Novo relatório científico revela que em decorrência do recorde extremamente preocupante de temperatura, a região do Ártico vem sofrendo com crescente ‘verdeamento’ de sua paisagem, perda de gelo marinho e impactos significativos nas cadeias ecológicas
Em 2023, o Ártico experimentou seu verão mais quente, com temperaturas médias atingindo 6,4°C durante julho e agosto. Este valor superou o recorde anterior de 2016 por meio grau, conforme relatado pela Agência Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa). O relatório anual, em sua 18ª edição, foi divulgado destacando um ano particularmente quente.
O relatório da Noaa evidencia uma tendência contínua e em alguns casos acelerada das mudanças no Ártico, impulsionadas pelas mudanças climáticas antropogênicas. Esta transformação inclui a redução do gelo marinho, aumento das precipitações e elevação das temperaturas superficiais do mar. Paul Overduin, geocientista do Instituto Alfred Wegener Helmholtz para Pesquisa Polar e Marinha, contribuiu para o relatório e enfatizou a anormalidade desta situação. Ele destacou mudanças significativas nas estações do ano, com a primavera chegando mais cedo, o outono mais tarde e um verão prolongado.
Permafrost e as consequências
A deterioração do permafrost está causando deslizamentos de terra e afundamentos, afetando negativamente rios, lagos e mares árticos. Overduin observou mudanças drásticas na paisagem em locais como o Arquipélago Ártico Canadense e o oeste da Sibéria, comparando-as a uma “doença” da Terra.
O relatório da Noaa monitora oito indicadores vitais para a saúde da região, revelando dados alarmantes:
- Além do verão mais quente, o Ártico teve o sexto ano mais quente desde 1900, com uma temperatura média do ar na superfície de -6,9°C.
- As temperaturas médias anuais aumentaram 0,25°C por década desde 1940.
- A cobertura de gelo marinho está em declínio contínuo, com a extensão deste ano sendo a sexta mais baixa desde 1979.
- As temperaturas da superfície do mar em agosto estavam significativamente mais altas do que a média de 1991-2020 em vários mares árticos, enquanto temperaturas mais frias foram observadas em outras regiões, como a Baía de Baffin.
Transformações na paisagem
O Ártico está se tornando progressivamente mais verde, conforme revelado pelos 24 anos de registros por satélite. Este fenômeno é resultado do derretimento precoce do gelo marinho na primavera, que, por sua vez, gera um clima marítimo mais ameno nas áreas costeiras. Tal mudança climática favorece o crescimento de biomassa, incluindo arbustos e pequenas árvores, substituindo as áreas antes dominadas por líquen.
Uma Bhatt, professora da Universidade do Alasca Fairbanks, alerta para os efeitos colaterais ainda não totalmente compreendidos dessa transformação. Isso inclui impactos na cadeia alimentar, afetando animais como o caribu e, consequentemente, as comunidades indígenas que dependem desses animais.
O relatório observa um aumento significativo de algas marinhas na região, especialmente no Mar de Barents e no Ártico Eurasiano. Essa proliferação, associada a temperaturas mais elevadas, pode representar uma ameaça emergente para a saúde humana e dos ecossistemas.
A América do Norte registrou níveis recordes de baixa cobertura de neve em maio, mas, paradoxalmente, houve um acúmulo geral de neve acima da média durante o inverno de 2022-2023 no continente e na Eurásia. Este acúmulo de neve pode ajudar a compensar a perda de massa da camada de gelo da Groenlândia. No entanto, a camada de gelo continua a diminuir, com temperaturas acima do ponto de congelamento registradas em seu ponto mais alto.
O relatório destaca o aumento da umidade no Ártico, com a precipitação de 2023 sendo a sexta mais alta já registrada. Em contraste, o norte do Canadá experimentou um verão anormalmente seco, contribuindo para incêndios florestais recordes que liberaram grandes quantidades de gases de efeito estufa.
Anomalias climáticas
O relatório enfatiza que, embora existam anomalias dentro das tendências de aquecimento de longo prazo, a tendência geral de um Ártico em aquecimento está contribuindo para eventos de alto impacto, como os incêndios florestais recordes no Canadá.
As comunidades indígenas desempenham um papel crucial na mitigação dos impactos das mudanças climáticas. Além disso, o relatório aponta para a necessidade urgente de pesquisa adicional, especialmente no que se refere ao permafrost subaquático, que pode ter um papel significativo no sequestro de carbono.
Bhatt resume as conclusões do relatório, enfatizando o aquecimento, a umidade crescente e a diminuição do gelo marinho no Ártico, evidenciando as claras consequências do impacto humano sobre o meio ambiente.
Comentários