“Em nossos dias, a ideia de imposto mundial se manteve e se chama crédito de carbono, uma moeda que apenas precisa de ser atualizada à luz das décadas constantes dos benefícios que a Amazônia tem propiciado ao planeta e ao clima.”
Por Belmiro Vianez Filho
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Início dos anos 90, muitas incertezas, ameaças e debates internacionais e domésticos que envolviam a Amazônia. Naquele momento, exercia a defesa do Comércio na vetusta e combativa ACA, Associação Comercial do Amazonas, uma referência histórica na gestão dos interesses econômicos, sócio-culturais e debates políticos de interesse de nossa terra. Do Planalto Central, Fernando Collor e sua reviravolta, ao mesmo tempo corajosa e também aloprada.
Senadores americanos haviam desembarcado em Rondônia, curiosos em saber a razão pela qual os agricultores paranaenses abriram sua melhor sucursal no Estado dedicado ao nosso maior desbravador, o Marechal Rondon. Os senadores saíram daqui com sua equipe de comunicação devidamente espalhafatosa e instruída para transformar as supostas queimadas da Amazônia rondoniense na grande vilã do aquecimento global. Este era o cenário ambiental, agravado pela abertura da economia brasileira ao comércio global, e pelas ameaças que isso significava para a indústria e o comércio da Zona Franca de Manaus.
Os debates na Associação Comercial eram calorosos. Aplausos e críticas e misturavam. Belmiro Vianez, Edgar Monteiro de Paula, Mário Guerreiro, os irmãos Loureiro, uma trupe aguerrida e diversificada em torno denim propósito: a sobrevivência. As vantagens prometidas por Collor eram (?) maiores do que o confisco da poupança do povo brasileiro. A situação do interior do Amazonas, caótica. E ficaria pior se as ameaças se concretizaram. E se concretizaram com mais rapidez do que imaginávamos todos. Os jornais anunciaram a realização da conferência da ONU sobre o meio-ambiente e desenvolvimento no Rio de Janeiro e as lideranças empresariais do Amazonas estavam em campo para evitar o esvaziamento da economia da ZFM.
Tínhamos um valioso aliado ocupando a governança do Estado, o governador Gilberto Mestrinho. Ele estava em seu terceiro mandato e seu gás estava recarregado para defender nossa terra, a sobrevivência e a dignidade da população. Aprendi com seo Belmiro, meu amado pai, a conhecer e desfrutar de sua amizade com Gilberto e admirar sua conduta guerreira e faceira de Boto Navegador.
Diante da abertura fatal que liquidaria de morte o comércio, seguido da indústria, Gilberto convocou a todos os envolvidos do setor produtivo para planejar, detalhar e compartilhar o plano de defesa do Amazonas. Ninguém jamais fizera isso. Convocar empresário para debater política fiscal e acolher as sugestões que resguardassem o interesse público, sua responsabilidade sagrada. E assim foi feito e por isso sobrevivemos todos. Relembrar, neste caso, é sempre um motivo para exaltar este grande líder que o Amazonas jamais esquecerá.
E quanto à imposição global de assentar a Amazônia na cadeira dos réus no teatro do aquecimento global? Naquele momento, como em outros em que se fazia necessário defender a Amazônia, a tribo se reuniu em mutirão sob a batuta dupla de duas referências históricas. No âmbito político, Gilberto Mestrinho e na tribuna acadêmica, científica, institucional, o professor Samuel Benchimol. Uma estrela dourada da saga judaica marroquina que desembarcou há mais de dois séculos na Amazônia. Aqui o povo judeu se misturou com todas as etnias e, através do trabalho duro, assumiu o desafio de ajudar a implantar na região um movimento de transformação socioambiental e econômica.
Neste mês, a família Benchimol Minev fez uma simbólica, digna e justa homenagem ao professor Samuel para celebrar seu centenário de nascimento. Aliás, são necessárias e oportunas todas as homenagens prestadas a amazônidas com esse perfil fecundo e comprometido como foi o professor Samuel Benchimol e, agora mais ainda, com a iniciativa meritória do seu Memorial instalado no Centro Cultural Povos da Amazônia, na Bola da Suframa, já acessível para visitas diárias e gratuitas.
Juntos, Samuel e Gilberto, disseram ao mundo que os profetas do Apocalipse e sua denúncia diabólica foi oportunista, vazia e irresponsável. E apontaram a falácia das queimadas dos senadores americanos. Por A mais B, passaram a demonstrar que os países desenvolvidos eram os grandes responsáveis pelo aquecimento do planeta, dos desastres ambientais que se agravavam a cada dia.
E mais: citando frequentemente Samuel Benchimol, Gilberto, com ironia, demonstrou que os satélites espiões do Pentágono, a agência especial americana, não haviam sequer desenvolvido tecnologia para diferenciar neblina de fumaça. E que as queimadas da Amazônia eram similares às queimadas da florestas da Califórnia, ou seja, eram sazonais e estavam associadas a fenômenos naturais. E que o aquecimento global está associado ao volume de emissão dos gases do efeito estufa, o dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, principalmente. Viramos chave e, 40 anos depois, temos orgulho de dizer que o Brasil lidera o ranking mundial de energia renovável.
Devemos a Gilberto, o Boto, a coragem de trazer para o Amazonas todos os principais líderes mundiais antes da Conferência do Clima, ocorrida no Brasil, em 1992, e lhes mostrar a cobertura quase intocável de nossas florestas. Ele chegou ao ponto de fazer o premiê alemão, Helmuth Kohl, depois de um passeio de três horas de helicóptero Búfalo, do Exército Brasileiro, trecho de Manaus a São Gabriel da Cachoeira, perguntar na entrevista aos jornalistas estrangeiros: “Afinal, onde estão as queimadas”.
E ao professor Samuel Benchimol, com sinceras felicitações, devemos, alem do portfólio de 150 livros, o conceito paradigmático de Sustentabilidade, segundo o qual, um empreendimento precisa ser economicamente viável, politicamente correto, socialmente justo e ambientalmente sustentável.
Baseado neste conceito e consciente das nossas contribuições positivas para o clima, através da floresta amazônica, Samuel Benchimol sugeriu a cobrança do imposto ambiental para proteção da Amazônia, uma ideia que a ONU e suas conferências demoraram décadas para estabelecer. Em nossos dias, a ideia de imposto mundial se manteve e se chama crédito de carbono, uma moeda que apenas precisa de ser atualizada à luz das décadas constantes dos benefícios que a Amazônia tem propiciado ao planeta e ao clima
Belmiro Vianez Filho é empresário do comércio, ex-presidente da ACA e colunista do portal BrasilAmazôniaAgora e Jornal do Commércio
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