No meio do caminho, eventual decisão do governo de alterar as metas inflacionárias poderá apimentar o mercado cambial com mais volatilidade e até segurar um tanto o apetite da apreciação. A taxa de inflação já se encontra em nível razoavelmente administrável, em grande parte, graças ao aperto monetário, acumulando menos de 4% na variação dos últimos doze meses até maio.
Por Márcio Holland
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Coluna Follow-Up
Desde o começo do governo Lula 3, entre altos e baixos, o real vem se valorizando. Neste primeiro semestre, a cotação da moeda brasileira em dólar norte-americano desabou de 5,4 para abaixo de 4,8, e projeções abaixo de 4,5. Por que o real vem se valorizando? Quais as expectativas para os próximos meses?
Estamos experimentando um ciclo de valorização de moedas de diversas economias emergentes, e o Brasil e nossos vizinhos não são exceções à regra. Em termos reais efetivo, ou seja, descontando taxas de inflação e levando em consideração a cesta de moedas de parceiros comerciais, os pesos colombiano, mexicano e chileno passam por uma fase de valorização, assim como o real brasileiro.
Há uma certa normalização internacional, ou ausência de choques, depois da fase de grande estresse devido ao conflito Rússia-Ucrânia, quando pressões inflacionárias foram seguidas de altas nas taxas de juros mundiais. Neste momento, vivese um clima de relativa calmaria e de arrefecimento das taxas de inflação e acomodação nas políticas monetárias nas economias avançadas, mas elevadas taxas reais de juros em economias emergentes como a brasileira.
Estamos colhendo os frutos de um ciclo de forte aperto monetário. No rasto de pressões inflacionarias, a taxa Selic saiu de 2% ao ano, no começo de 2021, para 13,75% ao ano, em agosto de 2022, mantendo-se neste patamar até então. Isso certamente abre uma janela de oportunidade para investidores estrangeiros realizarem ganhos financeiros de curto prazo. Mesmo com um eventual início do ciclo de afrouxamento monetário doméstico, por algum tempo o Brasil permanecerá com elevadas taxas de juros reais na comparação internacional. O diferencial de juros a favor do Brasil atrai investidores financeiros de curto prazo, em contexto de queda no prêmio de risco e menor volatilidade cambial.
No meio do caminho, eventual decisão do governo de alterar as metas inflacionárias poderá apimentar o mercado cambial com mais volatilidade e até segurar um tanto o apetite da apreciação. A taxa de inflação já se encontra em nível razoavelmente administrável, em grande parte, graças ao aperto monetário, acumulando menos de 4% na variação dos últimos doze meses até maio.
Com previsão para fechar o ano em torno de 5%, o cenário para 2024 indica que o IPCA deverá caminhar para dentro das metas, o que pode tornar mais problema do que solução qualquer mudança nas estratégias do regime de meta inflacionária. Uma alteração de percurso pode causar ruídos e volatilidades nos mercados financeiros, ao passar a mensagem de leniência para com inflação.
A aprovação do novo arcabouço fiscal, mesmo não sendo capaz de estabilizar o endividamento público, envia sinal de que a governabilidade está sendo construída e isso pode ser visto como positivo para que outras medidas econômicas do governo sejam colocadas em prática. Entre elas, tem-se a reforma tributária, o que anima mercados, provoca mais entrada de capitais e mais força apreciativa para o real.
As projeções para o crescimento do PIB vêm sendo sistematicamente elevadas, desde começo do ano. Na primeira edição do ano, o relatório de expectativas do Banco Central do Brasil indicava crescimento abaixo de 1% e, antes mesmo de fechar o primeiro semestre, já se projeta crescimento acima de 2%. É provável que esse relativo otimismo reveja o crescimento para 2024, para patamar similar. Essas revisões altistas melhoram projeções para a arrecadação tributária e, com isso, para os resultados das contas públicas. Novamente, as forças apreciativas ganham mais tração.
Contudo, a taxa de câmbio é sempre um mistério e de difícil previsão, uma espécie de “invenção dos deuses para enganar os economistas”. Trata-se de um preço chave da economia que é afetado tanto por fatores externos quanto domésticos, entre políticos e econômicos, estruturais e conjunturais. No curtíssimo prazo, as moedas são ativos financeiros, objetos de compra e venda em mercados à vista e futuros, aqui e nas principais bolsas de futuro do mundo. Ou seja, é um preço altamente contaminado pelas expectativas de curto prazo, que vêm e vão.
Aparentemente, o real está se acomodando em novo patamar mais apreciado do que o do ciclo anterior, mas no que depender dos fatores domésticos, é preciso que o governo evite ruídos sobre a execução da política monetária e sustente o processo de construção de governabilidade e aprovação de medidas e reformas estruturais importantes para a economia.
Márcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV, onde coordena os “Diálogos Amazônicos” e a Pós-Graduação em Finanças e Economia (Master)
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