Reportagem teve acesso a áudios vazados que mostram relação bastante conturbada do banco com empresário considerado um dos maiores criminosos da Amazônia.
Gravações obtidas por O Joio e O Trigo e Repórter Brasil revelam que um executivo do Itaú Unibanco, Pedro Barros, teria desempenhado um papel fundamental na aprovação de um financiamento à AgroSB, empresa associada a infrações ambientais na Amazônia.
A AgroSB, braço agropecuário do Grupo Opportunity, fundado por Daniel Dantas, possui 13 fazendas na Amazônia, onde realiza atividades de cultivo de soja, milho, cacau e criação de gado. Nos últimos 15 anos, acumulou R$ 344 milhões em multas ambientais e enfrenta embargos do Ibama em duas áreas.
A polêmica do financiamento
Embora o crédito de R$ 25 milhões concedido pelo Itaú esteja em conformidade com as normas do Banco Central em termos socioambientais, especialistas questionam a política de sustentabilidade do banco e de outras instituições financeiras brasileiras.
Áudio comprometedor
Áudios atribuídos a Guilherme Treu, coordenador de estratégia ESG do Itaú, revelam que Barros insistiu na aprovação do financiamento, apesar de a equipe de análise socioambiental classificar a AgroSB como um cliente de “risco alto”.
“Eu entrei lá e falei ‘ó gente, ele [Agro SB] é risco alto, ele não tem práticas condizentes com o nosso Plano Amazônia”
Durante uma reunião do Comitê de Risco Social, Ambiental e Climático (CRSAC) do Itaú Unibanco, a reputação do banco foi questionada em relação ao financiamento à AgroSB, levantando dúvidas sobre a congruência com o Plano Amazônia, uma iniciativa lançada em 2020 por Itaú, Bradesco e Santander para promover o desenvolvimento sustentável na região.
“Reputacionalmente o banco precisa desse cara? A gente precisa trabalhar com esse tipo de cliente, que já foi carimbado como um dos maiores desmatadores da Amazônia?”, questiona.
Resposta da AgroSB
Através de sua assessoria de imprensa, a Agro SB declarou que “todas as áreas de operação da empresa, envolvendo a produção de soja, milho e criação de gado, não estão sujeitas a embargos. Os embargos mencionados estão localizados em áreas que, por sua natureza, não deveriam abrigar nenhuma atividade, sendo consideradas como Reserva Legal.”
A nota da empresa esclarece que, dentre os dois embargos em vigor mencionados na reportagem, um deles ocorre em uma fazenda atualmente ocupada por invasores, que estão envolvidos em atividades ilegais, como invasão, desmatamento e obstaculização da regeneração natural da área. Quanto ao segundo embargo, a AgroSB alega ter apresentado ao Ibama evidências de completa regeneração da área há vários anos e está aguardando uma resposta do órgão em relação ao seu pedido de desembargo. Até o momento, o Ibama não se manifestou em resposta às perguntas da reportagem.
Em março deste ano, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) aprovou um protocolo para exigir de seus clientes frigoríficos da Amazônia Legal e do Maranhão mecanismos de rastreamento da origem do gado adquirido. No entanto, executivos dos bancos envolvidos no Plano Amazônia discutiram internamente as diretrizes da norma, buscando manter a articulação em sigilo para evitar percepções de influência excessiva.
O posicionamento do Itaú Unibanco e a CPR
O Itaú Unibanco, por meio de sua assessoria de imprensa, defende que seu relacionamento com a Agro SB está em conformidade com as políticas ambientais do banco. Eles alegam que a empresa possui práticas sustentáveis, compromisso de desmatamento zero e rastreabilidade de sua produção. Além disso, o banco não revela a finalidade da Cédula de Produto Rural (CPR), citando sigilo bancário, mas afirma que impôs um plano de monitoramento à Agro SB, bem como outras condicionantes.
Os executivos envolvidos, Guilherme Treu, Pedro Barros e Matias Granata, foram contatados por meio da assessoria de imprensa do Itaú, mas optaram por não se manifestar publicamente sobre o assunto.
A Agro SB obteve um crédito de R$ 25 milhões do Itaú Unibanco na forma de uma Cédula de Produto Rural (CPR). Esse tipo de crédito é baseado na projeção da produção do produtor rural e oferece vantagens, como a isenção do Imposto sobre Operações Futuras (IOF). Pode ser utilizado em diversas atividades, desde agricultura e pecuária até a fabricação de produtos processados.
O valor da CPR obtida pela Agro SB é significativamente maior do que a média das CPRs emitidas em julho, de acordo com informações do Ministério da Agricultura. A empresa apresentou imóveis no valor de R$ 277 milhões como garantia para essa operação e outra com o Banco do Brasil.
Regulamentação do crédito rural e limitações
A regulamentação atual do Banco Central veda a concessão de crédito a fazendeiros na Amazônia com áreas embargadas, mas essa restrição não se aplica à CPR. Luciane Moessa, diretora executiva da associação Soluções Inclusivas Sustentáveis, destaca que o crédito rural não é a principal fonte de financiamento do agronegócio brasileiro, especialmente para grandes produtores que recorrem cada vez mais a instrumentos do mercado de capitais, como a CPR. Esses instrumentos não estão sujeitos às mesmas exigências socioambientais do crédito rural tradicional.
Desafios na política ambiental dos bancos
O financiamento da Agro SB pelo Itaú levanta questões sobre a política ambiental do banco e de outras instituições financeiras brasileiras. Thaís Bannwart, porta-voz do Greenpeace no Brasil, argumenta que essa situação expõe falhas nas políticas dos bancos ao não considerar as irregularidades ambientais e sociais de empresas como a Agro SB, independentemente do destino dos recursos. Ela enfatiza a necessidade de instituições financeiras e reguladores do mercado assumirem a responsabilidade adequada no tratamento de recursos para empresas associadas a desmatamento e violações de direitos.
O Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas do Itaú estabelece que pessoas jurídicas classificadas como produtores rurais devem passar por análises automatizadas ou individualizadas, incluindo a verificação de embargos por infrações ambientais. O documento não proíbe a concessão de crédito a clientes com passivos ambientais, mas enfatiza o compromisso do banco em apoiar a preservação da Amazônia através de uma análise mais rigorosa dos proprietários de negócios na região. O Itaú reconhece que uma empresa pode ser classificada como de alto risco devido a diversas razões, incluindo sua atuação em setores com impactos socioambientais ou climáticos significativos, ou seu histórico de controvérsias nesses aspectos.
Apesar de não haver regulamentação específica para o financiamento via mercado de capitais/CPR, agentes financeiros deveriam realizar diligências ambientais mínimas para todos os setores econômicos de risco, de acordo com Luciane Moessa. No entanto, devido à regulação mais frouxa para operações que não se enquadram no crédito rural, isso nem sempre acontece. Isso significa que o setor financeiro ainda pode estar envolvido no financiamento do desmatamento ilegal no Brasil.
Posição da Agro SB e falta de resposta do Banco Central
A Agro SB não forneceu detalhes específicos sobre a CPR, mas afirmou que todas as partes envolvidas, incluindo a instituição financeira, respeitaram os preceitos éticos e legais, não havendo ilegalidades no negócio. A reportagem procurou o Banco Central para obter esclarecimentos, mas não obteve resposta.
Com informações da Repórter Brasil
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