O que se sabe até agora é que a dinâmica do comércio de ouro no Brasil é contaminada pela ilegalidade quando a origem da extração é a Amazônia
Por Daniela Chiaretti – O GLOBO
A atriz Débora Falabella fala sobre o drama dos índios que vivem em terras invadidas por garimpeiros, rios contaminados por mercúrio, matas sem caça e comunidades vítimas de violência. De repente, olha para a câmara e diz: “Estou parando de usar ouro a partir de hoje, porque a minha riqueza é de outra ordem” — e vai tirando seus brincos e anéis em protesto à tragédia indígena.
A cena da série “Aruanas” (produção da Globo para o Globoplay, em coprodução com a Maria Farinha Filmes), que foi ao ar em junho de 2020, mostra a indignação da jornalista Natalie Lima Melo, personagem vivida por Débora Falabella. A ficção, infelizmente, não poderia ser mais atual.
A tragédia que vive o povo Yanomami coloca a angústia aos consumidores: de onde vem o ouro? Quem garante que esse anel ou aquele colar não causou a morte de uma das 570 crianças indígenas que morreram nos últimos quatro anos por doenças que têm tratamento e estão relacionadas à invasão garimpeira na TI Yanomami, segundo revelou o site Sumaúma? Ou de outros povos na mesma situação?
A cena acima foi resgatada pelo Instituto Alana, que se dedica há anos à busca de um mundo melhor para as crianças. A campanha da ONG faz uma provocação: “Convidamos todos a repensar nosso conceito de riqueza e valorizar o que temos de mais precioso: as crianças, a natureza, o conhecimento e a cultura dos povos originários”.
Desde que fotos de indígenas em pele e osso vieram a público, em janeiro, busca-se saber o que causou tudo, o que deve ser feito na emergência e a longo prazo, e como equacionar um problema que se arrasta há anos, nos Yanomami e em outros lugares. O que se sabe até agora é que a dinâmica do comércio de ouro no Brasil é contaminada pela ilegalidade quando a origem da extração é a Amazônia. Morrem gente, árvores, animais, rios, solos. Por qual valor a vida está em risco? O que há de ESG nisso?
Em agosto de 2022, um evento promovido no Instituto Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo, discutiu a mineração na Amazônia. Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, disse que o garimpo na Amazônia ocupa área maior à da mineração industrial e que a região concentra 93% dos garimpos de todo o Brasil. A lei n° 12.844/2013 permite a qualquer pessoa do garimpo vender ouro para instituições autorizadas pelo Banco Central sem comprovar que a extração foi feita direitinho. É o princípio da boa-fé.
“Precisamos desarmar essa bomba, mudando a legislação”, defende Sérgio Leitão, diretor do Instituto Escolhas, que há anos estuda o tema. Na saída do evento, um observador comentou: “Isso só se resolverá quando a origem do ouro puder ser rastreada ou usar ouro for cafona e condenável como usar casacos de pele”.
Mudando de país e de temática, mas seguindo em confrontos socioambientais, a Etiópia vive uma das maiores crises educacionais globais, em função de conflitos internos e mudança do clima. Mais de 3,6 milhões de crianças etíopes estavam fora da escola em dezembro, segundo relato da agência da ONU que cuida da educação em situações de crises prolongadas.
O país vem sendo castigado por fortes secas assim como a Somália, o Quênia e outras nações do Chifre da África. No Chad, recentes inundações foram devastadoras. São exemplos de quanto o continente mais pobre do mundo está sofrendo com conflitos permanentes acentuados pela emergência climática —abissais dificuldades alimentares, energéticas, de água, de saúde.
Algumas organizações internacionais acreditam que mudança do clima deveria fazer parte da grade escolar no mundo todo. A ONU defende que o tema faça parte formal do ensino em 2025. Um artigo do World Economic Forum menciona estudo do think tank americano Brookings que argumenta que maior consciência ambiental na escola provocaria mudanças no comportamento dos consumidores. Eles reduziriam lixo, compras inúteis, uso de água, energia, recursos naturais. E, possivelmente, produtos que fazem mal a outros seres vivos.
Texto publicado originalmente em O GLOBO
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