“Em qualquer cenário, porém, tudo só irá mudar quando o Brasil assumir, adotar, enfim, abraçar a Amazônia, sair do discurso da soberania para praticar uma economia arrojada, corajosa e não destrutiva. Assim todos sairemos ganhando a começar pelo próprio Brasil e pelos brasileiros que terão orgulho de fazer parte da nova civilização que sempre será chamada de Amazônia, nossa Amazônia.”
Por Eunice Michiles
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Na semana passada, em meio a tragédias e transtornos climáticos, o Brasil celebrou o aniversário da Amazônia, justamente no mesmo dia 5 de Setembro em que, outrora, comemorávamos a elevação do Amazonas à categoria de Província, ocorrida em 1850. Antes disso, a região se chamava Grão-Pará e Rio Negro. Com a iminência da abertura do Rio Amazonas à navegação internacional, o Brasil Império decidiu elevar o status político e administrativo do Amazonas para fazer parente à invasão estrangeira. Os livros didáticos oficiais, talvez, não dêem importância a isso. Ou digam que nos tornamos independentes do Pará, o que não passa de uma grande bobagem.
Falta de imaginação nacional ou confirmação da pouca importância que o Brasil dedica a essa região que o mundo inteiro gostaria de chamar de sua. Temos razões para desconfiar que muitos brasileiros não sabem direito a diferença entre Amazônia, ou seja, esse patrimônio incrível que ocupa toda a região Norte, e o Estado do Amazonas, o mais rico e geograficamente mais amplo dos nove estados que compõem a chamada Amazônia Legal. Somos a região que mais frequenta o imaginário da Humanidade, e ao mesmo tempo, somos tratados pela União como se fôssemos cidadãos de menor relevância nacional. As diferenças absurdas entre o Sul e o Norte do Brasil apenas confirmam essa suspeita.
Por que a Amazônia, para dar um exemplo, mais de meio século de criação da Zona Franca de Manaus, entre outras iniciativas da mesma época, continua exibindo deploráveis Indicadores de Desenvolvimento Humano? A região mais rica do planeta em recursos da biodiversidade, com mais de 20% da água potável da Terra, com reservas minerais cobiçadas pelo mundo desenvolvido, não temos como explicar esse paradoxo de IDHs tão baixos.
Vemos falar de serviços ambientais que a floresta oferece para combater as tragédias do clima e que valem bilhões de dólares. Por que, apesar disso, permanecemos uma região tão pobre? Por que, sendo um dos estados mais empobrecidos do país, o Amazonas aparece entre os maiores contribuintes da Receita Federal? Perguntas que os governos que entram e saem precisam responder.
Usamos algumas desculpas meio esfarrapadas. Culpamos as ONGs, organizações que são pagas pelas corporações estrangeiras para não deixar o Brasil explorar as riquezas da Amazônia. Não faz sentido usar essa suposta ingerência estrangeira como razão suficiente para justificar tanta omissão e descaso com a Amazônia. Isso é conversa fiada. Ouço falar que as organizações criminosas do narcotráfico se mudaram para a Amazônia.
E que estão comprando garimpos em áreas públicas para lavar dinheiro. Essa é uma conversa preocupante. Ora, tanto as ONGs como os traficantes só poderiam fazer o que fazem porque o Estado Brasileiro não sabe o que fazer com a Amazônia, não tem capacidade de fiscalização nem de promoção de desenvolvimento com o aproveitamento inteligente de nossas riquezas naturais e abundantes. Está na hora de virar essa chave.
Há quanto tempo vamos esperar a Amazônia do futuro? Por que criamos a Embrapa e com ela fizemos do agronegócio um orgulho nacional e deixamos de lado os fármacos, cosméticos e suplementos nutricionais que a Embrapa na Amazônia, juntamente com o INPA e a UFAM poderiam alavancar muitas vezes os recursos das commodities da agricultura? Fizemos a EMBRAER e não tratamos de imitar a engenharia naval dos ingleses que investiram pesado em logistica adaptada à Amazônia e se fizeram ricos no Ciclo da Borracha.
O Brasil precisa adotar a Amazônia, chamar de sua, aproveitar suas riquezas com inteligência e proteção dos recursos naturais. O resto é desculpa para não recuperar a BR-319 ou a BR-174. Temos, entretanto, tudo o que o Brasil precisa para ocupar a galeria das grandes civilizações. Basta uma decisão de grandes estadistas.
Os problemas, entretanto, continuam os mesmos que eram denunciados pelos discursos inflamados do Congresso Nacional, em tempos de “Pra Frente Brasil”, coincidentemente logo após a instalação da Zona Franca de Manaus e da SUDAM. Implantadas e deixadas à própria sorte. A região que desse seu jeito.,Questões de Infraestrutura, Isolamento Geográfico, Exploração Desordenada, Conflitos Fundiários, Desmatamento, Baixa Qualidade da Educação, Acesso Limitado à Saúde, Economia Dependente de Recursos Naturais, Governança Frágil, Investimentos Insuficientes em Ciência e Tecnologia.
Priorizar investimentos em Ciência e Tecnologia na Amazônia pode ajudar a superar esses desafios, impulsionando o desenvolvimento sustentável e transformando o Brasil em uma nação mais próspera, ao mesmo tempo em que protege esse importante ecossistema global. Em qualquer cenário, porém, tudo só irá mudar quando o Brasil assumir, adotar, enfim, abraçar a Amazônia, sair do discurso da soberania para praticar uma economia arrojada, corajosa e não destrutiva. Assim todos sairemos ganhando a começar pelo próprio Brasil e pelos brasileiros que terão orgulho de fazer parte da nova civilização que sempre será chamada de Amazônia, nossa Amazônia.
Eunice Mafalda Berger Michiles, nasceu em São Paulo, mas passou a viver, depois de casada com o líder político Darci Michiles, na Amazônia, no município de Maués, a terra do guaraná. Ela é uma professora e política brasileira que representou o Amazonas no Congresso Nacional. Foi a primeira mulher a ocupar um assento no Senado Federal pelo voto popular e a segunda depois da Princesa Isabel, senadora vitalícia (por direito dinástico).
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