Realizado por pesquisadores na Embrapa, o objetivo é que o sequenciamento do genoma da castanheira acelere o melhoramento da espécie.
A castanheira (Bertholletia excelsa), árvore ícone da floresta Amazônica, é fonte de renda para mais de 170 mil pessoas e, pela primeira vez, contará com um genoma referência, fundamental para a preservação da espécie e desenvolvimento de pesquisas.
O estudo inédito é realizado por cientistas da Embrapa e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e já identificou genes determinantes de incompatibilidade genética, que auxiliam a saber quais indivíduos não conseguem se reproduzir entre si. Também já produziu informações genômicas importantes e uma de suas maiores contribuições estará na aceleração do melhoramento genético da espécie.
Como se trata de uma árvore de longo período de vida, com o melhoramento genético clássico, seriam necessários cerca de 50 a 200 anos para que fosse feita uma avaliação dos ciclos completos e a seleção das melhores plantas para a obtenção de características desejadas. Isso porque o pesquisador tem de estudar o comportamento de diferentes plantas em diversos ambientes e situações ao longo de todo o seu ciclo de vida para obter as respostas desejadas.
No entanto, por meio de sequências genômicas e da bioinformática, utilizando banco de genes disponíveis para outras plantas, será possível encontrar genes que indicam características importantes, como tolerância à seca, resistência a patógenos ou compatibilidade reprodutiva, por exemplo. Desse modo, plantas com melhor perfil são selecionadas rapidamente, por meio de uma análise genética.
Outro fator importante é que a castanheira é uma espécie que apresenta incompatibilidade genética, ou seja, há indivíduos na espécie que não conseguem se reproduzir entre si e produzir frutos. Isso torna a identificação de plantas que sejam ou não compatíveis fundamental. E o trabalho de sequenciamento já contribui nesse desafio, o genoma referência da castanheira revelou a presença de genes de incompatibilidade reprodutiva, trazendo oportunidades para uso de ferramentas genômicas no melhoramento, plantio e conservação da espécie.
O reconhecimento dos determinantes de compatibilidade genética entre indivíduos pode facilitar a seleção de matrizes a serem utilizadas em programas de melhoramento e contribuir para o aumento da produtividade de castanhais.
Por meio do DNA de uma muda de castanheira, será possível identificar o grupo genético ao qual a muda pertence, direcionamento assim a escolha dos indivíduos a serem utilizados em plantios comerciais.
“Além disso, outros genes de interesse podem ser identificados, favorecendo a seleção das melhores plantas ainda na fase de viveiro e ganhar muitos anos de pesquisa no programa de melhoramento, oferecendo resultados seguros e muito mais rápidos”,
exemplifica a pesquisadora da Embrapa Rondônia, Lúcia Wadt.
Outro ponto interessante é que a seleção natural para a adaptação das castanheiras em cada ambiente deixa marcas no genoma da planta, assim como o estudo dessas marcas é importante tanto para a conservação da espécie nas florestas como também para a seleção de árvores em programas de melhoramento genético para potencializar a produção de frutos. Essa pesquisa é conduzida pela Embrapa em parceria com a UFSCar, por meio do projeto EcogenCast. O trabalho teve início em 2016 e está em andamento.
Importância social e econômica da castanheira
A castanheira, nos últimos cinco anos, movimentou em média R$ 116 milhões por ano, só no Brasil. Praticamente toda a produção da castanha-da-Amazônia que gerou essas divisas é oriunda de florestas nativas e, apesar dos valores atuais não serem competitivos como muitas outras comodities, seu valor social e para as comunidades tradicionais é incontestável. Pesquisas que possibilitem a seleção de plantas mais produtivas e que estejam mais adaptadas às condições climáticas atuais são fundamentais para a viabilidade da produção de castanha e para a conservação das florestas na Amazônia.
Além da identificação de genes de interesse agronômico, os cientistas também querem entender a influência do meio ambiente na estruturação da variabilidade genética em castanhais nativos. Espera-se com isso subsidiar estratégias de conservação, com base na história evolutiva da espécie, sua distribuição geográfica atual e futura.
“O estudo também busca identificar as regiões onde populações de castanheira podem ser mais vulneráveis às mudanças climáticas, e por extensão, refletem a vulnerabilidade de diversas outras espécies que ocorrem em associação com a castanheira”,
complementa a pesquisadora da UFSCar, Karina Martins.
Diversidade genética varia conforme a região
Segundo os pesquisadores, em uma análise inicial realizada com 30 populações distribuídas em toda a Amazônia brasileira, foi possível observar que os castanhais nativos explorados apresentam diversidade genética, mas com diferenças entre as regiões. Isso significa que a conservação da diversidade da espécie depende da manutenção dos castanhais nas diversas regiões onde ela ocorre.
“Resultados desse tipo de pesquisa podem ser úteis para a definição de áreas prioritárias para conservação genética da espécie, bem como recomendar populações chave para coleta de material genético a ser utilizado no programa de melhoramento da castanheira”, comenta Wadt.
Além desses aspectos de conservação e melhoramento, o estudo contribuirá para modelar os impactos de mudanças climáticas globais sobre as florestas, podendo auxiliar na definição de ações para combater as alterações climáticas e os seus impactos, contribuindo com 13 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que fazem parte da agenda mundial adotada pelas Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável.
Genes relacionados ao selênio e à resistência a pragas
Para dar subsídios a diferentes projetos de genômica da espécie, foi montado o genoma de referência da castanheira, por meio de parceria entre a Embrapa, UFSCar e a Universidade de Brasília (UnB), com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
A pesquisadora Karina Martins explica que o DNA de uma castanheira nativa, localizada em Porto Velho, Rondônia, foi sequenciado e, com o uso de ferramentas computacionais, foi possível montar quase que completamente e com altíssima qualidade todo o genoma da espécie. Os RNAs obtidos de diferentes tecidos da castanheira foram sequenciados e utilizados para identificar os genes no genoma montado e buscar suas funções.
“A disponibilização pública do genoma referência da castanheira será um recurso fundamental para o avanço no conhecimento sobre a espécie, contribuindo para a conservação das populações e seu melhoramento genético”, reforça a pesquisadora, complementando que foi identificada, por exemplo, uma grande quantidade de genes que conferem resistência a pragas e doenças e genes associados ao metabolismo de selênio.
Curiosamente, ao comparar as sequências genômicas obtidas para castanheira com bancos de dados genômicos, identificou-se uma forte associação com uma bactéria que é patogênica para a cultura do milho doce e outras culturas, sendo causadora da murcha de Stewart. O trabalho, que será publicado em breve, sugere que a associação com a bactéria pode ser benéfica para a castanheira, uma vez que, além da ausência de genes de virulência, foram identificados múltiplos genes no microrganismo potencialmente associados a caracteres de crescimento em plantas.
Muitos questionamentos vinculados à conservação da espécie, uso sustentável e cultivo da castanheira com vistas à produção da castanha-da-amazônia e ao enfrentamento às mudanças climáticas podem ser respondidos com esses estudos. Para a pesquisadora Lúcia Wadt, com o genoma sequenciado será possível definir marcadores genéticos que podem ser comparados com bancos de dados de genes que já designam características como resistência às doenças e tolerância à seca, por exemplo. Dessa forma, será possível identificar marcas que encurtam o caminho para seleção de plantas superiores facilitando assim a recomendação de material genético para plantios comerciais.
O metabolismo da castanheira associado ao selênio é outro item de interesse da pesquisa. Estudos já demonstraram que árvores que estão no mesmo ambiente apresentam níveis diferentes de selênio, o que significa que elas têm metabolismos diferentes de absorção e disponibilização desse elemento para as sementes.
“Com base nos marcadores genéticos pode ser que seja possível selecionar plantas com características desejáveis quanto ao selênio, por exemplo. Mais ainda, quem sabe não descobrimos como funciona o mecanismo genético que possibilita à planta capturar o selênio do ambiente e concentrar na semente. Com esse conhecimento e técnicas avançadas da genômica, será possível enriquecer outros alimentos como amendoim, feijão e outras castanhas, melhorando o valor nutricional de alimentos. Isso é apenas um exemplo do que pode ser feito. A pesquisa com a genômica da castanheira abre um mundo de possibilidades”, conclui Lúcia Wadt. Ela prevê que, em dois anos, respostas ainda mais completas sejam obtidas a partir desse trabalho genômico.
Fonte: Portal Amazônia
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