A crescente produção nacional de castanha de caju, que atingiu 146.603 toneladas em 2022, segundo dados do IBGE, acendeu uma luz inovadora no setor de energia. O Ceará, principal produtor desta fruta, tem encontrado uma forma revolucionária de aproveitar os resíduos advindos não apenas da indústria da castanha, mas também da produção de suco de caju.
Pesquisadores do Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com a Universidade de Nápoles, na Itália, descobriram que o bagaço de caju pode ser convertido em uma fonte de energia limpa: o hidrogênio.
A relevância do gás hidrogênio como combustível estratégico é inegável. Este gás, ao ser queimado, libera até duas vezes mais energia do que combustíveis à base de petróleo, sem a emissão de poluentes como o dióxido de carbono. A sua utilização poderia ser uma solução vital na luta contra as mudanças climáticas. Contudo, os processos tradicionais de produção e armazenamento de hidrogênio exigem grandes investimentos.
A proposta dos pesquisadores da UFC é promover uma revolução nessa dinâmica. Ao optar pela produção biotecnológica de hidrogênio, os cientistas buscam um processo mais sustentável, que envolve a conversão microbiológica de água e substratos orgânicos, neste caso, o bagaço de caju. Essa técnica utiliza matérias-primas renováveis, opera em temperatura ambiente e não requer alta pressão.
Professora Maria Valderez Ponte Rocha, uma das líderes do projeto, destaca: “A biomassa vegetal, no nosso caso proveniente do bagaço de caju, oferece uma redução significativa nos custos de produção. Esse subproduto da indústria do caju e suco da fruta é uma fonte abundante, econômica e versátil, perfeita para a produção de bio-hidrogênio.”
Os benefícios não param por aí. Uma vez submetido ao pré-tratamento físico, o bagaço de caju pode ser armazenado sem a necessidade de condições especiais, economizando energia e recursos. “Estamos não apenas economizando com matérias-primas caras, mas também dando uma nova vida a um resíduo frequentemente descartado, valorizando toda a cadeia produtiva da agroindústria do caju. Além disso, temos o potencial de incentivar pequenas cooperativas a coletar e fornecer esse bagaço”, complementa a Profª Rocha.
Este projeto, portanto, não apenas ressalta o potencial da inovação em energia limpa, mas também o poder da economia circular, onde resíduos são reutilizados, gerando benefícios econômicos, ambientais e sociais para toda a comunidade.
Como o bagaço de caju está moldando o futuro das energias renováveis
A crescente preocupação com as mudanças climáticas e a busca por alternativas limpas e renováveis de energia está levando cientistas a explorar territórios inovadores. Um desses territórios, bastante promissor, encontra-se no coração do Ceará, mais precisamente no Grupo de Pesquisa e Desenvolvimento de Processos Biotecnológicos (GPBIO) da Universidade Federal do Ceará.
Há duas décadas, o GPBIO conduz pesquisas focadas no aproveitamento do bagaço de caju. Durante esse tempo, eles desenvolveram bioprodutos notáveis, como etanol, ácido lático e xilitol – um adoçante de alto valor comercial. Seus feitos pioneiros foram reconhecidos mundialmente, com publicações em periódicos de destaque.
Em 2017, inspirados por uma colaboração com a Universidade de Nápoles, que já tinha experiência em produção de hidrogênio e células combustíveis, o GPBIO iniciou um estudo ambicioso: a produção de hidrogênio a partir do bagaço de caju. A pesquisa rendeu o primeiro artigo sobre o tema no ano seguinte, e desde então, com a aquisição de equipamentos de ponta através do Edital de Energias Renováveis da FUNCAP, a equipe vem refinando e otimizando essa rota tecnológica.
A inovação do grupo foi recentemente apresentada no 11º Congresso Mundial de Engenharia Química em Buenos Aires, consolidando sua posição na vanguarda da pesquisa em energia limpa.
Entendendo o processo
A magia acontece quando bactérias entram em cena. O bagaço de caju, fornecido por parceiros industriais, é lavado, secado, triturado e armazenado. Em seguida, ele passa por um processo de hidrólise, resultando em um meio rico em glicose e xilose – essenciais para o crescimento microbiano.
O hidrogênio é produzido em reatores que monitoram variáveis como luminosidade, agitação e tipos de bactérias, garantindo a máxima eficiência na produção. Mas o potencial do bagaço de caju não se limita ao hidrogênio; os pesquisadores estão de olho na instalação de biorrefinarias, que poderiam produzir uma série de bioprodutos a partir de uma única matéria-prima, seguindo o conceito de refinarias de petróleo.
A Profª Valderez Rocha destaca que o GPBIO já estudou a produção de diversos bioprodutos a partir do bagaço de caju. “A biorrefinaria apresenta uma série de vantagens, principalmente na minimização da geração de poluentes e resíduos”, afirma Rocha.
Olhando para o futuro
O grande sonho do GPBIO é criar uma biorrefinaria dedicada ao bagaço de caju, maximizando a eficiência na utilização deste recurso. “A implementação de uma biorrefinaria permitirá diminuir custos e aproveitar ao máximo a composição da matéria-prima”, explica Rocha.
A busca por parceiros e financiamentos continua, com o GPBIO explorando colaborações com a Federação das Indústrias do Estado do Ceará e envolvendo-se em iniciativas governamentais.
Com a dedicação e inovação que têm demonstrado, a equipe de pesquisa está posicionando o Ceará – e o Brasil – como líderes na exploração de fontes renováveis de energia. A Profª Rocha conclui com otimismo: “Esta área tem o potencial de trazer contribuições inestimáveis para o futuro energético sustentável do país.”
*Com informações CICLO VIVO
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