivo em escolas ribeirinhas. Embora o calendário escolar fosse programado para terminar posteriormente, teve que ser adaptado devido às condições atuais.
Desabastecimento Urbano O desafio do transporte fluvial em meio à seca eleva o risco de cidades amazônicas ficarem desabastecidas de itens essenciais. Com uma redução de 40% na capacidade de transporte por via fluvial nas últimas semanas, mais de 80 mil habitantes já sentem o impacto, conforme relato da Defesa Civil.
Em resposta a essa situação crítica, uma parceria entre os governos estadual e federal foi estabelecida para minimizar os efeitos da seca na população. O Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional prometeu fornecer itens essenciais, como água e cestas básicas. Conforme estimativa do governador Wilson Lima, a demanda pode chegar a 300 mil cestas básicas durante o período de estiagem.
*Queimadas e Impacto na Saúde As consequências da seca também se manifestam através de densas nuvens de fumaça que cobrem cidades como Manaus, resultado das queimadas que se intensificam na ausência de chuvas. O Amazonas, até o final de setembro, já havia registrado 6.991 focos de incêndio, marcando o recorde mensal para 2023 e o segundo pior setembro desde 1998, conforme dados do Inpe.
Esses incêndios não apenas prejudicam o meio ambiente, mas também a saúde pública. Um estudo conjunto da Fundação Oswaldo Cruz e WWF Brasil revelou um aumento nas internações hospitalares relacionadas a problemas respiratórios, entre 2010 e 2020, em estados fortemente afetados pelas queimadas, como Pará, Mato Grosso, Rondônia, Amazonas e Acre.
Resposta Governamental
Diante da crise, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, juntamente com uma equipe de ministros, visitou áreas impactadas e apresentou soluções emergenciais. Dentre as ações propostas, destacam-se duas importantes obras de dragagem nos Rios Solimões e Madeira, situados no Amazonas.
Com um investimento previsto de mais de R$138 milhões, o principal objetivo dessas intervenções é restaurar a navegabilidade dos rios, facilitando assim o transporte de pessoas e bens. A intervenção no Rio Solimões, por exemplo, já obteve aprovação e deve iniciar em breve: um projeto de 8 quilômetros, orçado em R$ 38 milhões e com duração estimada de 30 dias.
Ações governamentais frente à crise
A continuidade das intervenções inclui uma segunda dragagem de 12 quilômetros que ainda está em processo de contratação pelo Ministério dos Portos e Aeroportos. Com um investimento estimado de R$ 100 milhões, espera-se que a obra dure entre 45 a 60 dias.
Além das medidas diretas de infraestrutura, o governo mostrou preocupação com o aspecto social da crise. Para aliviar o impacto econômico nas regiões mais afetadas, decidiu-se pela antecipação dos pagamentos do Bolsa Família e do BPC para o dia 19 deste mês. Agricultores vinculados ao Pronaf, que sofreram com a perda de suas colheitas devido à seca, receberão compensações por meio do pagamento integral do seguro agrícola.
O agravamento da crise hídrica levou o Estado do Amazonas a declarar uma Situação de Emergência Ambiental. Em resposta, o Ibama comprometeu-se a reforçar os esforços do governo estadual no combate a incêndios, oferecendo mais brigadistas e equipamentos. Atualmente, sete brigadas de incêndio, totalizando 140 brigadistas do Ibama e do ICMBio, estão em campo, focadas especialmente no sul do Amazonas e na área metropolitana de Manaus, para conter os focos de incêndio.
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